Código Florestal: Aldo Rebelo e George Bush
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush, Junho de 2010 – atualizado em 2015
Este mês não será lembrado apenas pelo tonitruante eco das vuvuzelas do lado de lá do Atlântico. O relatório de Aldo Rebelo, do PC do B, que altera o Código Florestal, produziu “barulho” equivalente no lado de cá. E catapultou o deputado comunista para a confraria do ex-presidente norte- americano George W. Bush. Já, já explico.
População distraída
Lamento apenas que parte da população esteja distraída, assistindo aos jogos de futebol. Terá sido esta a estratégia, ao divulgar o relatório durante a Copa do Mundo?
A esperteza reduziu a discussão, o que é uma pena. Um debate sério e abrangente sobre o Código Florestal era o momento oportuno para se discutir o muito falado, e pouco praticado, “desenvolvimento sustentável”. É fundamental que todos participem.
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O relatório de Aldo Rebelo propõe modificar pontos básicos do Código Florestal. Flexibiliza, desarranja, ou elimina as Áreas de Preservação Permanente em topos de morros, encostas, várzeas e margens de rios.
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush: Reservas Legais
Outra alteração se refere às Reservas Legais. A lei obriga os donos de terra a manter a cobertura vegetal intacta em áreas que vão de 20%, até 80%, da propriedade, dependendo do bioma onde está inserida: 80% para as florestas da Amazônia (até 1995 era de 50%), e 20% no caso dos campos, nesta mesma região.
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Para os cerrados a RL é de 35% do tamanho da propriedade. No Pantanal, Pampas, Caatinga ou Mata Atllântica, a Reserva Legal é de 20%. Aos olhos da Lei é obrigação dos proprietários recompor estas áreas com vegetação nativa caso tenham sido desmatadas. Aos olhos da Lei, porque na prática sempre foi diferente. Poucos proprietários deram pelota para o que determina o Código.
O relatório ainda propõe acabar com as RLs em propriedades com até 4 módulos rurais. (O tamanho do módulo varia de município para município, e é maior na Amazônia). Nas propriedades, maiores de 4 módulos, o tamanho seria reduzido.
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Mas a controvérsia maior é a anistia oferecida à quem desrespeitou a Lei até agora, e a transferência de poder à Estados e municípios.
O Relatório de Aldo Rebelo e as mudanças no Código Florestal
O noticiário inicial, e a repercussão, aguçaram minha curiosidade. Resolvi pesquisar direto na fonte. Então li, página por página, o grosso calhamaço (o trabalho, à disposição na internet, tem 42 páginas).
Dados interessantes
O relatório de Aldo Rebelo mostra dados históricos interessantes, revela a quantidade de propriedades ruarais no país, 5,2 milhões de propiredades (4 milhões na mão de pequenos e médios agricultores); e ainda traz bizarras considerações que passaram batidas na repercussão da imprensa.
Reservas Legais e o Patriarca da Independência
As Reservas Legais, relembra Rebelo, são inspiração do Patriarca da Independência. José Bonifácio de Andrada e Silva, tido como “nosso primeiro ecologista”, sugeriu que um sexto de cada propriedade fosse reservado à preservação da floresta.
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush: florestas são bens públicos
Em 1934, data da primeira versão do Código Florestal, e na revisão de 1965, a Reserva Legal foi mantida para expressar o conceito de que as florestas são bens públicos. Por isto mesmo, para assegurar a perenidade dos serviços prestados, vingou a ideia de manter parte da cobertura vegetal nativa intacta.
Salada indigesta: Tonico e Tinoco, Villa Lobos, Padre Antônio Vieira, Epicuro, Jesus Cristo, Cambieses…
Mas, a despeito da retrospectiva histórica, Aldo Rebelo também divaga. O trabalho evoca, de Tonico e Tinoco à Villa Lobos, passando pelo Padre Antônio Vieira, e o filósofo grego Epicuro. Jesus Cristo, o Papa, e Cambises, da Pérsia, também são citados. Assim como Graciliano Ramos, Galileu e o Imperador Trajano. Mais adiante recorre a Al Gore, e Castro Alves. Sobra pra todo mundo. E tudo para sustentar alguns argumentos difíceis de descer goela abaixo.
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A velha história de sempre…nações ricas x as pobres
Na verdade, desde o começo, o deputado queria provar apenas uma tese, e explicou: “o presente relatório pretende demonstrar que as escolhas morais e ideológicas no debate contemporâneo sobre a natureza e o meio ambiente revelam, na verdade, os interesses concretos das nações ricas e desenvolvidas e de suas classes dominantes na apropriação dos bens naturais já escassos em seus domínios, mas ainda abundantes entre as nações subdesenvolvidas ou em processo de desenvolvimento”.
