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O maior navio de carga do mundo antigo, obra de Arquimedes

O maior navio de carga do mundo antigo, obra de Arquimedes

O historiador romano Plutarco registrou que o responsável pela construção não tinha suas invenções mecânicas em alta consideração. Em vez disso, estava muito mais orgulhoso de suas provas e teorias em física e matemática. No entanto, recebeu o crédito por formular a Lei da Flutuabilidade. Sim, falamos do gênio da Grécia Antiga, berço da civilização ocidental, Arquimedes, famoso pela aplicação prática do conhecimento científico em seus projetos de engenharia, muitos dos quais  em uso até hoje. Este, por exemplo, é o caso do ‘parafuso de água’, uma espécie de bomba d’água usada até hoje em porões de barcos e navios, entre outros locais. Nosso assunto de hoje é a construção do maior navio de carga do mundo antigo, mais uma obra de Arquimedes.

Syracusia
Syracusia

Um enorme navio com 2 milênios de idade

De acordo com  o Hellenic Daily News, ‘Arquimedes (287-212 a.C.) foi um matemático e engenheiro mecânico grego, um pioneiro em ambos os campos, muitos séculos à frente de seus contemporâneos’.

‘Na Sicília, sob o governo do rei Hierão II, de Siracusa (270 – 215 a.C.), ele construiu um navio de dimensões impressionantes. O material utilizado para esse barco gigante equivalia ao utilizado em 60 navios normais. Além disso, a embarcação estava destinada a deixar as vias costeiras seguras e atravessar o mar Mediterrâneo. Syracusia era seu nome, e representava o que se poderia chamar o primeiro transatlântico da antiguidade’.

Para os historiadores Jean Macintosh Turfa & Alwin G. Steinmayer, no artigo The Syracusia as a giant cargo vessel,  aparentemente a intenção de Hierão era usar o navio para  percorrer o Mediterrâneo distribuindo cereais como presente (outras cidades estavam passando fome) e demonstrar a sua capacidade naval e militar.

Assim o navio foi pintado no século 16. Imagem, Domínio Público.

Contudo, esses historiadores consideram que a embarcação foi superestimada e quase não navegou. Ao perceber que o navio era grande demais e tinha um calado profundo para atracar na maioria dos portos, Hierão decidiu não utilizá-lo e aproveitou a oportunidade para presenteá-lo a Ptolomeu III.

Após atracar em Alexandria, acredita-se que o navio, rebatizado de Alexandris, permaneceu ancorado e, pelo menos durante o reinado de Hierão, serviu mais como uma exibição do que como um meio de navegação.

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A tentação de canibalizar a embarcação para obter madeira, metal e arte certamente foi grande. É razoável imaginar que esse se tornou seu destino, possivelmente ainda no século III a.C., já que não surgiram relatos de testemunhas oculares posteriores.

Aspectos da vida na Grécia ao tempo de Arquimedes

Segundo o especialista Professor Paul Cartledge, em texto no History Extra, ‘poucas civilizações causaram um impacto na história como a Grécia antiga. Emergindo de uma chamada ‘Idade das Trevas’ há cerca de três milênios, as poderosas cidades-estados da Grécia viriam a dominar o mundo ocidental nos séculos seguintes, fazendo enormes contribuições para os campos da ciência, filosofia, literatura, medicina e arte. Alguns dos maiores intelectuais e pensadores da Grécia antiga – de Arquimedes a Aristóteles – ainda são elogiados hoje, enquanto contos da mitologia grega continuam a capturar a imaginação popular’.

Desenho de casa grega de ricos publicado pelo www.mayaincaaztec.com.

O History Skills  explica que, ‘não havia nenhum país chamado “Grécia” no mundo antigo. A região que chamamos “Grécia” estava cheia de cidades individuais que eram independentes’.

‘Cada um tinha sua própria forma de governo, leis e sistema de treinamento militar. A maioria dos gregos eram muito leais à sua própria cidade. No entanto, essas cidades separadas foram unificadas por sua língua semelhante e suas práticas culturais e religiosas semelhantes’.

‘Enquanto o país moderno da Grécia é principalmente um país continental, nos tempos antigos os helenos tinham cidades-estados incluindo áreas na Turquia, Norte da África, Itália e até mesmo a França. O elemento que conectou todas estas regiões foi o Mar Mediterrâneo’.

