Savanização da Amazônia está próxima, diz Carlos Nobre
Não é de hoje que o cientista Carlos Nobre alerta sobre os perigos que rondam a maior floresta tropical do planeta. Mas, nos últimos meses, Nobre voltou à carga elencando os muitos impactos que tal cenário pode trazer. O último alerta veio com um estudo da Nasa publicado no final de 2019. Vamos lembrar que o processo de desmatamento na Amazônia começou nos anos 70 do século passado, ainda no período dos militares no poder, quando estradas de rodagem foram abertas na floresta. Com elas, pela primeira vez grandes máquinas foram empregadas no processo de desmatamento. A partir da redemocratização, o máximo que alguns governos conseguiram foi amenizar o tamanho do desmatamento. Mas ele jamais deixou de existir. Savanização da Amazônia está próxima, diz Carlos Nobre.
Savanização da Amazônia está próxima, diz Carlos Nobre
O estudo da Nasa mostrou que a alta concentração de gases de efeito estufa aliado ao aumento do desmatamento e das queimadas está tornando a atmosfera sobre a floresta mais seca. Acontece que, junto com o desmatamento, cresceram os níveis de gases de efeito estufa, o que deixa a floresta ainda mais vulnerável.
Em fevereiro de 2021, o jornal Valor Econômico ouviu de Nobre que ‘estamos na beira do precipício’. ‘Estamos vendo a savanização da Amazônia acontecer’. Carlos Nobre citou o que se passa no Sul e Sudeste do bioma, ‘onde a estação seca já dura de três a quatro semanas mais longa’.
Segundo o cientista, ‘em parte do norte de Mato Grosso e sul do Pará, a floresta já não absorve carbono’. E conclui: ‘Nesta região a temperatura na estação seca é 3ºC mais quente que na década de 80’.
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Carlos Nobre não está só neste alerta. Ricardo Galvão, em entrevista a este site em agosto de 2020, disse a mesma coisa sobre a duração da estação da seca no chamado ‘arco do desmatamento’, e ainda alertou que a dramática seca no Pantanal em 2020 já era uma consequência da degradação da Amazônia.
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Possíveis consequências da savanização
Perguntado pelo jornal Valor Econômico se a perda da floresta iria rebater nos glaciares dos Andes e na água dos rios, Nobre respondeu: ‘exatamente, vai derreter muito daquilo. Boa parte da neve que cai nos Andes vem da umidade da Amazônia, as chuvas da bacia do rio Paraná também. Há grandes perdas’.
E o que pode acontecer com o agronegócio no Cerrado?, perguntou o jornal. ‘Aumenta a temperatura do Cerrado e pode prejudicar o sistema de chuvas. O ar que chega na região será 2ºC a 3ºC mais quente. Ali já é quente e isso irá praticamente tornar inviável a produção agrícola e diminuir muito a produtividade da pecuária’.
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Sobre os sinais políticos que vê no horizonte, a resposta também não é animadora.
Para Carlos Nobre uma das preocupações é com o atual Congresso e as novas diretrizes do governo, entre elas ‘a mineração em terras indígenas’, e possíveis ‘novas tentativas de se regularizar grande quantidade de áreas desmatadas ilegalmente’.
Para Carlos Nobre a única solução para evitar o alastramento do processo ‘é zerar o desmatamento e começar a restaurar pelo menos entre 200 e 300 mil Km2 na franja do desmatamento’.
O cientista diz que ‘No Brasil já cortaram 814 mil km2 e tem pelo menos 300 mil degradados. Somando dá 1,1 milhão de km2 entre corte raso e área degradada. Pelo menos este 1,1 milhão de km2 tem que voltar a ser floresta muito rápido’.
Perguntado sobre o impacto deste processo, Nobre respondeu que ‘significa que em 30-50 anos a floresta vira savana. Aí se cria uma situação em que toda a região ficará muito quente e prejudicial ao agronegócio. Irá liberar uns 300 bilhões de toneladas de CO2. Estamos falando de oito anos de emissões globais. Tornando muito difícil atingir as metas do Acordo de Paris’.
Novos estudos a serem apresentados
Segundo o jornal Valor, Carlos Nobre lidera uma rede de cientistas conhecida como Painel da Amazônia, que em breve deve lançar uma série de estudos e fazer sugestões políticas. O relatório terá 33 capítulos, de autoria de 160 autores, a maioria cientistas.
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Oxalá sejam ouvidos. Se aqui há dificuldades entre o poder público e os alertas da ciência, em outros cenários o prestígio de cientistas brasileiros cresce. Carlos Nobre acaba de ser indicado ao Prêmio AAAS 2021, estabelecido pela Associação Americana para o Avanço da Ciência. Ele recebeu o Prêmio de Diplomacia Científica.
Nobre é homenageado por “seu trabalho de longo prazo para compreender e proteger a biodiversidade e os povos indígenas da Amazônia”, de acordo com o comitê de premiação.
Outro expoente da academia brasileira, também homenageado, é o físico Ricardo Galvão que receberá o Prêmio Liberdade e Responsabilidade Científica. Como se sabe, Galvão foi exonerado do INPE, em 2019, por alertar o governo o que de fato aconteceu: o aumento do desmatamento na Amazônia.
Imagem de abertura: Albuquerque, https://amazonia.org.br/
Fontes: https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,estudo-da-nasa-mostra-que-amazonia-ja-esta-mais-seca-e-vulneravel,70003100249; https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/02/05/savanizacao-da-amazonia-esta-mais-proxima-diz-nobre.ghtml.