Amazônia, problema é omissão histórica; queimadas, as consequências
Quem imagina que a ‘culpa’ (note as aspas, e saiba que sempre que o vocábulo for usado neste post será acompanhado do sinal) pelos desmandos na Amazônia vem do atual governo se engana. Este governo agrava, e muito, uma situação que se arrasta desde que o Brasil era conhecido como Terra de Vera Cruz. Apesar da especialidade deste site ser o bioma marinho, a Amazônia não escapou ao nosso olhar. E, mesmo nos considerando aprendizes de uma região imensa e extremamente complexa, arriscamos demonstrar neste post de opinião Amazônia, problema é omissão histórica; as queimadas, consequências, uma omissão generalizada da população, o que nos iguala ao atual governo e que se arrasta há mais de cinco séculos.
Com fatos históricos resumidos, queremos compartilhar a reflexão ‘de que nunca demos pelota para a Amazônia’, e comentar alguns aspectos sobre os protagonistas atuais. Para nós, o descaso histórico é ‘o’ problema. O resto, mera consequência.
Os protagonistas atuais
Se você está lendo até aqui, faz parte do grupo de protagonistas. É mais um dos milhares de brasileiros que se manifesta sempre que novas polêmicas são estabelecidas. E esta é uma notável contribuição da administração atual que, por sinal, é o principal protagonista pela força da palavra presidencial.
Muitas vezes é positivo quando um assunto ganha as manchetes. Discute-se mais, estuda-se mais, mas este aspecto positivo quando se trata da Amazônia não se repete nas redes sociais. Ali acontece um faroeste que não leva a nada. Um atira a ‘culpa’ no outro. Que o diga o próprio governo, andando de lado por semear a discórdia em vez de buscar consenso.
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Estreiteza condena
Para nós fica evidente que os atuais protagonistas reúnem, além do poder público, a opinião pública nacional e internacional, um dos setores mais importantes da economia brasileira, o agronegócio; além dos ambientalistas e pessoal da academia.
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Se parássemos de atirar pedra uns nos outros, e aproveitássemos o melhor de cada um para criar um consenso, quem sabe a Amazônia poderia ter sua terceira política pública, desta vez usufruindo os inéditos benefícios da ciência, tecnologia e inovação de que dispõe o século 21. E daríamos uma prova de que a nossa geração não se omitiu.
É o que buscamos demonstrar a partir do retrospecto.
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Desde que Cabral desembarcou no litoral baiano, 520 anos atrás, houve quatro grandes ações originais pensadas, ou ‘políticas públicas’, do poder central para a Amazônia; duas foram políticas pontuais, que por isso mesmo ‘resolveram’ apenas, se é que conseguiram, problemas agudos e… pontuais. Restaram duas originais. Vamos à cronologia?
O mundo estremeceu ao saber da ‘descoberta’ da nova terra. E não foram poucos os que a cobiçaram no século 16. Ingleses, franceses, holandeses, e espanhóis, dificultaram a posse da Amazônia por Portugal com incessantes incursões no território, ora para apoderarem-se de partes dele, ora para saquearem recursos extrativos. A Portugal restou tomar posse efetiva do território.
Coroa foi obrigada a investir
A Coroa foi obrigada a investir em expedições, construindo fortes e fortins em locais estratégicos, erguendo vilas e protegendo-as para impedir que as ‘drogas do sertão’ apreciadas na Europa como canela, cravo, anil, cacau, corantes, ervas, plantas e outras, acabassem fazendo com que aventureiros se fixassem na região. Alguns destes pontos fortificados são conhecidos hoje como Belém, fundada em 1616, e Manaus, fundada em torno do forte de São José do Rio Negro em 1669, entre outras.
Foi esta a primeira ‘política pública’ para a Amazônia que, com maior ou menor intensidade das investidas, seguidas por longos lapsos, acabou por conquistar a Amazônia para a Coroa no século 17.