Ou seja, na visão do deputado a questão se resume à “luta do Norte contra o Sul”, “a dominação do pobre pelo rico”.
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush: demonizando ONGs
Para convencer, Rebelo radicaliza. Ele prefere simplificar tudo, demonizando as ONGs ‘alimentadas com dinheiro do estrangeiro’: “é na Amazônia Legal, na faixa de transição entre o Cerrado e o bioma Amazônico, que as ONGs e suas campanhas milionárias procuram interditar a infraestrutura – rodovias, ferrovias, hidrovias, portos – destinada ao crescimento da agricultura, pecuária e mineração”.
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush e o Índio Poti
Aldo Rebelo não se acanha e recorre ao índio Poti: “o sonho batavo de uma Holanda tropical foi desfeito tragicamente nos montes Guararapes e no morro da Tabocas pelas tropas do índio Poti”… “hoje a Holanda se compraz em sediar e financiar seus braços paramilitares, as inevitáveis ONGs, que tentam cumprir o papel de seus remotos exércitos e companhias de comércio”.
Ataque aos USA: restrição dos Estados Unidos à importação de camarões
É evidente que um ataque aos Estados Unidos não ficou de fora: “a restrição dos Estados Unidos à importação de camarões do Brasil visa a proteção dos manguezais e das tartarugas-marinhas ou dos pescadores americanos no Golfo do México? Por que o painel da OMC sobre os camarões deu ganho de causa aos Estados Unidos e se posicionou contra o Brasil no caso da importação de lixo industrial na forma de pneus usados?”
Carinicultura no Brasil; degradante crime ambiental
Rebelo não explica que as restrições americanas à compra de camarõres brasileiros também, eu disse também, vem do fato de que a carcinicultura (criação de camarões em cativeiro) aqui praticada é um degradante crime ambiental. E omite que 90% das fazendas pertencem a políticos, categoria “intocável” no país. Seus felizes proprietários ganham de graça enormes extensões de manguezais (áreas públicas, consideradas APPs por sua importância para a criação da vida marinha), que são imediatamente derrubados para se tornarem tanques criatórios. Para não falar na poluição, ou nos conflitos sociais que estas fazendas têm criado na costa brasileira. Denunciei o escândalo ao longo da série Mar Sem Fim, exibida pela TV Cultura.
Não há consenso sobre o clima?
Mas o ponto alto do relatório ainda estava por vir: “ninguém questiona o fato de que o clima na Terra está em permanente mudança. O consenso, entretanto, para nisso (grifo meu). As mudanças climáticas podem ser mais ou menos severas do que sugerem as estimativas atuais, assim como a ocorrência de eventos climáticos extremos. Em nenhum momento da história humana a ação do homem sobre a natureza foi mais intensa do que nos dias atuais. Não há consenso, porém, sobre até que ponto as mudanças climáticas recentes decorrem da ação humana ou de processos cujos ciclos podem ser medidos em centenas, milhares ou milhões anos (grifo meu).
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O deputado faz questão de deixar muito claro seu ponto de vista: “pensamos, assim, que por mais tentadora que seja a ideia de transformar os frágeis consensos atuais em “cláusulas pétreas” sobre as quais as políticas futuras sobre o clima devam estar baseadas, não seria justo nem sensato”.
Rebelo e Bush de mãos dadas
Além de questionar o aquecimento global, repetindo o argumento do ex- presidente norte-americano, representante da direita mais retrógrada que existe, a leitura do relatório de Aldo Rebelo, do PC do B, mostra que o deputado ignorou os especialistas. Não há citação para geógrafos, ecologistas ou botânicos. Para os ambientalistas só há ironias. Além de ruralistas, e exponentes do agronegócio, Aldo buscou inspiração apenas em tipos como Castro Alves, Marx ou Graciliano. Como sempre, as Universidades, centros de saber e estudos, ficaram ao largo.
Veja-se o exemplo: parte de nossos políticos, responsáveis, entre outros, pela legislação e políticas públicas, detestam ouvir especialistas, e dão uma banana para aqueles que dedicaram sua vida a estudar os problemas brasileiros.
Se o projeto se tornar lei, caberá aos Estados definir quais áreas desmatadas devem ser recuperadas, inclusive com espécies exóticas, acredite se quiser!
Quanto às APPs, elas serão incluídas no cômputo das áreas de RL, e sua exploração econômica será feita conforme parâmetros de cada Estado ou município.
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush: guerra ambiental
A atual ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira, é contra esta mudança (OESP 22/6/10), e diz que possibilidade de começar uma “guerra ambiental” entre Estados, à exemplo do que já ocorreu com a “guerra fiscal”, é enorme. Eles poderiam disputar investimentos em troca de mais concessões ambientais.
