Poluição sonora nos oceanos e seus impactos na vida marinha
Em minhas viagens pela costa brasileira não era incomum chegar em alguma comunidade de pesca e ouvir dos nativos ‘que depois da sísmica’ os peixes sumiram. A primeira vez levei um susto: sísmica, o que seria? Mas continuava o bate-papo sem avançar sobre algo que não compreendia. A reclamação passou a ser mais comum conforme eu avançava em investigações ao longo do litoral. Ao final eu havia escutado a mesma ladainha em todas as regiões do litoral. Mais recentemente, em 2020, uma notícia sobre possível ataques de orcas a barcos no litoral da Europa e do Brasil provocaram mais um post, e desta vez com apoio de especialistas. Poluição sonora nos oceanos e impactos na vida marinha.
Poluição sonora nos oceanos e impactos na vida marinha
Ao estudar os possíveis ataques de orcas, entrevistei o professor Marcos Cesar de Oliveira Santos, do Instituto Oceanográfico da USP. Ele explicou no post Orcas e barcos, algo muito estranho está acontecendo, que “estes animais altamente evoluídos podem ter se irritado com o barulho das sondas dos barcos.”
Nos oceanos, grande parte da vida marinha se comunica, ou age, em função do som. A visão embaixo d’água é sempre prejudicada, não avança muito considerando as muitas espécies diferentes.
Mas o som, sim. E, lembrando o que nos disse o professor da USP, ‘a poluição sonora no meio marinho “foi introduzida pelos primatas”, nós, sem pedir licença aos animais‘, decidi que chegara a hora de pesquisar mais sobre o tema.
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Espécies marinhas afetadas pelo som
Vamos nos lembrar que até recentemente os oceanos eram silenciosos, ou melhor dizendo, os sons produzidos pelo ser humano ainda não haviam tomado conta deste gigantesco espaço que cobre 70% da superfície do planeta.
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Até quase o fim do século 19 era assim. Um átimo de tempo se considerarmos que a vida nos oceanos surgiu há 3 bilhões e 500 milhões com as algas e bactérias. Então começou a evolução que nos trouxe até onde estamos hoje.
Do século 20, quando começou o processo sísmico, para o início do século 21, uma literal explosão da agitação sonora tomou conta do espaço marítimo.
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Cerca de 100 anos depois da primeira plataforma, há hoje mais de 1.300 espalhadas por todos os mares do planeta.
E um dos métodos para acharem petróleo no mar é o uso da sísmica.
Sísmica, entenda
Para acharem os locais mais prováveis onde ficam os depósitos de gás e petróleo no subsolo marinho são usados canhões de ar comprimido. “A onda sísmica se propaga através do meio e ao atingir a interface entre dois meios diferentes, parte de sua energia é refletida e retorna à superfície, onde é captada. Uma outra parte da onda é refratada para o meio inferior, voltando à superfície por outro caminho. Este método permite a investigação de estruturas geológicas subsuperficiais e camadas sedimentares que contenham petróleo e gás.”
Imagine agora a quantidade de tiros de ar comprimido para cada um dos mais de 1.300 poços espalhados pelos oceanos (fonte: https://www.statista.com/). Antes, é preciso saber que ‘a taxa de descoberta de acumulações economicamente viáveis de óleo ou gás é de 1 descoberta para cada 7 poços perfurados’.
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Isso pode significar que, para os 1.300 poços em atuação, é provável que a procura tenha chegado a milhares de tiros de ar comprimido a mais que a quantidade de poços hoje em funcionamento.
Milhares ou milhões de tiros?
Milhares, ou milhões de tiros? Não importa qual seja a resposta correta, importa que o ser humano, além de plástico, e outros resíduos, levou ao interior dos oceanos um barulho infernal que por bilhões de anos esteve ausente.
E isso prejudica, sim, a vida marinha, como nos alertavam os nativos do litoral. Especialmente, mas não apenas, os mamíferos marinhos.
Cetáceos os mais prejudicados?
‘Os cetáceos usam a percepção auditiva para funções essenciais de seu modo de vida como a orientação, comunicação, e detecção de presas ou predadores. Por isso os danos às estruturas auditivas podem impactar de modo significativo o comportamento do animal’.
O som e os animais marinhos
Estudo de Linda S. Weilgart, The Impact of Ocean Noise Pollution on Marine Biodiversity, diz que “a maioria dos animais marinhos, principalmente mamíferos marinhos e peixes, são muito sensíveis ao som. Estes animais usam o som para quase todos os aspectos importantes de sua vida, incluindo reprodução, alimentação; ou evitar perigos como predadores e navegação.”
A propagação do som debaixo d’água
O mesmo estudo nos informa que “o som pode viajar por grandes distâncias subaquáticas, às vezes centenas ou mesmo milhares de quilômetros, enquanto a visão é apenas útil para dezenas de metros debaixo d’água.”
