Presidente da COP 26, Alok Sharma, veio ao Brasil
Alok Sharma, presidente da COP 26 – a mais importante reunião do clima depois do Acordo de Paris (2015), veio ao Brasil para conversar com empresários, governo, cientistas e ambientalistas. A COP 26 é esperada com ansiedade e deve acontecer em novembro, em Glasgow, Escócia. Para afinar as propostas dos países membros da ONU Sharma, que nasceu na Índia mas se criou na Inglaterra, tem rodado o mundo para limitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC. Apesar da importância da visita no momento em que o mundo se une para combater o aquecimento, poucos dos grandes jornais, e quase nenhuma TV, sequer registraram a presença de Sharma. Post de opinião.
Presidente da COP 26, Alok Sharma
Alok Sharma chegou ao País na terça-feira, 3 de agosto, onde ficou por três dias, até 6 de agosto. Antes de se tornar presidente da COP 26 foi ministro dos negócios, energia, e indústria, do governo de Boris Johnson.
Aqui ele conversou com empresários, ambientalistas, governadores e prefeitos, além de líderes empresariais. Sharma foi simpático e demonstrou ser aliado dos pleitos de países em desenvolvimento.
Segundo o Centro Brasil no Clima, no dia 4 de agosto, em reunião com autoridades brasileiras declarou: ‘Vocês são meus heróis do clima e é muito importante a adesão de vocês a esse grande compromisso climático’.
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O que o Brasil ganha investindo agressivamente no sentido oposto ao do resto do mundo?
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‘Silêncio ensurdecedor’ sobre os desmandos na Amazônia, diz líder do agronegócio
Enquanto isto, os líderes do agronegócio reagem aos desmandos. Um dia antes de Sharma chegar ao Brasil, em 2 de agosto, Marcelo Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e um dos mais atuantes e respeitados líderes do setor abriu o Congresso Brasileiro do Agronegócio com um discurso no qual denunciou o ‘silêncio ensurdecedor’ dos cúmplices de Bolsonaro. E, pasme, incluiu ele mesmo e seus pares entre aqueles que escolheram silenciar!
‘Entramos no 9º ano seguido de aumento de desmatamento ilegal. Não podemos ver isso em meio a um silêncio ensurdecedor’.
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Investimentos no litoral oeste do Ceará causam surto especulativoVanuatu leva falha global em emissões à HaiaO plâncton ‘não sobreviverá às mudanças do clima’E prosseguiu: ‘Chamamos responsabilidade dos governos e de nós, cidadãos de bem do País, que temos feito do silêncio nossa cumplicidade’.
E arrematou: ‘A Amazônia não é só ativo ambiental, mas principalmente ferramenta de acesso a mercados e acordos internacionais. No mundo ESG, vence quem tem melhor ativo a negociar, e nós estamos destruindo o nosso’.
Felizmente, ainda existem líderes setoriais como Brito que não se envergonham de mostrar que escolheram a pessoa errada. Errar é humano, reconhecer o erro é sábio, diz o ditado. Só os fanáticos, burros como o mito que admiram, não são capazes de perceber o buraco em que nos enfia Bolsonaro e família.
Câmara dos Deputados na contramão
Enquanto esteve no Brasil Sharma foi ‘presenteado’ pela Câmara dos Deputados que aprovou a nova Lei do Licenciamento Ambiental.
Agora, empreendimentos com potencial de dano ambiental, como as barragens de Mariana ou Brumadinho, precisarão apenas uma ‘autodeclaração’ para serem aprovados.
Este foi mais um passo em direção ao desmonte do arcabouço legal ambiental do País, obra de Bolsonaro, tocada por seu ‘cão de guarda’, o ex-‘ministro’ do Meio Ambiente.
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A cúpula do clima de Joe Biden em abril não alcançou resultados
Para conseguir um aumento não superior a 1,5ºC é de vital importância que os governos aumentem suas metas voluntárias de cortes de emissões.