O povoamento da Amazônia, a segunda política pública: século 19
Depois de garantida a posse do território, a Amazônia foi esquecida. Passaram-se dois séculos até nova ação. Era mais que hora de povoar a região. Mas isso só acontece pelo advento de uma revolução do outro lado do Atlântico.
Foi a revolução industrial que promoveu o famoso ‘ciclo da borracha’ iniciado por volta de 1840, e que prosseguiu até as primeiras décadas do século 20. A revolução tecnológica longínqua legou a energia para a humanidade, e mudou a economia do mundo.
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Seria preciso mão de obra para povoar a região e extrair ainda mais o látex. Segundo estudiosos, “a migração em direção ao Norte deu seus primeiros passos na grande seca de 1877-1879”, o evento climático extremo, já naquela época, ajudou. Mas não foi o único vetor.
“No período de 1890 até 1910, o contingente de pessoas saídas para a Amazônia (SOUZA; op. cit.), não teria sido inferior a meio milhão. Vale ressaltar que foi o trabalho destes migrantes que elevou a produção da borracha em 40% do total da exportação brasileira já em 1910. Formaram-se as correntes migratórias para os Estados da Amazônia incentivadas pelo governo (SOUZA; 1978).”
Qualidade de vida
De uma hora para outra as pessoas passaram a ter melhor qualidade de vida, e mais dindin para gastar. Uma capa de chuva e um par de galochas para enfrentar as intempéries do clima nas cidades europeias, pneus para carros e bicicletas nos Estados Unidos e, porque não, um café bem quente para encerrar a refeição?
As capas de chuva, galochas, e pneus, e muitos outros itens comezinhos, saíram do seio da imensa floresta. O cafezinho era oriundo do Sudeste, e promoveu a infraestrutura desta região.
A indústria automobilística nos Estados Unidos deu uma força imensa. Milhares de carros eram produzidos a preço acessível, fazendo o valor do látex disparar.
O látex da Amazônia
Pouco? Pois foi o látex da Amazônia o responsável pela inacreditável pujança de Belém, com seus casarões abastecidos por água encanada a partir de 1887 quando a cidade era conhecida por Belém do Gram – Pará. O majestoso Teatro da Paz inspirado no Scalla, de Milão, é de 1878; o de Manaus, o Teatro Amazonas, foi encravado no meio do ‘inferno verde’ em 1896.
Enquanto vapores singravam os rios amazônicos, Belém foi das primeiras cidades do País a contar com ferrovias, a Estrada de Ferro de Bragança inaugurada em 1884, e também uma das pioneiras a contar com energia elétrica em 1902.
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Se este ciclo provocado por evento exterior, promoveu a pujança dos barões e, em consequência, de suas cidades de origem; não o fez com os milhares de extratores do látex que trabalhavam em situação análoga a de escravos, acirrando ainda o que viria a ser uma das grandes vergonhas nacionais, uma das piores distribuições de renda do planeta.
Com esta ‘política’, portanto, contraímos uma dívida com a Amazônia não quitada até hoje.
Mas tudo corria bem na região Norte…
Tão bem que o poder público mais uma vez esqueceu-se dela. Foi cuidar do sudeste que crescia com o café, enquanto o Rio de Janeiro roubava a cena já como a capital mais linda do mundo, generosidade da geografia emoldurada de Mata Atlântica.
Era preciso modernizar a capital. A Amazônia, grande demais, complexa demais, impõe dificuldades sem fim para instalação de infraestrutura em meio à floresta ‘impenetrável’.
Foi deixada de lado mais uma vez.
Demorou muito para que o poder público virasse seus olhos novamente àquela direção. Políticos e gestores concentrados na capital, embevecidos com a deliciosa vida da belle époque nos trópicos, tinham preocupações periféricas. Iam da recém aberta Avenida Central, atual Rio Branco; até a reforma sanitária promovida por Oswaldo Cruz na cidade.
