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Travessia do Estreito de Bering em bote com motor de popa, você acredita?

Travessia do Estreito de Bering em bote com motor de popa, você acredita?

O Estreito de Bering é um local nada fácil para a navegação.  Segundo o Business Post ‘existem três razões principais para isso; profundidade rasa, clima volátil e temperaturas do mar e do ar extremamente frias. A profundidade média é de cerca de 60 metros, o que significa que as ondas são curtas e têm mais potência do que as ondas do mar profundo.   Além disso, as fortes correntes dificultam a navegação. Recomenda-se a travessia em embarcação em boas condições de navegar e capaz de suportar tempestades intensas’. Contudo, o que você diria de uma travessia em outubro de 2022 (verão no hemisfério norte) num minúsculo barco com cerca de 5,5 metros e motor de popa? Pois saiba que foi o que dois russos siberianos fizeram para fugir da convocação para a guerra na Ucrânia.

barco usado na travessia do estreito de Bering.
O barco usado na travessia do estreito de Bering: 5,5 metros e motor de 60 cavalos. Imagem, New York Times.

Travessias do Estreito a pé?

Houve travessias mais difíceis no passado. O site www.angusadventures.com explica um equívoco comum: muitos pensam que o Estreito de Bering congela no inverno, facilitando a travessia a pé. Mas, na verdade, uma forte corrente flui para o norte, criando grandes canais de águas abertas. Às vezes, esses canais se obstruem com pedaços de gelo em movimento. Assim, teoricamente, é possível pular de um pedaço de gelo para outro e nadar pelos canais abertos. Além disso, a sorte é essencial para encontrar correntes favoráveis.

Há relatos de duas travessias bem-sucedidas. Em 1998, um pai e seu filho, russos, tentaram caminhar até o Alasca. Eles ficaram isolados no gelo, à deriva, por muitos dias. O gelo finalmente chegou ao outro lado do Estreito. Quase mortos, eles alcançaram o solo americano. Mais recentemente, em 2006, o trekker inglês Karl Bushby e seu companheiro americano Dimitri Kieffer fizeram o caminho inverso. A dupla foi detida pelo Serviço de Segurança Federal da Rússia e deportada por entrar ilegalmente no país.

Sergei e Maksim fugindo da Guerra na Ucrânia

A história de Sergei e Maksim é versátil, adequada tanto para a seção de política de um jornal tradicional quanto para publicações focadas em proezas marítimas. Descobrimos essa história lendo o jornal inglês The Guardian.

Em outubro de 2022, o Guardian publicou o artigo Two Russians flee Ukraine draft by crossing Bering Sea by boat to Alaska (Dois russos fogem do recrutamento para a Ucrânia, cruzando o Mar de Bering de barco para o Alasca, em tradução livre).

Imagem  do satélite NPP da NASA-NOAA Suomi mostrando a localização das Ilhas Diomedes. Da ponta da península de Chukotka, até as ilhas Diomedes, EUA, são apenas 2,4 milhas ou menos de 4 km.

Sergei e Maksim, amigos desde a adolescência em Egvekinot, compartilhavam uma desconfiança mútua em relação ao estado russo. Unidos pela crença de que a guerra na Ucrânia era tanto inútil quanto injusta, recusaram-se a lutar por um governo que desprezavam. Sergei, então, propôs uma fuga ousada: atravessar o Mar de Bering para alcançar o Alasca.

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Os dois mantiveram seus planos em segredo, não informando nem mesmo suas famílias. Maksim, pertencente à etnia indígena Chukchi, não compartilhou seus planos com seus pais e irmãos, que estavam de férias. Sergei, aos 51 anos, deixou para trás amigos e um negócio de transporte, além de sua mãe e duas filhas na Rússia, conforme relatado pelo New York Times.

Como esperado, a façanha de Sergei e Maksim ganhou grande atenção e foi amplamente divulgada.

‘Um minúsculo barco de pesca de 5,5 m, com motor de popa’

A Economist descreveu a embarcação usada como um “minúsculo barco de pesca de Maksim, com 16 pés (aproximadamente 5,5 metros) que era movido apenas por um motor de popa”. Apesar da menor distância entre a Rússia e o Alasca ser de apenas 2,4 milhas (menos de 4 km), a jornada dos navegadores russos estendeu-se por cinco dias e abrangeu 300 milhas. Uma odisseia’, qualificou a Economist.

A linha tracejada mostra a fronteira marítima entre Rússia e Estados Unidos. Imagem, Economist.

Eles tentaram duas vezes antes de terem sucesso. Na primeira, a cerca de 32 quilômetros da fronteira marítima com o Alasca, Sergei avistou ao longe enormes ondas com cristas brancas, conforme descrito pela Economist. Isso fez seu coração tremer. Ele checou o aplicativo meteorológico no telefone e percebeu que se aproximavam de um vendaval. Era a mesma tempestade que haviam enfrentado dias antes, quando ainda se preparavam em terra. Decidiram então voltar para a costa e aguardaram três dias estressantes até o tempo melhorar.