Esta questão foi tratada pela última vez em abril, na cúpula virtual do clima pedida por Joe Biden que convocou 40 países, entre os quais o Brasil que voltou a prometer a neutralidade para 2050.
Biden cobrou maiores esforços dos governantes, mas sem resultados práticos. Logo depois da cúpula assistimos um webinar do Instituto Semeia com a presença do embaixador e ex-ministro do Meio Ambiente, Rubens Ricupero.
ONU revela: depois da reunião com Biden aumento da temperatura global alcança quase 4ºC até o fim deste século
Ricupero foi realista ao lembrar que os compromissos foram quantificados por uma agência da ONU sobre meio ambiente com sede em Nairóbi, Quênia, e atingem quase 4ºC acima dos níveis pré-industriais ‘o que nos levaria a um terreno jamais percorrido na história do planeta’.
Um aumento de temperatura de 4ºC é algo dramático para o destino da humanidade.
‘Um desafio para a manutenção da civilização humana’
Para Rubens Ricupero (e os cientistas), mesmo que o aumento de temperatura seja de ‘apenas’ 2ºC, a quantidade de espécies em extinção seria demais. Mas se atingirmos 4ºC isso seria ‘um desafio para a manutenção da civilização humana’.
O último encontro antes da reunião de Biden foi a Cúpula de Ambição Climática, para celebrar os cinco anos do Acordo de Paris promovida pela ONU em dezembro de 2020, quando o Brasil não foi convidado.
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Nessa reunião o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres ‘pediu a líderes de todo o mundo que declarassem emergência climática em seus países até que alcancemos a neutralidade em carbono’.
O tempo hábil para mudanças é escasso, e os apelos, por mais dramáticos que sejam, ainda não obtiveram os resultados desejados. Isso explica o ‘road show’ promovido agora por Alok Sharma.
‘É preciso aumentar a ambição’, diz Alok Sharma
Este é o mantra de Sharma, um recado curto e grosso que tem repetido onde quer que chegue. Além desta ‘maior ambição’, para o caso brasileiro Sharma quer mais certezas sobre a promessa de conter o desmatamento ilegal até 2030, além de conferir o que está sendo feito para o País atingir suas metas climáticas para 2030 e 2050.
Como é sabido, atividades de uso do solo compõem a maior parte das emissões brasileiras. Estas atividades, Mudança de Uso da Terra e Agropecuária representaram 72% das emissões brasileiras em 2019.
Globalmente, as emissões brasileiras representam 2,9% dos gases de efeito estufa jogados anualmente na atmosfera. Mas, mesmo representando apenas 2,9% das emissões totais, o Brasil não tem o direito de, num momento difícil como este, continuar a permitir as ilegalidades que permite na Amazônia, Cerrado e Pantanal se quiser ser levado a sério.
Enquanto continuarmos com a postura belicista e negacionista, e as ilegalidades persistirem como têm acontecido, nossa imagem externa continuará a de um país pária que cedo ou tarde sofrerá as consequências de suas ações, neste caso, omissão.
Lembremos o que disse Marcelo Brito: ‘A Amazônia não é só ativo ambiental, mas principalmente ferramenta de acesso a mercados e acordos internacionais’.
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Para um País que em cinquenta anos saiu da condição de importador de alimentos para ser um dos maiores exportadores, enquanto no front externo liderava a questão ambiental nos fóruns internacionais, a política ambiental desnorteada de Bolsonaro já se mostrou danosa demais. E os efeitos do aquecimento global sobre a agricultura e pecuária ameaçam o agronegócio brasileiro de modo devastador.
Depois de tanta tolerância com os criminosos o governo perdeu o controle, especialmente, mas não apenas, na Amazônia. Hoje quem dá as cartas ali são os garimpeiros ilegais, grileiros, e desmatadores.
O risco da perda de controle na Amazônia no mesmo período da COP 26
Apesar do Exército mais uma vez estar na Amazônia para combater os ilícitos, não é o suficiente. Vejamos no que deu a desastrada política ambiental de Bolsonaro.