Amazônia, problema é omissão histórica: terceira política pública na primeira metade do século 20
No inicio da década de 40 os brasileiros (43 milhões) estavam apinhados no litoral. A Amazônia era uma imensa mancha verde no mapa, faltava escrever terra incógnita no mapa, à guisa de ilustração.
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Foi preciso nova revolução, ou melhor, hecatombe do outro lado do mundo, para que nossos gestores políticos olhassem novamente para a Amazônia. A mortal e desestabilizadora Segunda Grande Guerra.
Em 1942 o Japão invadiu a Malásia cortando o suprimento de borracha dos aliados. Atropelado pela realidade, não restava alternativa se não olhar outra vez para a Hileia.
Não fosse a guerra, e a terceira política pública talvez sequer tivesse sido criada. O esperto Getúlio, depois de pressionado por flertar com o Eixo saltou de lado e…
Flertou então com os aliados…
E o namoro, vingou. Como o Brasil poderia ajudar o esforço de guerra? Em troca de ceder terreno para tropas norte-americanas no Nordeste, e muita borracha para os blindados fabricados às carradas, barganhou a Companhia Siderúrgica Nacional iniciando a fase da industrialização. E promoveu a migração para a Amazônia.
“Em decorrência do envolvimento do Brasil na II Guerra Mundial em 1942, o governo brasileiro forneceu contingentes militares para as frentes de combate e firmou convênio com a Rubber Reserve Company, assinando também os chamados Acordos de Washington, objetivando desenvolver a produção da borracha na Amazônia.”
“A viabilização desses milhares de extratores que seriam convocados para a ‘batalha’, aconteceu quando foram criados pelos governos brasileiros e estadunidenses vários órgãos e instituições que se encarregariam do financiamento, recrutamento, transporte, alojamento, assistência médica e sanitária e alimentação para os que lutariam nessa batalha. Para MARTINELLO (op. cit.), as pessoas que estavam à frente destes órgãos e instituições nem sempre cumpriam satisfatoriamente as atividades, e muitas contribuíam para o insucesso da batalha da borracha.”
O segundo ciclo da borracha
Magotes de nordestinos, mas não apenas, foram mandados para dar conta da produção do látex que mais uma vez se transformou em milhares de pneus aliados entre 1942 e 1945, no que ficou conhecido com o ‘segundo ciclo da borracha’.
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Enquanto isso o ditador e seu Estado Novo criou os suportes, a Marcha para o Oeste, e os territórios federais do Amapá, Rio Branco (atual Roraima), Guaporé (atual Rondônia), em 1943. No mesmo ano foi a vez de despachar a Expedição Roncador-Xingu para ‘desbravar’ o sul da Amazônia; a Fundação Brasil Central é de 1944, e Getúlio inseriu na Constituição de 1946 um Programa de Desenvolvimento para a Amazônia.
E, ufa!, depois de tanto trabalho e ‘mais borracha para a vitória’, a Amazônia e os que para lá foram enviados mais uma vez foram abandonados à própria sorte.
Com o fim da guerra encerrou-se a terceira política pública meia-boca para a região. O ‘meia-boca’ para sinalizar que ela não foi criada por ação reflexiva do poder central, mas respondendo a um cataclisma inesperado gerado no exterior.
Voltamos a pensar na Amazônia no período dos ‘anos de chumbo’, quando nasce a última política pública para a Amazônia
Os anos 50 foram bons para o País, além da industrialização ter frutificado, tivemos um interregno de democracia quando JK foi eleito. Seu programa, Cinquenta Anos em Cinco, apesar de pensado para povoar o planalto central resvalou na floresta, e no que hoje conhecemos como ‘Amazônia Legal’.
A infraestrutura para a construção de Brasília serviria também para escoar a produção. Por obra de Alysson Paolinelli nos anos 70, aos poucos a agricultura começou a se estabelecer no Cerrado. Enquanto isso, houve investimentos na ciência cujo exemplo maior foi a criação da notável Embrapa.
