Recifes de corais e probióticos seriam a solução para os problemas causados pelo petróleo e aquecimento global?
Enquanto o Brasil se choca com as manchas escuras de toneladas de óleo nas praias do litoral do Nordeste, pesquisadores de recifes de corais da região costeira do país ficam cada vez mais apreensivos. “Duas más notícias que ocorrem em cerca de três meses. Este está sendo o pior ano dos recifes de corais brasileiros desde que comecei a estudá-los.” A frase carregada de preocupação é de Gustavo Duarte, pós-doutorando no Laboratório de Ecologia Microbiana Molecular (LEMM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A preocupação de Duarte não é à toa. Recifes de corais e probióticos é nossa sugestão para mitigar o derramamento de óleo nos corais do Nordeste.
Importância dos corais
Os recifes de corais estão entre os ecossistemas que mais prestam serviço à vida marinha (saiba mais), humana e à própria região costeira, no combate às erosões. Mas são muito sensíveis. Agora pesquisadores estudam recifes de corais e probióticos, um modo de ajudá-los a superar o aquecimento global, e derramamentos de petróleo. Quem sabe os probióticos minimizem os danos aos corais do Nordeste atingidos.
Morte maciça de corais em Abrolhos
Como Mar Sem Fim mostrou recentemente, o aumento da temperatura da água, em decorrência do aquecimento global, causou a morte de corais na região de Abrolhos e da Costa do Descobrimento este ano. Além de doenças em muitas espécies. Agora, é o petróleo derramado misteriosamente que ameaça os recifes de toda a costa nordestina. Duarte, que estuda os corais desde 2006, faz parte de um grupo de cientistas que busca soluções para conter a mortalidade e as doenças que atingem as espécies por fatores externos. Ambas crescentes no mundo todo.
Petróleo ameaça a sobrevivência dos corais
Além do aquecimento global, o petróleo sempre esteve entre as principais ameaças aos corais. Ele pode matar os recifes e, em consequência, a vida de todas as espécies que dependem deles para a sobrevivência. Os corais que sobrevivem à contaminação por óleo têm recuperação lenta e a formação de novos recifes pode levar milhares de anos. “Aproximadamente 8,4 milhões de toneladas de derivados de petróleo são difundidos nos oceanos a cada ano”, segundo um dos estudos publicados pelo grupo.
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O risco é ainda maior no Brasil, onde os derramamentos de óleo no mar são constantes. E a exploração da camada do pré-sal evolui intensamente. Uma ameaça, inclusive, aos recifes de corais da costa, entre os quais os da região do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, já afetados pelas mudanças climáticas. A área foi recentemente ofertada em leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para exploração de petróleo. Mas não recebeu lances graças à pressão da sociedade civil.
Recifes de corais e probióticos, coquetel de micro-organismos benéficos à saúde
Entre as pesquisas do grupo do qual Duarte faz parte, está uma de reconhecimento já internacional: a do uso de probióticos para a recuperação dos corais. Probióticos, como os seres humanos o conhecem, são produtos alimentares à base de micro-organismos vivos benéficos à saúde. São exemplos leites fermentados, iogurtes e queijos com lactobacilos vivos. Eles facilitam a digestão e a regulação da flora intestinal. Esses micro-organismos já se encontram no corpo humano, especialmente no intestino. E ajudam também na absorção de nutrientes e no combate a outros micro-organismos que fazem mal à saúde. Grosso modo, usar probióticos é reforçar, no organismo, essas colônias de bactérias benéficas.
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Probióticos combatem contaminação por óleo e efeitos do aquecimento global
O mesmo acontece com os corais. Os recifes contêm muitos micro-organismos que interagem biologicamente e exercem as mesmas funções que no corpo humano: compartilham e protegem o ecossistema, combatendo o que faz mal. Os pesquisadores vêm testando o uso de probióticos desde 2010. Os estudos começaram exatamente com petróleo. Uma tentativa de combater os efeitos do óleo sobre as espécies. Depois, as pesquisas avançaram para defender os corais do aumento das temperaturas das águas do mar. Em ambas, os resultados foram muito positivos.