Primeiro o governo humilhou publicamente as equipes do Ibama e ICMBio. Simultaneamente, dificultou o quanto pôde a aplicação das multas ambientais. E ainda promoveu a exoneração de quase todas as chefias antigas, colocando no lugar policiais militares paulistas que, à exemplo do ‘ministro’ exonerado, nada sabem sobre a Amazônia.
Em seguida, enxugou o orçamento já enxuto da pasta. Para finalizar, em dois anos e meio de gestão não promoveu concursos públicos para estancar a sangria dos servidores que já atinge cerca de 3 mil funcionários. Como consequência, deixou o Ibama e ICMBio semi-inoperantes.
2020, aumenta a pressão
Quando a pressão internacional aumentou, no ano de 2020, o jeito foi chamar o Exército. A operação Verde Brasil 2 foi montada para coibir as ilegalidades. E custou caro, muito caro. Foram para o ralo R$ 410 milhões de reais, que não trouxeram resultado algum.
Saiba que o montante de R$ 410 milhões de reais representa mais de três vezes o orçamento do Ibama e ICMBio para a fiscalização e combate a incêndios proposto para 2021!
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São eles que deveriam estar na floresta. O Exército não tem expertise para tanto, basta ver os resultados em 2020, quando a devastação na Amazônia foi de 11 mil km2, 10% a mais que no primeiro ano desta administração.
O período das secas na Amazônia segue até setembro. É nessa época que o fogo sai de controle não só lá, mas também no Cerrado e Pantanal. Dois meses depois começa a COP 26.
Este ano, ao que tudo indica, a perda florestal que já é foco de tensão global será ainda maior que no ano que passou. Só até junho de 2021 o desmatamento na Amazônia foi 17% maior que no mesmo período do ano passado.
A COP 26 pode começar com um incômodo novo recorde de desmatamento. Ainda assim, Sharma até agora foi elegante e confiante ao se referir ao Brasil. Veremos se na época da COP ainda será assim.
Financiamento climático aos países em desenvolvimento
Outra batalha de Sharma é garantir que os países desenvolvidos cumpram a promessa feita em 2009 de financiamento climático aos países em desenvolvimento de US$ 100 bilhões ao ano entre 2020 e 2025, além de muitos países abandonarem o carvão como fonte de energia.
Sobre este financiamento, disse o presidente da COP 26: ‘É difícil falar de metas para 2025 se ainda não chegamos à meta de 2020. Esta questão poderá ser iniciada em Glasgow, mas meu foco é garantir que a promessa dos US$ 100 bilhões seja cumprida’.
Aparentemente, Alok Sharma está ao lado dos países em desenvolvimento, pressionando os mais ricos, o clube do G 20.
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Respondendo uma pergunta sobre ‘avanços recentes nos cortes de emissões’ respondeu: ‘Observo o compromisso que ministros de energia e clima do G 20 fizeram há poucas semanas, dizendo que seus países trarão metas ambiciosas para 2030, antes da COP 26’.
E acrescentou: ‘Os países do G 20 representam coletivamente 80% das emissões globais e 85% da economia global’.
Na conclusão da resposta, Sharma mais uma vez foi simpático aos países em desenvolvimento: ‘Os países mais vulneráveis propuseram metas ambiciosas de redução de gases-estufa. Estão na linha de frente da mudança do clima, um problema que não causaram. A mensagem deles é clara: querem que os grandes emissores, os países do G 20, façam um passo à frente e se comprometam com cortes ambiciosos’.
O artigo 6º do Acordo de Paris, mercados de carbono, a grande expectativa da COP 26
Para que a próxima reunião do clima traga os resultados esperados é preciso mais que ‘um aumento de ambição’ nas metas dos países mais ricos. É preciso que o artigo 6º do Acordo de Paris, que regula e estabelece os marcados de carbono, seja implementado.