Em breve o País passaria de importador, a exportador de alimentos. Além disso, duas rodovias abertas a Belém-Brasília e Brasília-Acre, como disse a pesquisadora Berta Becker, funcionavam como ‘grandes pinças contornando a fímbria da floresta’.
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Berta lembra que ‘a partir daí, acelerou-se a migração que já se efetuava em direção à Amazônia, crescendo a população regional de 1 para 5 milhões entre 1950-60, e de modo acelerado a partir de então’.
Apesar das políticas públicas de JK resvalarem na Amazônia, e terem tido alguma influência para a condição atual da floresta, não foram criadas em razão dela, mas para o povoar o oco Brasil central de então.
Nossa democracia não durou muito. Março de 1964 assinala a ruptura que nos custaria mais 20 anos sem ela, com militares no poder. Veio deste período a segunda e última política pública para a Amazônia.
Os militares têm suas peculiaridades não só no modo de se vestirem e cumprimentarem, mas na forma de pensarem também. Havia uma certa inquietação na caserna de que a Amazônia seria ‘cobiçada por forças exteriores’. Nasceu ‘integrar para não entregar’.
‘Integrar para não entregar’
Esta derradeira política tinha intenção de dotar a maior floresta úmida do planeta de infraestrutura semelhante à concebida para o sudeste ou o planalto central. Esta ilusão foi seu principal erro. Tanto o Sudeste, como o Planalto Central, têm geografia favorável para estradas de rodagem. A maior floresta úmida do planeta não comporta estas obras se quiserem que permaneça como a ‘maior floresta úmida’. O custo pelos obstáculos naturais é impagável. Como se verá.
Mas pipocaram imensas rodovias que saiam de lugar nenhum e chegavam e local algum. A Transamazônica, ou BR-230 é o maior símbolo, mas não foi a única.
Saindo de Cabedelo, na Paraíba, para chegar até Lábrea, no Estado do Amazonas, até hoje não foi concluída. Mas foi através dela que começou efetivamente a destruição da floresta.
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Até então não havia como entrar com máquinas neste processo, fundamentais para os grileiros e desmatadores ilegais, aparentemente os únicos a se beneficiarem das estradas. Na Amazônia estradas são os rios, com mais de 75 mil quilômetros de vias navegáveis. E poderiam e deveriam contar com apoio aéreo que até hoje é insuficiente.
Não foram só estradas abertas na mata semi-virgem
Mas não foram só estradas abertas na mata semi-virgem o que os militares propuseram em sua política pública. Eles criaram a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, a SUDAM, de triste memória. E, em 1967, a Zona Franca de Manaus, ‘um enclave industrial em meio à economia extrativa e próxima à fronteira norte, dotado de amplos subsídios’ (Berta Becker).
“O Estado brasileiro implantou a malha técnico-política na Amazônia, visando complementar o (controle e…) a apropriação (iniciada pela primeira política, a da Coroa, no século 17) física do território por meio de poderosa estratégia: redes de circulação rodoviária, de telecomunicações, urbana e de energia; subsídios ao fluxo de capital, com incentivos fiscais e crédito a baixos juros; indução de fluxos migratórios para povoamento e formação de um mercado de trabalho regional, inclusive com projetos de colonização; e superposição de territórios federais sobre os estaduais compuseram a malha tecno-política, com grandes empréstimos de bancos internacionais (Berta Becker).”
Antes de ‘culpar’ quem quer que seja lembre-se que, por paradoxal que possa parecer, a moderna e tida como ‘modelo’, legislação ambiental brasileira foi trazida neste mesmo período ao País por obra de Paulo Nogueira Neto, um civil conciliador e visionário, que trabalhou com Emílio Garrastazu Médici. Ele ainda criou, no governo do general, a SEMA, Secretaria Especial do Meio Ambiente, que 18 anos depois viria a tornar-se o ministério do Meio Ambiente (1992).