O ruído, ou ‘som indesejado’
Linda Weilgart diz que “o som indesejado, ou ruído, pode ter um grande impacto no ambiente marinho, porque os ruídos cobrem uma área muito grande, potencialmente impedindo peixes ou baleias de ouvir suas presas ou predadores, encontrando seu caminho, ou conectando-se com companheiros, membros do grupo ou seus filhos. “
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Sonar para detectar submarinos e o encalhe de cetáceos
As novidades que nós, ‘primatas’, levamos aos oceanos não se resumem à sísmica, ou às milhares de embarcações que navegam de um lado para o outro.
Os sonares para detectar submarinos são outro problema, segundo a autora, “o sonar ativo de frequência, usado para detectar submarinos, pode afetar a vida marinha em uma área de cerca de 3,9 milhões de quilômetros quadrados (Johnson 2003). Este valor é baseado nos níveis mostrados para produzir evasão em peixes e baleias.”
E hoje há mais de 500 submarinos no mundo que navegam praticamente sem parar. Esta é a função deles, navegar ininterruptamente, seja para defender as nações a que pertencem, seja para uns detectarem a posição dos outros. E a cada vez que um sonar é usado pode impactar uma área de cerca de 3,9 milhões de quilômetros quadrado
Já, “o ruído sísmico do canhão de ar da exploração de petróleo e gás alcançou 3.000 km de distância, foi a o mais alto ruído (de fundo) registrado debaixo d’água.”
Tudo somado, parecem ter razão os nativos com quem conversei, embora ainda não haja estudos conclusivos sobre os efeitos nos peixes. A certeza que existe é que a poluição sonora prejudica sem dúvida os cetáceos.
Segundo estudo do brasileiro Cristiano Vilardo (2006), “encalhes de cetáceos em massa,” situação quase comum neste mundo incomum em que vivemos, “já foram associados com a atividade de sonares militares.”
Tartarugas-marinhas e poluição sonora
Também há indícios de prejuízos equivalentes às tartarugas marinhas. Só existem oito espécies no mundo, todas ameaçadas de extinção. Nas águas brasileiras cindo destas espécies estão presentes. Vilardo diz que “o estado de ameaça de extinção em que se encontram justifica uma postura de precaução sobre estes animais.”
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Peixes e barulhos ‘antrópicos’
Quem é pescador sabe. Basta um ruído na canoa para afugentar os peixes. Quem um dia pescou sabe disso. Mas os prejuízos da poluição sonora sobre cardumes, e as 30 mil espécies de peixes, ainda deixam a desejar.
Segundo o pesquisador brazuca “só foi estudada a capacidade auditiva de 100 espécies de peixes, fazendo com que a sensibilidade auditiva das outras espécies sejam especulativas.”
Mas o mesmo autor diz que, em peixes com bexigas natatórias “aumentam a sensibilidade auditiva e a capacidade de perceber as variações de pressão acústica no meio.”
E, de modo geral, diz ele, “a audição é um sentido fundamental para a vida dos peixes, e uma alteração grave (na capacidade auditiva) pode prejudicar atividades como a reprodução e detecção de presas e predadores.”
Experimento no mar de Barents em 1992
A tese de Cristiano Vilardo comenta esta experiência sobre os cardumes de bacalhau no mar de Barents. E os resultados, ao menos com esta espécie, não foram nada otimistas. Segundo ele, o estudo ‘consistiu no registro hidroacústico da densidade de peixes e na realização de pescarias experimentais’.
“Os resultado obtidos indicaram uma drástica redução na abundância (do já combalido bacalhau ou Gadus morhua) e do haddock “recursos pesqueiros importantes para os europeus.”
Poluição sonora nos oceanos
A conclusão, ainda que faltem mais estudos, indica que a poluição sonora por nós introduzida nos oceanos é mais um fator de preocupação. Tanto é assim que pelo menos em dois locais da costa brasileira o Ibama proibiu o uso da sísmica. Um deles fica no litoral da Bahia e procura preservar as baleias jubartes, o outro, pelo mesmo motivo, no litoral do Rio Grande do Sul.
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Psiu!
(Fale baixo…)
Ilustração de abertura: Callie Wohlgemuth ’21
Fontes: https://www.iag.usp.br/geofisica/sites/default/files/M%C3%A9todo_S%C3%ADsmico.pdf; http://filesrodadas.anp.gov.br/round9/arquivos_r9/guias_R9/sismica_R9/Bibliografia/Vilardo%202006.pdf; http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.542.534&rep=rep1&type=pdf; https://docplayer.com.br/7336036-Informacao-elpn-ibama-no-012-03-resumo.html; https://www.statista.com/statistics/279100/number-of-offshore-rigs-worldwide-by-region/; https://www.statista.com/statistics/279100/number-of-offshore-rigs-worldwide-by-region/.