Costeando a fortificada (pelos russos) península de Chukotka

Eles partiram de novo, navegando ao longo da península de Chukotka, fortificada pelos russos, e enfrentaram outra tempestade. Segundo a Economist, quando as ondas começaram a bater no casco, espirrando água sobre Sergei, o barco, já cheio de água, balançava perigosamente. Era a hora de decidir se voltavam ou não. Desta vez, eles enfrentaram a tempestade de frente. “Nem pensamos em dar meia-volta”, afirmou Sergei. Ele e Maksim sabiam que poderia não haver outra chance. Eles tinham que escolher entre se render ao exército russo ou continuar. Escolheram a tempestade. Além disso, o New York Times reportou que o progresso foi dificultado pelo barco que parava a cada duas horas, exigindo reparos no motor e reabastecimento.

Na busca desesperada pela liberdade, os dois enfrentaram tempestades e problemas constantes no único motor do barco!

De Egvekinot, para Gambel, 300 milhas em cinco dias e muitas tempestades. Imagem, New York Times.

Dias antes, conforme a Economist relata, Sergei ouviu uma batida forte na porta. Ele já sabia quem era sem precisar abrir. Todos em Egvekinot, uma cidade portuária no extremo leste da Rússia, próxima ao Círculo Ártico, reconheceram aquela batida. O governo estava convocando homens para lutar na guerra contra a Ucrânia.

Maksim começou a preparar o pequeno barco para a arriscada viagem. Ele o abasteceu  com provisões: pão, salsichas, ovos, chá, café, biscoitos, cigarros, e combustível. Ambos resolveram seus assuntos, repartindo suas posses com amigos e, sem conseguir converter rublos em dólares, transferiram suas economias para parentes.

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3 de outubro, desembarque em Gambell

Depois de cinco dias, uma escala em Enmelen, onde passaram uma noite, e muitos apuros, em 3 de outubro conseguiram finalmente desembarcar  em uma praia  perto de Gambell, na Ilha de Lawrence, uma comunidade isolada de cerca de 600 pessoas.

Curtis Silook estava caçando patos na costa de Gambell quando viu um pequeno barco chegar perto de sua casa. Ele achou que eram moradores se protegendo de uma tempestade, mas errou. Seu pai, de Anchorage, ligou para falar sobre reportagens e Silook entendeu que dois russos estavam fugindo, conforme relatado pelo Politico.com.

Silook, que trabalha para a cidade, lembra-se das roupas molhadas dos homens e pensou em abrigá-los e alimentá-los. Os russos perguntaram aos moradores de Gambell se estavam seguros ali e depois pediram asilo. No dia seguinte, a Guarda Costeira levou Sergey e Maksim para Anchorage.

O New York Times  relatou a chegada de uma forma diferente. Eles saíram do barco e usaram aplicativos de tradução em seus telefones. Digitaram uma mensagem para as pessoas que os receberam: “Não queremos guerra. Queremos asilo político”.

O jornal também informou que os dois russos pareciam fazer parte de um grande grupo. Mais de 200 mil homens fugiram da Rússia desde 21 de setembro. Nesta data, Putin, diante de grandes perdas na Ucrânia, ordenou a mobilização de até 300 mil reservistas para a guerra.

Três meses de detenção em Washington

Sergei e Maksim enfrentaram mais desafios após a dramática fuga. Oficiais de imigração dos EUA surpreenderam-nos ao chegar e os levaram para um centro de detenção em Tacoma, Washington, onde passaram três meses.

Somente em janeiro eles foram libertados. Então, diz o New York Timescomeçaram a entrar em contato com a família e amigos para que soubessem: Eles estavam vivos. Eles fugiram da Rússia. Estavam seguros nos Estados Unidos – por enquanto.

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Sergei e Maksim nos Estados Unidos. Imagem, New York Times.

Sergei e Maksim começaram a compartilhar sua história com o mundo. Eles falaram com o The New York Times, usando um intérprete. As entrevistas feitas no Alasca e em Washington, junto com fotos com marcas de GPS, confirmaram a veracidade de sua jornada.

Assim como a maioria dos russos que chegaram aos EUA recentemente, eles não têm garantias de poderem permanecer. O processo de suas petições de asilo pode levar mais de um ano. Para serem bem-sucedidos, eles precisam provar a ameaça que enfrentaram na Rússia. Seus advogados nos Estados Unidos estão confiantes de que têm um caso forte.

O ser humano e a liberdade

O ser humano é capaz de empreender esforços extraordinários para preservar a liberdade. Ao longo da história, vemos inúmeros exemplos de pessoas enfrentando adversidades, desafiando autoridades opressoras, atravessando territórios perigosos, e até mesmo arriscando suas vidas.

A busca pela liberdade muitas vezes impulsiona as pessoas a superarem limites físicos e psicológicos, criando uma resiliência admirável como Sergei e Maksim mais uma vez provaram.

Para saber mais, assista ao vídeo

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