Batalha judicial põe em risco a centenária canoa de tolda Luzitânia

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Batalha judicial põe em risco a centenária canoa de tolda Luzitânia

Em 2022 um importante patrimônio cultural, a canoa de tolda do São Francisco, Luzitânia, foi alagada devido à imprudência da CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco. A empresa aumentou a vazão do rio no momento em que a canoa estava aberta para reparos, no município de Mato da Onça no Baixo São Francisco, resultando no seu alagamento. Ela é a última canoa de tolda ainda em atividade, fruto dos esforços de Carlos Eduardo Ribeiro que a encontrou abandonada em 1999. Carlos providenciou sua restauração e a manteve ativa. Quando aconteceu o acidente o IPHAN estava aparelhado pelo ex-presidente. Assim, mesmo tendo tombado algumas embarcações entre elas a própria Luzitânia, e lançado o Projeto Barcos do Brasil em 2008, o órgão não tomou conhecimento do acidente com a canoa centenária.

centenária canoa de tolda Luzitânia
A Lusitânia em todo o seu esplendor. Imagem,canoadetolda.org.br.

Dois anos de luta com o IPHAN

Em 1999 Carlos Eduardo Ribeiro criou a Sociedade Canoa de Tolda que, em seguida,  comprou a histórica Luzitânia.

Mestre Nivaldo, do São Francisco
Mestre Nivaldo comandou a reforma da Luzitânia. Imagem de 2006, acervo MSF.

Um dos últimos construtores navais do São Francisco, Mestre Nivaldo, foi responsável por reformá-la, deixando-a exatamente como era nos tempos em que Lampião a utilizava.

Sim, de acordo com a Sociedade Canoa de Tolda, ‘Lampião e seus cabras utilizaram a Luzitânia (conforme o depoimento de Tonho da Ilha do Ferro, no documentário De Barra a Barra), nos anos 30, durante a fase sedentária do cangaceiro no Baixo São Francisco. Depois disso, teve vários proprietários e passou a transportar diversos tipos de carga entre o sertão e a região de Penedo’. Portanto, além de rara, a canoa tem uma história fascinante.

Por isso, após o acidente, Carlos Eduardo contatou o IPHAN em busca de ajuda. Recebeu desculpas como resposta. O órgão recusou-se a retirar a Luzitânia e encaminhá-la a um estaleiro. Diante disso, a Sociedade Canoa de Tolda iniciou uma Ação Civil Pública de Tutela Liminar (processo no. 0800503-51.2022.4.05.8500, veja aqui).

canoa Luzitânia em reforma
A Luzitânia em reforma. Acervo MSF.

Ainda em 2022, a 3ª. Vara da Justiça Federal, em Sergipe, emitiu decisão favorável à ação. Na decisão, o Juiz Edmilson Pimenta publicou uma histórica decisão favorável aos objetivos da organização: o órgão deve, imediatamente, promover o resgate da Luzitânia e conduzi-la a local em total segurança.

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IPHAN questiona a Justiça!?

Mas, em vez de seguir a ordem, o IPHAN apelou da decisão! Assim, a disputa continuou. Finalmente, em março de 2022, a histórica Luzitânia voltou a flutuar no Mato da Onça. Eles a transferiram para a cidade de Traipu, cerca de 90 km rio abaixo.

Após uma decisão da Justiça Federal, o IPHAN contratou uma empresa para realizar a manobra de resgate e condução da canoa para o local.

Amyr Klink depõe a favor da Luzitânia

O que poderia ser resolvido em poucos dias, com boa vontade, demorou meses e só foi em frente por decisão da Justiça. Em outras palavras, a insistência do IPHAN em menosprezar o bem cultural que ele mesmo tombou desde 2010 (decisão homologada pela Portaria Nº 77, de 19 de junho de 2012, do Ministério da Cultura) só pode ser considerada como mesquinha.

A atitude fez com que uma série de navegadores e especialistas dessem seus depoimentos. Para Amyr Klink, por exemplo, “com o desaparecimento da Luzitânia a gente sente uma espécie de amputação cultural. Ela é a última, quer dizer, com ela se encerra todo um ciclo de embarcações, absolutamente únicas, que eram encontradas no São Francisco. Para Amyr, ‘restaurar esta canoa é simbolicamente importante pra gente resgatar nossos laços com o passado’.

a centenária canoa de tolda Luzitânia
Imagem,canoadetolda.org.br.

E não foi apenas ele, outros também se manifestaram, como talvez um dos maiores especialistas no tema, já falecido, Luiz Phelipe Andres, e o arquiteto Dalmo Vieira Filho, um dos maiores conhecedores das embarcações típicas brasileiras.

Junho de 2024, Justiça dá 90 dias ao IPHAN

Segundo o g1, ‘em 10 de junho a Justiça Federal em Sergipe determinou que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem 90 dias para fazer o resgate da última canoa de tolda ‘Luzitânia’, embarcação histórica, original da época do Brasil Colônia’.

Segundo Dalmo, “ela é um dicionário de soluções técnicas, de maneiras de construir barcos, e de navegar sobre um rio como o São Francisco. É de um valor inestimável.” E concluiu o especialista: ‘A perda de um bem cultural deste valor não pode se dar por mero capricho burocrático’, enfatizou. E concluiu: ‘Seria demais’.

Contudo, até  o momento prossegue ‘o mero capricho burocrático’. Carlos Eduardo tem enfrentado sistemática má vontade por parte do IPHAN, o que ameaça a integridade da canoa. Por exemplo, apesar de ter até setembro para levar a canoa à Penedo, onde será reformada pelo pessoal da Universidade Federal de Alagoas, passados 30 dias da audiência de conciliação o IPHAN ainda não disse como, ou quando fará o transporte. Com isso, nos informa Carlos, ‘não sabemos quando a canoa voltará a navegar’.

Veja, leitor, toda esta dor de cabeça por míseros 500 mil reais para um bem cultural único, afinal, qual a função do IPHAN?

Para encerrar, destacamos as palavras de Dalmo Vieira Filho, ex-diretor do Departamento Material do IPHAN, e responsável pela criação do Projeto Barcos do Brasil.

Ainda em 2023, em carta aberta ao IPHAN Dalmo lembrou que ‘as embarcações tradicionais são objetos materiais frágeis, que necessitam de cuidados e intervenções permanentes… Ao mesmo tempo, são fruto da mescla de práticas e saberes milenares, originários de variados lugares do planeta, transmitidos através do trabalho prático, no cotidiano de muitas gerações’.

Para Dalmo, ‘quando ocorreu o episódio que levou ao naufrágio da Luzitânia, ocorreu uma das mais tristes páginas da história da preservação do patrimônio cultural brasileiro’.

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E conclui Dalmo Vieira Filho: ‘Ao invés de se juntar ao esforço de recuperar a canoa, o que se assistiu por parte do IPHAN, à época, foi a uma tentativa vergonhosa de se eximir de responsabilidades e, pior, talvez para justificar a inação, se abriu uma verdadeira campanha de descrédito contra o responsável pela Luzitânia, sem deixar de colocar em suspeição o próprio valor do bem tombado’.

Não é fácil, muito menos simples, ser brasileiro. E poderia ser, não fosse a inoperância do Estado.

Assista ao vídeo do IPHAN, de 2012, sobre a joia naval que ele hoje renega

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