Já estamos na faixa dos 40º de latitude Sul. No meio náutico este pedaço do planeta é conhecido como the roaring fourties, ou os 40 uivantes (numa alusão ao barulho das ventanias).
![Enseada em San Blás](https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2013/05/02enseada-p.jpg)
Para você ter uma ideia do quanto já descemos, saiba que Santos, no litoral de São Paulo, fica nos 23º Sul. Cada grau de latitude corresponde a 60 milhas. Como entramos nos quarenta, quer dizer que já cobrimos dezessete graus, ou pouco mais de mil milhas. Daqui até a boca do estreito de Magalhães, onde termina esta primeira perna, são mais 760 milhas rumo Sul.
Entrar nos quarenta significa mais frio, vento gelado, e mudanças repentinas no tempo. Ontem de noite a temperatura externa era de 7º C, enquanto na cabine fazia 14º C. A sala do Mar Sem Fim é mais quentinha, por ser a parte do barco que recebe mais insolação.
De todo modo, ao sair para o convés, ou nas explorações de bote, já é preciso se vestir em camadas: primeiro um tipo de ceroula com malha especial. Depois, roupa de esqui na neve, no meu caso, formada por calça e casaco. Por cima de tudo isto, a roupa de tempo, também com calça e casaco. Cobrindo a cabeça, um gorro de lã. Nas mãos, luvas. E não vá querer ir ao banheiro em seguida. Dá um trabalho desgramado.
![Ninhal de gavivotas](https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2013/05/03gaiv-3-ninhal-p.jpg)
A Bahia de San Blás, onde passamos o fim de semana, é bem interessante. Ela é formada por várias lagunas. Quando a maré baixa, parte de seu leito fica exposto, deixando sem proteção diversos tipos de moluscos e larvas, alimento preferido de nove, entre dez tipos de pássaros. Então, bandos de flamingos, gaivotas, ostreros e maçaricos fazem a festa.
![O Mar Sem Fim fundeado em San Blás](https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2013/05/04msf-p.jpg)
San Blás também foi nossa porta de entrada para a Patagonia. A área conhecida por este nome começa oficialmente no paralelo dos 40º Sul, onde estamos, e se estende, abaixo desta linha imaginária, até a ponta extrema da América do Sul, o Cabo Horn. São um milhão de quilômetros quadrados (a área total da Argentina, excluindo as Malvinas/Falklands, e as reivindicações territoriais Antárticas, de 2.766.889 quilômetros quadrados).
![O Mar Sem Fim fundeado em San Blás](https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2013/05/04msf-p.jpg)
A Patagonia é formada em grande parte por estepes. Elas começam depois do declive dos Andes, e seguem até a zona costeira. Há bosques, e pequenas florestas também, próximas da cordilheira, mas ocupam porções menores do território.
![xiii, flamingos...](https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2013/05/05flam-p.jpg)
Neste vasto espaço, que corresponde a mais de um terço do país, vivem apenas dois, dos quarenta milhões de argentinos, de acordo com o último censo nacional, o INDEC, realizado em 2001.
![Por do sol de San Blás](https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2013/05/06gaiv-1-p.jpg)
Enquanto a densidade média nacional é de 14 habitantes por quilômetro quadrado, na Patagonia a média despenca brutalmente. O motivo é o clima extremamente severo.
As maiores pressões ambientais, além do próprio clima, são as milhares de ovelhas criadas nas estepes, que utilizam a escassa vegetação como alimento. No mesmo sentido, a introdução de lebres europeias ajuda a piorar a saúde do ecossistema. Como se sabe, a principal causa da perda da biodiversidade no mundo, é a destruição dos habitats naturais. Em segundo lugar está a introdução de animais exóticos, caso da lebre. Por não terem predadores naturais, os que são introduzidos se proliferam de maneira exagerada, e a disputa por comida fica ainda mais acirrada no local. Muitas vezes a fauna estranha acaba por tomar o lugar da nativa. É o que acontece nas estepes daqui. Em nosso passeio de bote hoje, eu e Cardozo, nosso cinegrafista, vimos algumas lebres saltando de um lado pro outro. Aliás, pra onde você olhar, na estepe, verá alguma lebre saltitante. É apenas uma questão de minutos.
Outro problema ambiental para a Patagônia, é a distribuição de seus habitantes. 80% deles estão concentrados nas grandes cidades, e todas ficam na zona costeira. Na província onde estamos, Chubut, quatro, das cinco cidades mais populosas estão no litoral: Comodoro Rivadavia, com 136 mil; Trelew, com 88 mil; Puerto Madryn, com 57 mil; e Rawson, com 22 mil. E os serviços públicos não correspondem. Em toda a Argentina existem 10.059.866 domicílios. Mas somente 54,8% deles têm serviço sanitário. E 89%, coleta de lixo. Para onde vai o resto? Pro mar, como sempre.
No mundo é assim. O maior inimigo dos oceanos são os esgotos despejados desde tempos imemoriais. Acontece que agora a coisa está feia. Somos algo como seis bilhões e meio de terráqueos, 60% dos quais morando em regiões costeiras.
O resultado da aglomeração, entre outros, são dois milhões de toneladas de esgotos não tratados, atirados ao mar diariamente.
Sem falar na poluição industrial, ou nos agrotóxicos e inseticidas. E ainda temos o aquecimento global, que começa a mudar o Ph dos oceanos, deixando-os cada vez mais ácidos, e ameaçando matar os corais, o mais rico ecossistema marinho. Mas isto é conversa pra outro dia.
![Mar Sem Fim: san blas litoral da Argentina](https://i.ytimg.com/vi/a16h1-bH0eM/0.jpg)
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