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush: problemas no Ceará
Outros problemas graves, que já acontecem, dão uma pista do que pode estar pela frente. No Ceará, como denunciei ao longo da série Mar Sem Fim, o braço estudual do meio ambiente, o COEMA, contrariou os botânicos e desconsiderou apicum como sendo parte dos manguezais. O órgão tomou esta decisão para safar os carcinicultores das multas previstas pelo CONAMA, por destruição de APPs (manguezais aterrados para se tornarem tanques criatórios).
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Problemas na Bahia
Na Bahia a estatal da pesca, BahiaPesca, “fomenta” a criação de tilápias, uma agressiva espécie exótica, em pleno estuário, na região de Camamu, apesar dos protestos da comunidade científica local.
Problemas no Rio de Janeiro
Mas tem coisa muito pior. A constatação de que empresas e governo descumprem promessas de reflorestamento é uma delas, como publicou o Estadão em 28/6. A matéria mostrava o caso da prefeitura do Rio de Janeiro que se comprometeu a reflorestar 40 hectares nos Jogos Pan Americanos, e não plantou nenhuma árvore até agora.
Revendo este artigo em abril de 2015
E não foi só um município que enfiou os pés pelas mãos. Quando o Rio foi escolhido como sede da Olimpíada, a secretaria estadual do Meio Ambiente, Marilene Ramos, anunciou: “até 2016 vamos neutralizar a emissão de gases com a plantação de 24 milhões de mudas”. Passados nove meses, constatou o jornal, “o projeto não andou”. E eu acrescento, estamos em abril de 2015, podemos enxergar em perspectiva, a constatação é óbvia: nada mudou até agora…
Apesar destes casos, o deputado Aldo Rebelo segue firme com sua intenção de “descentralizar”, e ainda diz que “incluir Estados e municípios ampliará a proteção ambiental” (OESP 13/6).
Enfim, exemplos do que pode acontecer estão por toda parte. Não vê quem não quer.
Academia frustrada: Código do desflorestamento
O projeto de Aldo Rebelo também não agradou a academia. O professor Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências, da USP, e seu colega, Thomas M. Lewinsohn, da UNICAMP, e presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação, publicaram um artigo no Estadão, de 20/6, cujo título é Código do desflorestamento. Os autores alertam sobre os malefícios da proposta, e elencam alguns dos problemas caso as mudanças sejam aceitas no Congresso. Entre elas a especulacão imobiliária “nas poucas restingas que restam no litoral brasileiro”. Eles também antecipam que a diminuição do tamanho das matas ciliares, “reduzirá a reposição de água no lençol freático e, progressivamente, a irrigação das culturas” que o nobre deputado tanto visa proteger.
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush: as consequências
“O efeito de tais mudanças”, prosseguem os professores, “será a ampla legalização do desmatamento, após uma curta moratória de cinco anos”. “Estimativas preliminares são de que 70 milhões de hectares serão desmatados, e outros 40 milhões de hectares de RL deixarão de ser recuperados, o que levará a uma emissão de pelo menos 25 a 31 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa- inviabilizando a meta assumida pelo Brasil em Copenhague de reduzir suas emissões em 39% até 2020”.
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Será por este motivo que o deputado nega o aquecimento global?
Código Florestal: Aldo Rebelo + George Bush: tristeza do Jeca
Enfim, fiquei triste ao ler o relatório. A questão não é de guerra entre ambientalistas e ruralistas, como Aldo quer fazer crer. Ninguém de bom senso é contra o agronegócio. Ele gera empregos e traz renda ao país. E a questão, parece, nem é, apenas, de mais áreas para a agricultura e a pecuária mas, sobretudo, mais tecnologia e produtividade.
Produzir e preservar é tarefa difícil, todo mundo sabe, mas pode ser possível. Para Aldo Rebelo o vilão é o Código Florestal: “a legislação põe na ilegalidade mais de 90% do universo de 5,2 milhões de propriedades rurais no País”. Por isto o deputado propõe detonar a lei. Mas não é bem assim, não se pode generalizar. É preciso separar o joio do trigo. Neste grupo há inocentes, que não devem ser penalizados, e infratores conscientes que não merecem anistia. Com boa vontade, conhecimento e empenho, pode-se chegar a uma saída negociada.
Serenidade e bom senso
Precisamos serenidade e lideranças que conduzam a discussão em alto nível. Usar mais de 40 páginas para radicalizar, ironizar ambientalistas, demonizar ONGs, e reduzir a discussão, igualando-a a uma triste peleja, como disse Xico Graziano, é torcer contra o Brasil, e negar o que temos de melhor: o espírito conciliador, e o extraordinário patrimônio ambiental.
(foto de acertodecontas.blog.br)