O artigo 6º ficou sem acordo no livro de regras do Acordo de Paris, é o último tema a ser acordado. Para alguns, é o ‘calcanhar de Aquiles’ da COP 26.
Sobre o artigo 6º do Acordo de Paris, Sharma foi perguntado sobre o impacto de não se chegar a um consenso na próxima COP.
‘Há um desejo por parte de todos de chegar a um acordo no artigo 6º. Na reunião ministerial houve algumas propostas de chegar a algum consenso. Na quero dar a impressão de que chegamos ao limite. Há ainda muito a fazer’.
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A falta de consenso sobre o artigo 6º
Analistas dizem que esta é uma questão ainda polêmica porque não há entendimento sobre quem deve contabilizar a redução de carbono. Se o país comprador do crédito proveniente de um projeto realizado fora de suas fronteiras ou o país que desenvolve o projeto gerador de crédito.
Para se ter ideia da importância deste artigo, saiba que existem estudos que apontam que o mercado de carbono pode movimentar de US$ 58 bilhões a US$ 167 bilhões até 2030.
Segundo o jornal O Globo outra estimativa importante vem da Universidade de Maryland, que diz que ‘os mecanismos em negociação gerarão economias de 250 bilhões de dólares por ano até 2030’.
‘E podem alcançar 320 bilhões de dólares anuais caso incluam o comércio de unidades de carbono geradas a partir da redução de emissões oriundas de desmatamento e queimadas, com o Brasil e seus vizinhos amazônicos potencialmente se beneficiando muito neste cenário’.
Agosto,2021, um tênue sinal de mudança?
Antes de encerrar um sinal de alento. A coluna do jornalista Lourival Sant’Anna, no Estado de S. Paulo de 8 de agosto assinala o que talvez seja um sinal de mudança. Depois de passar uma semana em Brasília trabalhando, Lourival informa que a despeito das diferentes coberturas,
a Amazônia esteve no topo da agenda: dela dependem o comércio com a Europa, o cumprimento dos compromissos do Brasil na COP26 e a estratégia de segurança nacional atualizada no governo Joe Biden, que envolve conter o aquecimento global.
Lourival parece pensar como Marcelo Brito…
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Com o aumento da pressão internacional, a política ambiental no Brasil corre o risco de cair na armadilha que aprisiona o comércio exterior há décadas: o país resiste a fazer algo que seria bom para ele, como preservar a Amazônia…
Prossegue Lourival…
Mas as pressões podem estar surtindo efeito. O presidente Jair Bolsonaro deu sinal verde para a punição dos infratores na Amazônia.
Como prometeu na Cúpula do Clima em abril, Bolsonaro mais que dobrou as verbas para fiscalização, de R$ 228 milhões para R$ 498 milhões. Estão sendo contratados 700 fiscais. Eram cerca de 200 em campo. Há quase uma década não havia concursos.
Sobre a postura do novo ministro do Meio Ambiente, informa Lourival:
O novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, vai à Amazônia quase toda semana, acompanhar a fiscalização. Os resultados começam a aparecer. Depois de aumentos recordes em março e abril, houve redução de 10% no desmatamento e de 27% nas queimadas em julho, ante o mesmo período do ano passado.
Antes tarde do que nunca
Perdendo popularidade a passos largos, cada vez mais isolado interna e externamente, talvez estejamos no início de uma virada na antipolítica ambiental de Bolsonaro, ao menos no que se refere à Amazônia.
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A ver como serão os próximos dois meses.
Imagem de abertura: Divulgação
Fontes: https://oglobo.globo.com/epoca/natalie-unterstell/coluna-o-brasil-quer-vender-ou-comprar-carbono-1-24911990; https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/08/03/cop-de-glasgow-precisa-manter-vivo-o-limite-de-15oc.ghtml; https://istoe.com.br/nao-podemos-ver-avanco-no-desmatamento-ilegal-em-meio-ao-silencio-ensurdecedor/; https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,sinais-positivos-na-amazonia,70003803471.