Amazônia, problema é omissão histórica, queimadas são apenas as consequências
É óbvio que esta reconstituição histórica é apenas uma reduzida pincelada do que o poder central fez para (ou seria contra?) a Amazônia nestes mais de cinco séculos. Não somos historiadores, nem foi esta a intenção deste post.
O objetivo, depois de alguma leitura e muita reflexão, é demonstrar relembrando fatos históricos que o problema foi, e continua sendo, nossa omissão. Queimadas são apenas consequência.
O ‘nossa’ serve para as pessoas pensarem duas vezes antes de colocar a culpa neste ou naquele grupo. A ‘culpa’, se é que existe, vem de todos. Uns por comodismo, em outras palavras, omissão; outros, talvez, por ações equivocadas, e a maioria por não pensar além do próprio umbigo. Se está bom para quem mora no Sul, Sudeste, ou em outras regiões, não quer dizer que esteja bom para TODO o País.
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Mas nós, nos omitimos, e sem pressão da opinião pública governos não agem. Foi por causa disso que em mais de cinco séculos de história houve apenas duas reais políticas públicas para a Amazônia, as outras duas foram mais uma resposta a problemas externos que propriamente ‘políticas públicas’ pensadas para desenvolver a Amazônia.
Resultado das ‘políticas públicas’: em 50 anos a Amazônia perde 20% de sua área
Uma terra sem dono equivale à terra-de-ninguém, expressão que significa ‘abrir as porteiras’, façam o que lhes der na veneta que o território é livre. Deu no que deu. Em 50 anos, de 1970 até hoje, a floresta perdeu 20% ou 800 mil km2 de sua área original. E aproxima-se perigosamente do ponto sem retorno.
Com a sofisticada tecnologia que temos hoje, é possível estudar os impactos históricos e prever o futuro próximo. Foi o que fizeram os cientistas. Para eles, se o desmatamento atingir 30% teremos chegado ao ‘ponto do não retorno’ quando a floresta despedaçada, já sem forças, passa pela ‘savanização’ mesmo que se proíba a derrubada de só uma árvore a mais.
‘Savanização’ significa que a floresta morre aos poucos, mutilando-se. As árvores já não têm o suporte umas das outras, ‘rios voadores‘ que promovem chuva em todo o País e Cone Sul, cessam como que por encanto. A umidade esvai-se. E a floresta aos poucos dá lugar a uma paisagem parecida com as ‘savanas’ africanas, ou o nosso cerrado.
Mas durante estes mesmos últimos 50 anos o mundo se deu conta, graças à tecnologia, que a degradação ambiental em âmbito global poderia nos levar a um beco sem saída.
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo
Não foi por outro motivo que em 1972 ao final da primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, Suécia, um marco do ambientalismo moderno em sua declaração final ressalta que
…chegamos a um ponto na História em que devemos moldar nossas ações em todo o mundo, com maior atenção para as consequências ambientais. Através da ignorância ou da indiferença podemos causar danos maciços e irreversíveis ao meio ambiente, do qual nossa vida e bem-estar dependem…
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Repetimos: ‘Através da ignorância ou da indiferença podemos causar danos maciços e irreversíveis ao meio ambiente’.
No mesmo ano a Organização das Nações Unidas criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, PNUMA com objetivo bem definido,
promover a conservação do meio ambiente e o uso eficiente de recursos no contexto do desenvolvimento sustentável
Começavam os problemas de Jair Bolsonaro. Foi depois desta conferência, e em razão do extraordinário impacto de suas revelações, que surgiram os hoje demonizados ‘ambientalistas‘, e as ‘ONGs’.
Em 1985, a redemocratização; mas persiste a omissão
Em 1985 conquistamos a democracia de volta. E todos os presidentes desde então, amparados por nosso silêncio, ignoraram solenemente a Amazônia. Pela ordem, Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer, pouco fizeram pela floresta e seus habitantes. Procuraram manter o desmatamento em ‘níveis aceitáveis’, uns com maior, outros com menor sucesso. Foi só.
