Petróleo na Margem Equatorial avança um bocadinho mais
Um grupo com 19 especialistas, liderado pelo GT da Foz do Amazonas, o IEA-USP e o Museu Emílio Goeldi, divulgou o relatório Cenários Estratégicos para a Ampliação do Conhecimento Científico e Proteção da Biodiversidade da Foz do Rio Amazonas. O trabalho foi entregue ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) em evento realizado no Museu Goeldi, em Belém. Este é mais um passo rumo ao que virou tabu: a exploração de petróleo na Margem Equatorial.

Desde 2023, o governo Lula sugere que a Petrobras vai explorar o filão. Mas o Ibama negava o licenciamento. Começou a se formar uma espécie de torcida entre os favoráveis, e os contrários, fato normal em decisões que provocam emoção na opinião pública. Mas, devido às agressões, cancelamentos, este tipo de reação das redes antissociais, falar do tema e expor o seu pensamento tornou-se um problema.
A exploração da Petrobras
Esperamos que este post chegue aos leitores em paz. E que estejam dispostos a discutir ideias, sem cair na polarização. Nem tudo que vem da esquerda é errado. Nem tudo que vem da direita é certo. Ou o contrário.
O Mar Sem Fim já defendeu a exploração de petróleo pela Petrobras. Mesmo que ocorra um acidente — raro, mas possível — o óleo não chegará à costa. A Petrobras já perfurou quase 3.000 poços sem acidentes graves.
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Entrevistamos dois oceanógrafos. Ilson da Silveira afirmou que, por causa da distância da costa e da força da Corrente Norte do Brasil, um eventual vazamento tende a seguir para o hemisfério norte, levado pela corrente.
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Também ouvimos Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP e Chefe da Cátedra UNESCO de Sustentabilidade Oceânica. “Participo de um grupo que vem buscando identificar contrapartidas que precisarão ser implementadas para que a eventual riqueza trazida pelo óleo trabalhe efetivamente na transformação da região para um futuro cada vez mais sustentável”.
Pesquisadores trabalham desde o início de 2025
Alexander Turra é um dos 19 especialistas envolvidos no relatório que acaba de ser lançado. Turra estava ao lado de, entre outros, Amílcar de Carvalho Mendes, Fábio Feldman, José Pedro De Oliveira Costa, Paulo Artaxo – , além de especialistas do Amapá, Maranhão, e Pará.
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Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaO sentido das águas, um guia para conhecer a AmazôniaÉ provável que Marina Silva/Ibama seja a responsável pela criação do grupo, não podemos afirmar. Mas é uma óbvia aliança. Marina sabia que Lula não desistiria de sua intenção, assim, restava preparar o terreno e fazer o melhor possível pela região. Para piorar a urgência, estamos às vésperas da COP30, em Belém, onde a posição brasileira será cobrada.
Como Turra antecipou, os pesquisadores propõem a criação de um mosaico de unidades de conservação para a foz do Amazonas, além de um novo instituto de pesquisa, uma ideia defendida pelos pesquisadores do Museu Emílio Goeldi, o Instituto Foz do Amazonas.
‘Esse conjunto, chamado de mosaico de áreas protegidas, seria gerido por um conselho com representantes do governo federal, estadual, municipal, comunidades tradicionais e setores produtivos. No futuro, ele pode incluir as Unidades de Conservação, UCs, que já existem na região’.
‘O objetivo é criar um sistema forte que proteja a pesca artesanal e comercial, incentive o ecoturismo, evite danos às comunidades e permita outras atividades sustentáveis’.
O relatório ainda aponta ‘18 grandes estratégias para orientar ações que protejam a natureza e promovam o desenvolvimento sustentável na Foz do Amazonas’.
Um parêntesis para pensar
A ação em defesa da costa Norte é bem-vinda, e deixamos isso claro. Mas não era prioridade. Veio como resposta à fala de Lula sobre explorar petróleo.
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Ótimo para a região Norte, que agora terá mais proteção. Ainda assim, a medida não pode esconder o grande problema da costa brasileira. O calcanhar de Aquiles da gestão Marina Silva continua o mesmo: a omissão diante da agenda ambiental marinha, que não avança.
Marina segue focada na Amazônia. Não está errada por isso. O erro está em ignorar a zona costeira, que pede socorro há muito tempo.
Até quando vai a extração de petróleo no mundo?