Pesquisas simulam derramamento de óleo
Na pesquisa referente a petróleo, os cientistas estudaram os impactos na espécie de coral Mussismilia harttii, também conhecida como coral vela ou coral couve-flor. O ambiente marítimo dessa espécie foi recriado em laboratório, na Base de Pesquisa Coral Vivo, na Bahia. Alguns corais foram submersos em tanques com apenas água do mar misturada com petróleo, em uma simulação de derramamento. Outro grupo foi colocado em tanques que, além da água do mar e do óleo, receberam reforço de um “consórcio microbiano”, como os pesquisadores denominam, com dez espécies de micro-organismos. Ou seja, eles aumentaram a colônia de micro-organismos, quando comparada às condições naturais dos recifes. Aumentaram, especialmente, o número de bactérias que degradam o óleo.
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Publicado na revista especializada Scientific Reports, o estudo mostra que nos tanques com ação do consórcio de bactérias 73% dos hidrocarbonetos foram removidos, após dez dias, recuperando a saúde dos corais. Enquanto nos outros, que simularam as condições naturais, apenas 27% do óleo foi removido. A resposta em fotossíntese, indispensável para a vida dos corais, também foi melhor no primeiro grupo, com queda de 57%. No segundo grupo, o processo caiu 95%. “Esses estudos evidenciam que o uso de micro-organismos probióticos pode promover a saúde e a sobrevivência de recifes de corais afetados por derramamentos de óleo”, diz Raquel Silva Peixoto, coordenadora da pesquisa e da Rede de Pesquisas Coral Vivo, e co-fundadora do LEMM da UFRJ.
Probióticos são formados por micro-organismos com funções específicas
Já em 2015, os pesquisadores iniciaram os estudos com probióticos para combater os efeitos do aumento da temperatura das águas dos mares nos recifes de corais. Nesta pesquisa, foram utilizados corais coletados na Bahia, onde este ano foi registrada grande mortandade de recifes. Na mesma área também foi coletado uma espécie de coquetel de bactérias benéficas, especialmente para as zooxantelas – microalgas que são as responsáveis pela fotossíntese e que alimentam os corais. “Os micro-organismos são escolhidos por suas funções”, explica Duarte.
Micro-organismos, testes de DNA e reprodução em laboratório
As zooxantelas são as mais atingidas pelo aquecimento dos oceanos, causando sua expulsão dos corais. Sem fotossíntese e nutrientes, os recifes morrem. Ou adoecem, o que é constatado pelo branqueamento. São essas microalgas que dão as cores aos corais. Os micro-organismos benéficos coletados, denominados de BMC (micro-organismos benéficos aos corais, na sigla em inglês), passaram por testes de DNA. Bem como os corais. Os micro-organismos também foram reproduzidos em laboratório. Aplicados nos corais em fase de branqueamento, o coquetel se mostrou extremamente eficiente, aumentado a resistência e a resiliência.
Para cada recife de corais, há uma solução probiótica específica
As mortes foram reduzidas em mais de 50% e os corais voltaram a ter saúde e cor. A pesquisa foi publicada no The Isme Journal – Multidiciplinary Journal of Microbiol Ecology, da Nature, no final de 2018. Foi desenvolvida pela UFRJ em parceria com o AquaRio, do Rio de Janeiro, onde foi montado o laboratório e do qual Duarte é pesquisador associado. Segundo o pesquisador, um coquetel de micro-organismos não vale para todos os recifes. “Existem diferenças na formação de organismos dos diversos habitats. É preciso pesquisar e selecionar aqueles que realmente são os indicados para cada espécie.”
Pesquisas repercutem internacionalmente
Essas pesquisas, explicam os cientistas, tiveram repercussão internacional. “O mundo todo está repercutindo. Aliás, bem mais do que no Brasil porque lá fora já sofrem mais com a perda de corais do que aqui, até o momento. Já estamos exportando essas técnicas”, diz Raquel Peixoto. Austrália, que já perdeu uma boa parte de sua barreira de Corais; Estados Unidos e mais uma dezena de países acompanham de perto esses estudos ou passaram a desenvolver pesquisas próprias a partir desse conhecimento, que não cabe patente. O sucesso do experimento, entretanto, só pode ser verificado até o momento em laboratório. Com o aquecimento global e as toneladas de óleo ameaçando os recifes brasileiros, talvez os probióticos sejam uma das soluções, e a mais natural, para que os corais sejam conhecidos pelas gerações futuras.
Imagem de abertura: https://www.researchgate.net
Fontes: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5339234/; https://www.nature.com/articles/s41396-018-0323-6; https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ece3.5095; https://www.nature.com/articles/srep18268#ref1; http://www.solam.com.br/blog/?p=3198.