Não os culpo. Não havia a pressão que há hoje, e alguns tiveram problemas dramáticos para resolver logo ao assumir: manter uma democracia, que acabava de renascer, foi um destes problemas para o primeiro deles; outro teve que domar o dragão da hiperinflação antes de qualquer outra medida, e conseguiu. Dois foram impichados, outros dois eram vices, e assim por diante.
E, ocupados com os respectivos problemas, nenhum propôs qualquer política que não fosse a fiscalização, quando muito. Enquanto isso, o mundo começava a tomar providências sobre os alertas de Estocolmo, ampliados pela segunda conferência da ONU sobre o mesmo tema realizada 20 anos depois, mais próxima dos brasileiros, a Rio-92 ou Eco-92, do período Collor.
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Globalização, a nova realidade
No meio disso a globalização se torna realidade e nos transforma numa aldeia global. A globalização favoreceu milhares de novidades, entre elas a facilidade da disseminação da informação. Satélites cortam os céus fotografando tudo que encontram no caminho, eles podem ver nitidamente, da placa de um carro numa rua do Quênia, às queimadas da Amazônia.
Esta tecnologia aumenta a percepção mundial sobre a situação da Amazônia, e faz crescer a pressão pelo fim dos maus tratos às florestas. Mas a informação trouxe à tona outra questão, que mais uma vez diz respeito a todos nós. Entre 70% e 80% da madeira extraída ilegalmente da Amazônia é vendida em São Paulo e Rio de Janeiro, entre outros.
A pergunta que fica é: quem, de nossas relações sociais, se preocupa em saber a origem da madeira quando a compra?
É bom refletir sobre isso antes de atribuir ‘culpa’.
Política ambiental atual
Então é eleito Jair Bolsonaro, mesmo prometendo durante a campanha promover o desmonte dos órgãos responsáveis como o ministério do Meio Ambiente, e agora o Inpe, e chegamos ao ponto em que estamos. Em vez de pedras, este site sugere uma guerra de ideias, como as sugestões da academia já apresentadas à sociedade, algumas destacadas por este site.
Uma é de autoria de Carlos Nobre, a quem entrevistamos. Ele afirma, com a autoridade de um cientista que estudou a Amazônia nos últimos 40 anos que, ‘o potencial econômico de pouquíssimos produtos como o açaí, o cacau, e a castanha, têm rentabilidade que varia entre quatro e 10 vezes por hectare maior que a pecuária’.
Outra parecida, citada várias vezes é de Bertha Becker e seu ‘Um Futuro para a Amazônia’. E há mais, desenvolvidas e pensadas pela elite da ciência. Que sejam postas na mesa!
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O debate sério, embasado e civilizado, é o único caminho da democracia. O apedrejamento mútuo incentiva o desgaste, e gera mais omissão para a Amazônia onde vivem precariamente cerca de 23 milhões de patrícios, e de onde pode se extrair o futuro das próximas gerações em razão de sua decantada biodiversidade.
Ainda sobre os protagonistas do debate atual
Como em todos os segmentos da sociedade, há gente boa e ruim seja entre cientistas, governo, academia, agronegócio, opinião pública, e ambientalistas. O tão atacado agronegócio é hoje motor da economia brasileira porque a parte boa, formada pela vasta maioria, investiu em ciência, tecnologia e inovação. Ganharam produtividade, não precisam de mais terras para aumentar a produção. Muito menos na Amazônia.
Rediscutir subsídios
A sociedade paga a conta de toda e qualquer ação do poder público, ninguém duvida. Pois que sejam estudados e rediscutidos os subsídios. Foram eles que proporcionaram, por exemplo, a Zona Franca de Manaus, ‘que hoje oferece pouco mais de 60 mil empregos diretos e indiretos’ , como lembrou recentemente o jornalista Celso Ming, ‘carrega o vício original de dar prioridade a investimentos em indústrias, muitas delas artificiais, e de desdenhar de polos mais promissores de desenvolvimento, como o turismo e o aproveitamento racional e sustentável de minérios e demais recursos naturais’.