Ainda neste mês de agosto, para trazer mais elementos ao debate sobre combustíveis fósseis, o Mar Sem Fim fez uma curadoria na net para saber o que pensam os analistas sobre até quando deve crescer a extração de petróleo.
Entre relatórios da EIA – Administração de Informação Energética, pesquisadores da Goldman Sachs Research, consultorias como a Mckinsey, e outros, eis um resumo das conclusões:
Perspectivas Internacionais de Energia de 2021, EIA – Administração de Informação Energética – projetou que o suprimento mundial de petróleo continuará a atender à crescente demanda global de energia até pelo menos 2050. Além de 2050, “há incerteza substancial sobre os níveis de oferta e demanda de combustíveis líquidos futuros.”
Para encerrar, vale lembrar a força do lobby do petróleo. Ele é tão poderoso que conseguiu barrar, pela sexta vez, o tratado internacional de plástico proposto pela ONU — agora em Genebra. Tudo porque o plástico deriva do petróleo.
E isso aconteceu apesar do consenso quase unânime sobre a gravidade da pandemia de plástico no meio ambiente. Um dado que não pode ser ignorado nesta discussão.
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O mosaico de unidades de conservação
Neste 21 de agosto as redes sociais estão abarrotadas de matérias sobre o relatório, e isto já é um bom sinal. Quanto mais pessoas participem do debate, quanto mais informação tivermos, melhor.
Neste sentido posso assegurar que os 19 especialistas responsáveis pelo relatório são de fato uma elite intelectual em suas respectivas áreas. Além disso, demonstraram abertura em tempos de radicalidade. Eles poderiam simplesmente bombardear a extração de petróleo, e ficar na oposição. Mas preferiram oferecer alternativas o que é civilizado.
Não nos esqueçamos, também, que explorar a Margem Equatorial significa US$ 56 bilhões em investimentos, uma arrecadação governamental de US$ 200 bilhões e mais de 300 mil empregos.
A Foz do Amazonas
O primeiro parágrafo do relatório responde a pergunta:
Qual o lugar onde o maior sistema fluvial do mundo encontra o oceano que ajuda a equilibrar o clima do planeta? É a Foz do Amazonas, onde vastos manguezais, sistemas recifais vibrantes e uma biodiversidade singular — de baleias, cardumes de peixes a tartarugas, de aves migratórias a invertebrados e microrganismos — formam um ecossistema que não apenas sustenta a vida, mas também guarda carbono essencial para o equilíbrio climático global.
“A Foz do Amazonas é um ponto de convergência vital entre a Amazônia Verde e a Amazônia Azul. É também um território de saberes tradicionais e de desafios urgentes diante do cenário de intensificação e diversificação de atividades econômicas. Com esse plano, buscamos fortalecer a ciência e garantir que a conservação ande junto com a justiça social”, explica Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP, responsável pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (Agência Gov).
“Este documento representa um esforço inédito de união entre ciência, saber tradicional e gestão pública. O que está em jogo aqui não é apenas um ecossistema – é o futuro das próximas gerações, que depende fundamentalmente do equilíbrio entre exploração e uso de recursos e da qualidade ambiental. Isso só pode ser alcançado com investimentos massivos no conhecimento científico da região”, destaca Nils Edvin Asp, professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador do Observatório para a Foz do Rio Amazonas (Agência Gov).
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Os três cenários do relatório
Três cenários foram pensados, baseados nas categorias do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, SNUC, Lei 9.985/2000:
1 – Corredores Ecológicos: Áreas para proteger animais ameaçados, como tubarões, cetáceos, tartarugas e corais, com base nos Planos de Ação Nacionais do ICMBio
2 – Áreas de Desenvolvimento Sustentável: Como as Áreas de Proteção Ambiental, APAs, que permitem uso sustentável com base nos estudos realizados para a indicação de Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade.
3 – Áreas de Proteção Integral: Como Refúgios de Vida Silvestre, ajustados para não atrapalhar atividades como pesca e mineração, com base nos estudos realizados para a indicação de Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade.
O relatório diz que ‘esses cenários deverão ser discutidos com as comunidades e setores econômicos. O mosaico deverá se conectar às Unidades de Conservação já existentes no Amapá, Pará e Maranhão, fortalecendo a proteção da biodiversidade e apoiando o desenvolvimento sustentável para as pessoas da região’.
