Ambientalismo indireto, por Pedro de Camargo Neto, Dr. Eng. pecuarista, ex-presidente de entidades do agronegócio
O tema de hoje é ‘Ambientalismo indireto’. Para o enfrentamento dos crimes de corrupção, tráfico de drogas, diz o ditado “follow the money”. Os ambientalistas, no esforço de enfrentar o desmatamento ilegal na Amazônia, decidiram acompanhar o produto agrícola. As campanhas, principalmente na Europa, onde o movimento é muito forte, o foco é no produto que teria origem na região, principalmente soja e carne bovina.
Considerando a forte organização dos ambientalistas, o resultado parece pouco, pois o desmatamento ilegal continua. Deveriam fazer uma reflexão sobre a eficiência dessa estratégia.
Um parêntesis antes de continuar
Pedimos uma pausa para explicar o motivo deste artigo. Recentemente, depois da malfadada reunião ministerial em que o ministro do Meio Ambiente foi severamente criticado por sugerir ‘passar a boiada enquanto a mídia se ocupa da covid-19’, duas coisas aconteceram. Houve uma guerra de anúncios entre ONGs e entidades do agronegócio. Esta batalha provocou o pedido de demissão do autor deste texto da vice-presidência da Sociedade Rural Brasileira, por não concordar que a entidade assinasse a peça, gesto nobre de um dos líderes do agronegócio que já comentamos neste site.
Dias depois entrei em contato. Eu queria entender, e trabalhar para minimizar a divergência entre os dois setores: ambientalistas e agronegócio. Como minha especialidade é o bioma marinho e a Amazônia complexa, achei de bom tom ouvir o pessoal do meio.
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Trabalhar à procura do consenso, amenizar uma disputa que divide segmentos importantes na sociedade, e esclarecer o público sobre estes assuntos é um dos objetivos deste site. Eis os motivos. Passo a palavra de volta a Pedro de Camargo Neto.
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Ambientalismo indireto, a soja e a pecuária
A soja, principal produto do Brasil, tem uma pequeníssima área não regular em produção. A questão já poderia ter sido resolvida com facilidade. Para a pecuária a questão é mais complexa. O desmatamento ilegal existe e infelizmente se ampliou recentemente. O ambientalismo coloca a pecuária como responsável por esse desmatamento levantando questões sobre o que chamam de baixa produtividade e nível tecnológico do setor. Nada mais equivocado. É fato que a maioria das áreas desmatadas ilegalmente terminam como pastagens. A relação causal entre desmate e pecuária porém não se sustenta.
Essa estratégia de rastrear o produto tem valor e consistência para o consumidor, em especial o europeu preocupado com a Amazônia. Falha porém na produção dos efeitos desejados, a inibição do desmatamento ilegal, o que me parece o importante para o Brasil.
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Alguns anos atrás os principais frigoríficos exportadores assinaram TAC-Termo de Ajuste de Conduta com o MPF-Ministério Público Federal se comprometendo a não adquirir bois de propriedades irregulares na questão ambiental. Arrisco afirmar que o reflexo na redução do desmatamento foi nulo. Agora indicam interesse em ampliar a rastreabilidade da legalidade ambiental, não só da propriedade onde os animais engordaram porém desde o seu nascimento. Com a quebra do sigilo do cadastro sanitário pelo MPF ficou viável verificarem a regularidade ambiental das propriedades origem dos animais desde o nascimento.
Rastreabilidade em si é questão antiga
A União Europeia, provocada pela grave questão da BSE, doença da vaca louca, já exige rastreabilidade para a carne bovina do Brasil. Falta porém consistência técnica nos critérios exigidos, até porque a doença não ocorreu no Brasil. Atualmente toda a carne bovina exportada para a UE deve ter origem em um rebanho rastreado por no mínimo 90 dias, prazo sem consistência alguma para a BSE e que somente se explicaria pela febre aftosa que a autoridade brasileira já controla pelas GTA Guias de Trânsito Animal.
Para as exportações dentro da chamada cota Hilton, criada para atender uma demanda por qualidades organolépticas do produto, a exigência é que o rebanho tenha sido rastreado desde o seu nascimento, também aqui tecnicamente inconsistente.
O que poderá ocorrer com essa ampliação da rastreabilidade até o nascimento dos bovinos visando o desmatamento ilegal? Dessa vez, acredito, terá efeito na pecuária da região. Provocará uma segmentação no mercado de bezerros. Propriedades regulares que engordam bovinos interessadas em exportar, ou mesmo vender para frigoríficos que rejeitam eventual participação nessas chamadas irregularidades, procurarão comprar bezerros de propriedade regulares na questão ambiental. Os bezerros das irregulares terão outro destino e preço inferior.
Cabe observar que os bezerros continuarão nascendo. E como se diz na região não vão morrer de velho. Terminarão em algum mercado pressionando a informalidade sanitária e mesmo tributária.
140.000 propriedades de pequenos e médios produtores irregulares
Existem mais de 140.000 propriedades de pequenos e médios produtores irregulares na questão fundiária e consequentemente impossibilitados de se enquadrarem na regularidade ambiental. São basicamente todos eles pecuaristas, responsáveis por muitos bezerros que acabam sendo engordados em outras propriedades regulares ou não. Serão os maiores prejudicados.
Essa forte pressão social a ser criada pela queda de renda do pequeno pecuarista atuará no sentido de inibir o desmatamento? Não acredito. No máximo acelerará a regularização fundiária que já deveria ter ocorrido décadas atrás.
Ambientalismo indireto: culpar a pecuária pelo desmatamento é o equívoco original
Culpar a pecuária pelo desmatamento é o equívoco original. Levantar dúvidas pelo nível tecnológico e produtividade da pecuária é preconceituoso. O Brasil não teria se tornado um dos maiores exportadores de carne bovina com um setor atrasado. A pecuária é tão moderna como outros setores agrícolas.
Produtividades por área divergem bastante resultado da diversidade de clima, regimes de chuva e tipos de solo. É um simplismo técnico utilizar médias de produtividades nacionais sem considerar o ecossistema em produção. Convivem também produtores com nível tecnológico muito diversos, inclusive existindo os em triste decadência. Não são eles porém os responsáveis pelo desmatamento ilegal.
Desmatamento ilegal ocorre por falhas de fiscalização
O desmatamento ilegal ocorre por falhas de fiscalização e não da necessidade de ampliação de áreas de pastagem. As pressões internas ao setor por ampliação de produção e seus reflexos nos preços independem da área em pastagem ampliada de maneira ilegal com o desmatamento.
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A área em produção na pecuária é significativamente superior à área desmatada, que pode ser considerada grande considerando a ilegalidade na Amazônia, porém é pequena considerando o país. Os aumentos de produtividade zootécnica observados nos últimos anos têm muito maior peso na ampliação da produção do que alterações de área de pastagem. Reitero o desmatamento ilegal existe não é por demanda por área de pastagem.
Ambientalistas precisam refletir
Dedicar esforço pressionando a pecuária é perder o foco no que interessa. Passou da hora do ambientalismo refletir e desenvolver suas ações visando o que interessa e não imaginar que pressionando a pecuária acarretará um aumento da fiscalização. Estratégia equivocada que somente provocou uma polarização e afastamento entre os interessados em acabar com a ilegalidade.
Ambientalismo indireto, por Pedro de Camargo Neto, Dr. Eng. pecuarista, ex-presidente de entidades, especial para o Mar Sem Fim.
Imagem de abertura: Jornal Valor Econômico