Corais: pesquisadores descobrem banco em Fernando de Noronha
As temperaturas mais altas dos oceanos e o derramamento de óleo no litoral estão causando sérios danos aos recifes de corais da costa brasileira. O Mar Sem Fim vem mostrando isso ao longo dos últimos meses. Mas, em meio a tantas agressões ao ecossistema, há uma notícia boa. Pesquisadores Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) anunciaram a descoberta de um banco de corais na costa pernambucana. O recife tem aproximadamente 16 quilômetros quadrados. E, melhor, é saudável e gera rica biodiversidade no entorno. Está distante cerca de cinco quilômetros da ilha, mas ainda dentro dos limites do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. A descoberta surpreendeu até mesmo os pesquisadores.
Recife de corais tem 16 km2 e é saudável
A surpresa está nas diferenças desse banco. A saudabilidade é uma delas. Outra é a profundidade: entre 40 e 50 metros. E a maior: é um recife monoespecífico. Ou seja, é formado apenas pelo coral de nome científico Montastraea cavernosa. “Não conhecemos outro igual no Brasil. A maior parte dos bancos de corais é resultado de uma mistura de várias espécies que compõem a estrutura, especialmente algas coralinas. É assim na Costa dos Corais (Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, entre o litoral Sul de Pernambuco e o litoral Norte de Alagoas). E também no Atol das Rocas (Reserva Biológica Atol das Rocas, no Rio Grande do Norte), por exemplo. Mas, nesse, toda a cobertura é dessa espécie de coral mesmo.”
Conhecimento para preservar ecossistemas
Quem explica é a doutora em oceanografia Mirella Costa. Ela é professora do Departamento de Oceanografia da UFPE. Faz parte da equipe que desde 2016 está mapeando o fundo do mar na plataforma continental da região de Fernando de Noronha. “O objetivo é conhecer o fundo marinho, que é bastante desconhecido, como Mar Sem Fim mesmo sempre ressalta, quando chama a atenção para a falta de conhecimento que se tem nessa área”, diz Costa. A partir desse estudo, para entender como funcionam e se interligam os diversos habitats encontrados, o grupo de pesquisadores deverá sugerir medidas de conservação dos ecossistemas. Podem sugerir também aos gestores (do Parque) a ampliação dos limites do Parque Fernando de Noronha.
Novo banco de corais, descoberta de 2017 agora anunciada
A divulgação da descoberta é recente. Tem sido apresentada apenas em congressos científicos. Mas a incursão que levou à descoberta foi realizada em maio de 2017. Desde então, a equipe, composta por pesquisadores de várias instituições, investiga mais profundamente a região. Os estudos devem ser finalizados no próximo ano, quando um artigo apresentará a descoberta à comunidade científica, observa Costa. A jornada iniciada em 2016 tinha o objetivo de mapear recifes e qualquer habitat, entre 30 a 150 metros de profundidade. E só foi possível diante da obstinação dos pesquisadores.
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Entre os quais está Mauro Maida. Professor há 25 anos do Departamento de Oceanografia da UFPE, ele desenvolveu o sistema de câmeras que torna esse trabalho viável. “Normalmente, esse tipo de monitoramento em águas profundas é realizado com robôs, os ROVs (veículos submarinos operados remotamente). Mas custam caro. Desde 2012, temos desenvolvido um sistema alternativo de baixo custo para monitorar em águas mais profundas. Ele funciona até onde a luz chega. Em Fernando de Noronha, já chegamos a 130 metros de profundidade”, explica Maida, que fez mestrado e doutorado na Austrália, estudando a Grande Barreira de Coral australiana (Saiba mais sobre a Grande Barreira).
Sistema de monitoramento no estilo Sassanga
O sistema de monitoramento com quatro câmeras desenvolvido por Maida é denominado Sassanga. É inspirado no nome do equipamento que pescadores tradicionais usam para conferir o tipo de fundo de mar em que estão. “É um fio grosso com um peso na extremidade, geralmente, uma barra de sabão. Eles lançam no fundo do mar e, pelo tipo de vibração e conhecimento que vem de gerações, sabem qual é o tipo de solo. Se é rocha, se é lama… No lugar do sabão, temos câmeras, em caixas estanques, que fomos aprimorando. No lugar do fio grosso, temos um cabo de 200 metros.”
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Corais de Fernando de Noronha: mais de 50 horas de imagens gravadas
O sistema está acoplado a um barco. Assim, é possível navegar e monitorar ao vivo, em movimento e tempo real, extensas áreas em poucos minutos. Todas as imagens também são gravadas, o que permite processar os dados e elaborar mapas de habitats ecológicos relevantes. Já são mais de 50 horas de imagens gravadas. “Conseguimos fazer uma mapeamento em larga escala. Encontramos, inclusive, em outra área, uma espécie de coral em extinção: a Mussismilia harttii (também conhecida como coral vela ou coral couve-flor). Normalmente, encontramos cemitérios dessa espécie. Vivo, como esse que encontramos, não era registrado há décadas nessa região”, diz Costa.
