Contradição e o absurdo do desenvolvimento sustentável: caminho para solução?
COLUNISTA: Rodrigo Fernandes More, Professor, Doutor, Consultor Jurídico Do Plano De Levantamento Da Plataforma Continental, UNIFESP
Minha contribuição de estreia nesta coluna baseia-se na minha maior preocupação como cientista do mar: como aplicar ao mar o princípio do desenvolvimento sustentável? A pergunta parece tola e a resposta óbvia, mas não são.
Cada país percebe os oceanos de forma distinta
A primeira evidência de que minha preocupação é válida está na expressão teórica das relações de poder entre estados: a notória assimetria política e econômica entre os países do mundo. Inevitavelmente reflete-se sobre o oceano, inclusive sob o ponto de vista militar. Cada país percebe a importância do oceano de forma distinta. Em diferentes níveis de expressão e exercício do que se denomina “mentalidade marítima”.
Patentes sobre recursos marinhos
Essa assimetria política e econômica, associada a percepções distintas sobre a importância dos oceanos, reflete sobre o domínio do conhecimento científico: a investigação científica marinha é privilégio dos países mais desenvolvidos. Isso concentra no polo mais rico da balança de poder o maior número de patentes sobre recursos marinhos. Especialmente associados à imensurável biodiversidade marinha. Conclusão: a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável precisa ser considerada sob a ótica das assimetrias e diferentes percepções dos países sobre os oceanos.
O tal desenvolvimento sustentável
A segunda evidência de validade está na expressão prática do mesmo fenômeno de poder. Ela é baseada na prática política dos estados sobre o que está escrito nos documentos de direito internacional: os interesses dos países, acima da interferência singular do homem sobre o ambiente marinho. Isso determina, de forma particular, a extensão e a profundidade com que aplicam o conceito de “desenvolvimento” e de “sustentável”.
Como pintar a pesca sustentável?
Para exemplificar, imagine-se uma moldura de quadro a delinear uma tela e que se solicitasse a cada país a pintar uma imagem sobre o que entende sobre pesca sustentável. Haveria pinturas com pesca artesanal e comercial. Algumas com barcos pequenos e outras com navios enormes. Algumas retratariam peixes nobres como o atum azul. Outras nem peixes apareceriam, apenas pescadores e barcos. Alguns países provavelmente pintariam baleias, que não são peixes nem são pescados, mas interessam muito. Cada um entende a pesca sustentável de forma distinta. Muitas vezes limitada a seu próprio “quintal”: aqui vale, mas no mar dos outros países, não é bem assim…
Desenvolvimento sustentável: como concretiza-lo?
Esse exercício reflete a diversidade de interpretação política e prática sobre o direito. Numa abordagem realista, na linha de Hobbes e Maquiavel, o desenvolvimento sustentável não é apenas um princípio de direito, mas um conceito multidisciplinar. Complexo. Minha preocupação é com a efetividade do conceito: como ele se concretiza no mundo real? Para que serve, afinal?
Respondendo a questão acima colocada
Para responder a estas indagações, vejamos o que propõe para os oceanos a Declaração Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO + 20), documento denominado “O Futuro que Queremos”:
…Ressaltamos a importância da conservação e utilização sustentável dos oceanos, dos mares e dos seus recursos para o desenvolvimento sustentável, nomeadamente através das contribuições para a erradicação da pobreza, crescimento econômico sustentável, segurança alimentar, criação de meios de subsistência sustentáveis e trabalho decente, protegendo, ao mesmo tempo, a biodiversidade e o ambiente marinho e remediando os impactos da mudança climática. Nós, portanto, comprometemo-nos a proteger e restaurar a saúde, a produtividade e a resiliência dos oceanos e dos ecossistemas marinhos, e a manter sua biodiversidade, permitindo sua conservação e uso sustentável para as gerações presentes e futuras. Nós nos engajamos também a aplicar eficazmente uma abordagem ecossistêmica e de precaução na gestão, em conformidade com o direito internacional de 33 atividades impactantes sobre o ambiente marinho, para manter o compromisso das três dimensões do desenvolvimento sustentável.
Como considerar o desenvolvimento sustentável?
Abstraindo momentaneamente o processo de negociação e a natureza jurídica não vinculante de “O Futuro que Queremos” (que não cria obrigações de natureza primária para os países signatários que possam ser cobradas), o desenvolvimento sustentável pode ser considerado uma meta. Um resultado esperado baseado na “conservação e uso sustentável dos oceanos”. Isso passa pela integração de ações multidisciplinares relacionadas a direitos econômicos (i.e. erradicação da pobreza). E direitos sociais e ambientais (i.e. direto ao acesso a meios de subsistência sustentáveis e trabalho decente, bem como proteção da biodiversidade e do ambiente marinho).
São todos estes direitos muito bem delineados em seu conteúdo. Mas carecem de efetividade no plano real devido à variabilidade da interpretação política dos diversos estados e suas assimetrias.
Na prática do mundo real, de que serve apoiar o desenvolvimento sustentável em conceitos igualmente variáveis sob o ponto de vista da interpretação e da efetividade?
Parece que estamos diante de uma equação matemática de resultado impossível, como numa operação de divisão por zero: “erro”.
Proponho uma reflexão
Minha proposta de reflexão para buscar uma solução, baseada na breve experiência com a matemática que tive no curso de engenharia (acabei me formando em direito) é a seguinte: considerar a efetividade do desenvolvimento sustentável não em seus elementos conceituais diretos, mas em suas contradições, ou seja, nos elementos que negam sua possibilidade realização no mundo real, a fim de se comprovar que, dadas algumas de suas características, ele pode sim se realizar. Isso, na matemática, chama-se prova por contradição ou redução ao absurdo e é usado em teoremas de existência (prometo não entrar em detalhes!).
Em outras palavras: trabalhar com as assimetrias, com o que pode e efetivamente dá errado, ao invés de trabalhar com a uniformidade e beleza quase quixotesca do conceito que, presumivelmente, indica o caminho certo. Ou seja: pensar as diversas formas como a pintura do meu peixe, suas formas e cores, e do que entendo como pesca sustentável pode se enquadrar, no mundo real, à moldura da lei. Como fazer isso?
Falta de respostas
Não tenho respostas ainda, mas prometo trazer algumas reflexões novas nas futuras colunas, espero instigado por leitores que queiram participar desse exercício de (des)construção do conceito de desenvolvimento sustentável e pensa-lo a partir de suas contradições e absurdos. Os elementos para buscar respostas estão aí: ciência, tecnologia e inovação. Talvez o colorido e o sorriso dos peixes de Romero Britto possam nos inspirar a refletir.
Aprendi! Consegui entender assunto obscuro . Como excluida deste mundoque sou, registrei, estou entrando mar a dentro! Parabéns !
Parabéns Rodrigo pela escolha do tema!
Forte abraço
Guerreiro