Por que não incentivos, debatidos e estudados, para a riqueza da Amazônia, sua biodiversidade? Como bem lembrou Carlos Nobre, “numa floresta como a Amazônia que tem milhares de espécies por hectare, você derruba tudo e substitui por uma gramínea, não faz sentido.”
Não faz mesmo.
Opinião pública externa
‘Ah, mas as críticas externas não procedem. Os europeus são protecionistas de sua subsidiada agricultura’, reza a ladainha. Parte dos franceses sim, quanto à outra parte de europeus que nos condenam, não se pode afirmar.
Ou a pandemia da conspiração, que contaminou até a ministra da Agricultura, e prontamente rebatida por Maílson da Nóbrega. A ministra censurou motivos escusos por trás da reação dos fundos de investimento internacionais que ameaçam retaliar, mas foi confrontada com expertise pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega.
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Maílson escreveu um artigo para a revista Veja quando elogiou várias ações de Tereza Cristina. Mas acertou ao mostrar claramente como reagem os investidores ao lembrar ” Assim, ao contrário do que têm dito o governo e alguns comentaristas, não existe desinformação nem interesses políticos na forma pela qual esses investidores desejam que seus recursos sejam investidos.”
“Mesmo quando se trata de fundos de pensão de servidores públicos e fundos soberanos, seus respectivos gestores não sofrem influência de governos. Além do mais, tratam-se de pessoas e entidades muito bem informadas sobre o que se passa na gestão do meio-ambiente no Brasil. Todos podem acessar dados de satélite que evidenciam a ampliação do desmatamento na Amazônia.”
Ambientalistas, agronegócio, academia e opinião pública nacional
Que sejam ignoradas as provocações ou afirmações não embasadas das partes subalternas destes segmentos. Vamos aproveitar a porção boa. E convém não esquecer que não existe panaceia, mas enquanto a floresta em pé não tiver mais valor que em toras, ela continuará sendo torada a despeito da velocidade diminuir com fiscalização, o que já ficou provado.
E o mais próximo que chegamos para atribuir mais valor à floresta em pé são os planos que mofam na academia. Mas eles sequer foram debatidos publicamente, porquê?
Estes planos podem ter lá alguns problemas, a escala seria um deles como assinalou outro protagonista privilegiado deste debate, o professor emérito da USP e ex-ministro do meio Ambiente José Goldemberg. Mas o Brasil também tem abundância de recursos humanos qualificados para, com sua contribuição, superar este e outros possíveis gargalos.
Oportunidade histórica
Não podemos perder a oportunidade histórica de virar o jogo num momento em que tantos estão mobilizados. Até, e especialmente, o setor econômico internacional como se viu, e o nacional justamente no momento em que os ‘três maiores bancos do País, Bradesco, Itaú e Santander, lançam plano para o desenvolvimento sustentável da Amazônia’, conforme noticiou O Estado de S. Paulo em 22 de julho de 2020.
Finalmente a Amazônia é prioridade. Com ela temos a possibilidade de pagar a nossa dívida, contraída lá atrás, definitivamente!
Imagem de abertura: Marcelo Camargo/ABr
Fontes: Um futuro para a Amazônia‘, de Bertha Becker e Claudio Stenner, editado pela Oficina Textos em 2008. Sobre os ciclos da borracha, a tese MIGRAÇÕES NORDESTINAS PARA A AMAZÔNIA, de Maria das Graças Nascimento. Virtuais, https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bradesco-itau-e-santander-lancam-plano-para-desenvolvimento-sustentavel-da-amazonia,70003372721; https://veja.abril.com.br/blog/mailson-da-nobrega/a-teoria-da-conspiracao-da-ministra-da-agricultura/; https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fogo-na-amazonia-e-o-governo-deixa-queimar,70003365317.