66 espécies e 48 mil peixes no entorno do banco de corais
Para efeitos de comparação, segundo Maida, um mergulho técnico na profundidade desse novo banco de corais duraria em torno de 15 minutos, no máximo. “Com o sistema, podemos gravar o dia inteiro, se necessário.” Mas, no próximo ano, a equipe vai mergulhar no local para encerrar os estudos. Com o material coletado, os pesquisadores já conseguiram catalogar mais de 66 espécies de peixes no entorno do novo banco de coral. Cerca de 48 mil peixes usufruem desse ecossistema, considerado berçário da vida marinha. “Quando se começa a estudar, pode-se deparar com ambientes degradados, mas também com essa rica biodiversidade”, diz Costa.
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O que torna possível esse ambiente saudável é o que os pesquisadores vão explicar no artigo científico a ser produzido. “Temos alguns indicativos. A profundidade é um deles. Outros ecossistemas próximos são mais rasos, no máximo a 20 metros. A partir de 30 metros, são poucos os estudos no País. E também não é somente a distância da ilha em si (Fernando de Noronha). As correntes oceânicas passam por ele para atingir a ilha. Outros ecossistemas mais próximos recebem a carga da ilha”, afirma a professora. Vinte e quatro vezes maior que a Laje Dois Irmãos, o novo banco mostra uma saudabilidade que não se vê nesse recife de corais próximo à ilha. Entre 15 e 25 metros de profundidade, ele abriga entre as espécies de corais a mesma encontrada no novo.
Laje Dois Irmãos, restam apenas 20% de corais
A Laje Dois Irmãos é o único banco de corais na ilha descrito pela ciência até então. Entretanto, está mais próxima de Fernando de Noronha. “Acompanho o Dois Irmãos desde 2002. Naquela área, os corais estão morrendo. Existe pouco registro do que era no passado. Mas, na década de 1970, era incrível. A cobertura, hoje, se tiver 20% de corais vivos é muito. Ele sofre diretamente a descarga dos afluentes da ilha, que passam todos por ele. E também eventuais ações humanas diante do crescimento do turismo. Já esse banco não sofre influência da ilha. Está no mar aberto. Mar de fora, como chamamos. O Dois Irmãos está no mar de dentro”, diz Maida. “O que é um alívio”, acrescenta.
Novo banco de coral, um oásis no oceano
Alívio porque é saudável e porque pode ajudar na recuperação da Laje Dois Irmãos. Ou talvez porque ele esteja ajudando Dois Irmãos a não virar um novo cemitério de corais. Assim como a manter toda a rica biodiversidade de Fernando de Noronha. É essa correlação que os pesquisadores estão estudando. “Geralmente, bancos assim possuem maior diversidade. São verdadeiros oásis. Como se fossem florestas. E este tem muitas espécies de peixes, lagostas, enfim, é muito relevante do ponto de vista ecológico”, afirma a professora.
Novo banco de coral e a conexão com o entorno
“Estamos estudando se existe uma conexão também com os ambientes rasos, mais degradados, com mais poluição e maiores temperaturas da água. Onde a biodiversidade é mais suscetível a impactos. Pesquisamos se esse ambiente recém-descoberto, de alguma maneira, ajuda a manter outros habitats em águas mais rasas. Se pode ajudar a recuperá-las. E também se são áreas de refúgio para manter, de alguma forma, a biodiversidade. Pode ser refúgio, mas como é ambiente saudável pode dispersar vida para outras áreas”, prossegue Costa.
Novo banco de coral, várias instituições estão no projeto
Esse projeto, além de pesquisadores do Laboratório de Oceanografia Geológica da UFPE, envolve ainda cientistas de várias instituições. Entre elas, o Laboratório de Dinâmica Costeira do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), Instituto Recifes Costeiros, o Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene). O Cepene é um dos centros nacionais de pesquisa e conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (Saiba mais sobre o Cepene). O projeto é patrocinado ainda pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que o Mar Sem Fim não se cansa de elogiar. Se 10% das grande empresas brasileiras tivessem o compromisso ambiental de Boticário, nossa biodiversidade estava garantida para as futuras gerações (Conheça o trabalho da Fundação).
Imagem de abertura: Imagem, Doug Monteiro/ IRCOS/ UFPE.
Fontes: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2019/10/09/pesquisadores-anunciam-descoberta-de-banco-de-corais-com-16-quilometros-quadrados-em-fernando-de-noronha.ghtml;