Será uma proteção a mais, uma vez que dos 600 mil hectares do Parque Nacional do Cabo Orange, 200 mil são formados pelo mar que banha o Amapá. Além disso, há muito circulava a ideia de criar uma RESEX colada ao parque, de modo a garantir a pesca especialmente aos moradores do Oiapoque e Calçoene.
Royalties da Margem Equatorial
A extração da Margem Equatorial pode ser uma benção para um Estado pobre como o Amapá, cuja economia depende da extração mineral, do setor de papel e celulose, leia-se reflorestamento com eucaliptos que está acabando com o cerrado amazônico, e serviços.
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Não há uma previsão oficial sobre royalties para o Amapá. Contudo, a exploração na Margem Equatorial pode gerar um valor bilionário para o estado, com a estimativa de que possam ampliar o PIB local em até 6 vezes, de acordo com uma consultoria.
Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta um aumento de 61,2% no PIB estadual e a geração de 54 mil empregos. Por fim, segundo a Agência do Amapá, dados do Ministério de Minas e Energia, com base em descobertas na Guiana e Suriname, a exploração na Margem Equatorial pode atrair investimentos de até R$ 280 bilhões, gerar aproximadamente 350 mil empregos e proporcionar arrecadação em royalties superior a R$ 1 trilhão.
Não custa recordar que economia da Guiana, que começou a extração na frente, cresceu a uma taxa recorde de 62,3% em 2022, a mais alta do mundo. O Campo Liza é considerado a maior adição às reservas globais de petróleo em várias décadas. Antes dessa descoberta, o maior campo já encontrado era o de Mangala, na Índia, com reservas estimadas em 1 bilhão de barris. Em comparação, a descoberta na Guiana é dez vezes maior.
Outros dados favoráveis
Antes de encerrar, vale citar outros dados. Assim, o leitor pode tirar suas próprias conclusões diante dos que se opõem à exploração. Muitos têm certeza de que um acidente vai acontecer. E que o vazamento vai atingir o manguezal do litoral do Amapá, e/ou o Grande Recife Amazônico, na foz do rio.
O Ibama pressionou ao máximo. Exigiu tudo o que podia — e até mais — da Petrobras para liberar o licenciamento. A estatal respondeu ponto a ponto.
Magda Chambriard, presidente da empresa, disse ao Valor que se sente “confortável” com o que chama de “o maior plano de emergência individual já visto” para a exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas.
A presidente da Petrobras critica a desinformação no debate. E lembra: a área de perfuração fica a 540 quilômetros da Ilha de Marajó, na foz do Amazonas. É o dobro da distância entre o pré-sal e a Praia de Copacabana.
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Magda Chambriard questiona: se confiamos na Petrobras para perfurar em frente a Angra e Copacabana, por que não confiar no Amapá?
Ela encerra lembrando que ‘o petróleo é atualmente a principal exportação do Brasil. Em 2024, pagamos R$ 270 bilhões em impostos, sejam federais, estaduais ou municipais’.
O Mar Sem Fim e a exploração de petróleo na Margem Equatorial
O Mar Sem Fim mantém sua posição favorável à exploração de petróleo. Essa riqueza é de todos os brasileiros. É enorme para um país em desenvolvimento e não deve ficar enterrada.
Se não explorarmos, outros farão isso. Melhor que seja a Petrobras, com seu histórico de respeito ao meio ambiente — mesmo em uma atividade arriscada por natureza
Especulação imobiliária é o grande problema do litoral
Quem frequenta constantemente o litoral, ano a ano, percebe claramente a brutal transformação provocada pela especulação que quase não sofre oposição, muito menos recebe destaque parecido ao que mereceu a extração de petróleo. Antes fosse…
Mas fique que certo que o grande problema do litoral não é a extração de petróleo. A pior chaga é a especulação imobiliária. Um flagelo nacional, um câncer mortal aceito como um fato ‘natural’ imutável pela maioria da população e formadores de opinião. Acontece que não é.
A especulação — com a omissão do poder público — segue destruindo manguezais e restingas. Aplaina dunas para erguer casas “pé-na-areia”. Invade costões. Expulsa ou enrola as populações originárias, caiçaras e nativos da costa, acirrando os problemas sociais.
Insiste no superadensamento, mesmo diante de uma infraestrutura precária. E continua avançando, desfigurando a paisagem de cada praia que toca.
A especulação na costa, esta sim, merecia um plano tão cuidadoso quanto o da extração de petróleo.