Sempre fugindo das frentes, Pedrão tem se mostrado muito bom nesta ‘arte
interpretando corretamente as informações meteorológicas que recebemos, fizemos uma navegada tranquila de Puerto Madryn, até a Caleta Hornos (dias 20 e 21/11), 200 milhas mais ao sul.
Esta caleta é um lugar bem interessante, típico dos canais patagônicos, da região do Estreito de Magalhães, mas que surge também nesta altura da costa argentina.
A fisionomia lembra a de um fiorde: um braço de mar , geralmente estreito, penetra na costa formando, ao fundo, uma saco praticamente fechado, abrigado de todos os ventos.
Ao chegarmos, amarramos a popa do Mar Sem Fim em uma saliência de pedra, da magem, e jogamos o ferro pela proa. O barco ficou tão imóvel quanto numa marina. Comemoramos com um churrasco. Foi o primeiro desta temporada.
Durante o dia ainda fizemos gravações em passeios de bote, mas sempre dentro da caleta. Lá fora não dava coragem para ir. Nestas latitudes o vento aumenta muito rápido. Sai da calmaria, para 30, 40 nós, em menos de um minuto. É impossível sair de bote sem tomar um banho dos respingos. E a temperatura da água é proibitiva, na casa do 10º C, ou menos.
Pra que arriscar?
Depois de uma noite bem dormida, checamos a previsão de tempo, contratada de uma empresa americana que nos manda via correio. Teríamos de atravessar o Golfo San Jorge, que mete medo nos navegadores daqui. São 120 milhas até um novo abrigo, no cabo Blanco (dias 21 e 22/11), extremidade sul do Golfo São Jorge.
Mais uma vez, tivemos sorte. Viemos com vento a favor.
Cabo Blanco é outro lugar desolado, da costa da Patagônia. No litoral da Argentina não há meio termo, como as pequenas comunidades, ou vilazinhas, tão típicas da costa tropical brasileira.
O clima severo impôs uma ocupação bem mais discreta da zona costeira. Ou temos cidades, ou nada, apenas as estepes sem fim, quase sem vegetação, e com densidade demográfica próxima do zero. Praias imensas são totalmente desocupadas. Para viver nestas latitudes só mesmo com a gordura dos leões marinhos, ou de outros mamíferos da família dos penípedes.
Por sinal, vimos colônias deles em Cabo Blanco, que tem ainda paisagens espetaculares, totalmente intocadas. A beleza destes cenários naturais ganha contornos dramáticos, e fica ainda mais incomum, pelos tons das cores. Não existe a tonalidade pastel. Todas as cores são vibrantes, fortes.
O por do sol é um evento esperado por todos nós. Quanto mais descemos para o sul, mais espetaculares se tornam. Parece que as cores ficam mais vivas a cada grau de latitude.
Por estes dias aconteceu um, que arrancou expressões de gozo explícitas do sisudo Alonso, como eu nunca tinha escutado, apesar de trabalhar há quase 20 anos com ele. Próximo disso, só ouvi quando chegamos pela primeira vez na ilha de Trindade, na época em que eu tinha o veleiro Mar Sem Fim, e participava da regata Eldorado- Brasilis.
Aconteceu quando chegávamos na Caleta Sur. Havia uma pequena ilha na entrada, com um morro formado por pedras, umas sobre as outras. Atrás da ilha uma enseada. No horizonte estava o sol, quase se escondendo de vez. Então explodiu o bombardeio das cores, com uma intensidade que eu nunca tinha visto. Havia tons de amarelo, vermelho, azul. Cada cor mais forte que a outra. Alonso simplesmente parou o que estava fazendo. Saiu para fora deslumbrado, enquanto olhava aquele cenário, e dizia: “que ilha linda, que coisa maravilhosa!”, “meu Deus, que ilha linda, que coisa maravilhosa”, e repetia várias vezes a mesma frase, como se aquilo fosse um mantra. Ele estava hipinotizado pela situação. Não desgrudava o olhar do espetáculo de cores por detrás da pequena ilhota.
Dormimos uma noite atrás do cabo. No dia seguinte navegamos para Puerto Deseado, 35 milhas abaixo, um dos mais importantes centros de pesca da costa patagônica.
Aqui descobri algumas coisas interessantes relacionadas à atividade.
Estivemos conversando com autoridades da provincia de Santa Cruz, onde fica Puerto Deseado. Entrevistei o diretor de Turismo, Jorge Bernard, e a secretária da Promoção, Magali Sequeira.
Eles nos contaram que a pesca começou no país nos últimos 20 anos. Bernardo repetiu que “os argentinos deram as costas para o mar” , só mais recentemente estão mudando a maneira de se relacionar com este ambiente.
A maior parte da produção vem das provincias de Chubut, e de Santa Cruz, sendo que o porto mais importante da primeira, é Puerto Madryn, da segunda, a caleta Olivia, e Puerto Deseado. Nesta cidade, de 20 mil habitantes, o motor da economia é a pesca. Dos 72 grandes barcos da provincia, 45 ficam aqui. Eles pescam basicamente lagostim, merluza, e lulas.
Aproveitei para perguntar sobre as normas de pesca, seus limites, responsabilidade, fiscalização, etc.
Eles explicaram que numa mesma área, o golfo San José, por exemplo, há locais livres para a pesca, e outros interditados.
Como fiscalizar, perguntei? Simples, não são tantos barcos assim, há sempre um fiscal dentro deles. Atualmente estão testando colocar cameras de vídeo a bordo, para registrar não só a pesca, mas o processamento do pescado, que se faz nos porões dos navios. Os barcos de pesca da região são enormes, podem ser considerados pequenos navios. Eles desembarcam o pescado já embalado.
A temporada de lagostim e merluza, os dois tipos mais importantes, vai de março até outubro. Perguntei o que acontece com os pescadores enquanto esperam o defeso.
A resposta é simples, de novo. Aqui não existe pesca artesanal, como no Brasil. Os pescadores são todos empregados de empresas. Durante a temporada, recebem salário mais comissão. Na hora do defeso, só recebem salário.
Esta questão é bem complicada no Brasil. Eu queria informações da Argentina para poder comparar as soluções. Mas a maneira que eles operam é impossível de ser aplicada em nosso caso. A quantidade de gente envolvida na pesca, no Brasil, é muito maior, quase um milhão de pessoas. E deste total, 60% são pescadores artesanais.
A conversa eneveredou, mais uma vez, para o tema dos parques e áreas marinhas protegidas. Meus dois entrevistados contaram que demorou muito para ser implantado o primeiro parque marinho, em Chubut, por causa dos conflitos que sempre existem nestes casos. Os mares de Chubut são ricos em petroleo, peixes, e mamíferos marinhos. Como lidar com interesses tão divergentes?
A solução talvez não seja a ideal, mas os argentinos acharam um modo de administrar o coflito, e chegaram ao que consideram um bom equilíbrio. Restringem a pesca em certas áreas, e liberam em outras. Assim nasceu o Parque Marinho Costeiro Patagonia Austral, com 600 quilômetros quadrados de mar, e 200 de terra, que procura proteger a rica biodiversidade marinha da província de Chubut.
O segundo parque marinho foi instalado recentemente, aqui mesmo, em Puerto Deseado. O objetivo é proteger o ninhal de Pinguins de Penacho Amarelo, que usam a Isla dos Pinguinos, bem próxima da cidade, para nidificar. O perímetro deste parque é de 60 milhas de linha de costa, avançando 12 milhas mar a dentro.
E é hora de partir novamente. Chegamos ontem, dia 22. Um dia depois, já vamos embora.
Volto a sentir a mesma sensação de pressa, de algo inacabado, que me preocupava quando fiz a viagem de veleiro pela costa brasileira. Para cada lugar que paramos, a vontade era ficar o dobro do tempo, no mínimo, para aprender mais, e conseguir informações para os programas. Assunto é o que não falta. Mas televisão é sempre algo superficial, o tempo que sobra é muito escasso para explicar tudo. Então vamos embora. Daqui para a boca do estreito de Magalhães são 300 milhas. As previsões de tempo são as melhores. Temos que aproveitar.