O mundo helenístico. As conquistas de Alexandre e os conflitos sobre os despojos que se alastraram por décadas após sua morte resultaram na reordenação do que já havia sido o Império Persa. Enquanto as fronteiras mudaram regularmente ao longo dos anos, este mapa mostra um instantâneo dos reinos helenísticos em cerca de 263 a.C. (crédito: modificação do trabalho “O Mundo Helenístico no final de 281 aC” por “Cattette” / Wikimedia Commons, CC BY 4.0).

Ainda em 480 a.C., aconteceu um dos fatos mais marcantes da História, a Batalha de Salamina, uma das primeiras escaramuças que colocariam o Ocidente representado pela “Grécia europeia, síntese do pensamento progressista da antiguidade”, em rota de colisão com o Oriente; a Pérsia, pomposa, lúbrica e primitiva”.

Seu desfecho, consideram a maioria dos historiadores, mudou o destino da humanidade.

Período helenístico, a geopolítica do mundo de Arquimedes

Os três séculos de história grega entre a morte do rei macedônio Alexandre, o Grande, em 323 a.C. e a ascensão de Augusto em Roma em 31 d.C. são coletivamente conhecidos como o período helenístico.

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O mundo antigo à época de Arquimedes .

De acordo com o World History, ‘tanto os antigos gregos como os fenícios colonizaram extensivamente vastas áreas da Europa, ao longo das costas do Mediterrâneo e do Mar Negro. Ao fazê-lo, difundiram a sua cultura, que influenciou fortemente as tribos locais. Para os gregos, este fenômeno é designado por helenização‘.

‘Os gregos concentraram os seus esforços sobretudo em Itália e no Mar Negro. A Sicília, em especial, foi uma importante colônia, com o movimentado porto comercial de Siracusa no seu centro. A influência grega também se fez sentir em Chipre e no norte do Levante. Como estas regiões também foram alvo da colonização fenícia, as culturas nem sempre se misturaram pacificamente, o que provocou conflitos entre elas. O fato provavelmente menos conhecido é que a Grécia estabeleceu colônias tão a norte como a Crimeia (na atual Ucrânia), e as expedições à região do Cáucaso não eram desconhecidas.

A morte de Alexandre, o Grande

Quando  Alexandre, o Grande, morreu ele deixou seu extenso território conquistado sem uma linha clara de sucessão, assim, seus generais entraram em disputa, e dividiram-no em vários reinos. A um deles, por exemplo, coube o Egito, Ptolomeu I Sóter, que iniciou a dinastia ptolemaica logo após a morte de Alexandre, em 323 a.C. Ela durou até a morte da última faraó, Cleópatra, quando o Egito passa a ser um a colônia romana.

As conquistas de Alexandre, o Grande. Alexandre avançou seu exército até a Ásia Central e o rio Indo, mas foi incapaz de alcançar o rio Ganges como desejava. (crédito: “Mapa do Império de Alexandre, o Grande (1893)” por Unknown / Wikimedia Commons, Domínio Público).

Os novos governos independentes, juntamente com a disseminação da cultura grega tão longe quanto a Índia, abriram o caminho para mudanças dramáticas nas maneiras pelas quais os gregos viam a si mesmos e ao mundo ao seu redor, explica a Universidade do Colorado.

Influências culturais e as conquistas de Alexandre

A arte grega e a vida sempre sofreram influências de outras culturas, mas a expansão do território durante as conquistas de Alexandre trouxe novas oportunidades para intercâmbios culturais. Alguns historiadores acreditam que a era de Alexandre marcou o início do primeiro movimento de ‘globalização’ da humanidade.

Assim, as trocas levaram a um novo cosmopolitismo, e ao  desenvolvimento da filosofia e outras atividades intelectuais que tiveram enorme avanço. Naquele tempo, a cidade de Alexandria era o centro do mundo.

A morte de Alexandre desencadeou uma imensa mudança geopolítica que, mais tarde, levou ao cenário outro personagem fantástico da história, Cleópatra VII (69 a.C., 30 a.C.).

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Alexandria, a morte de Cleópatra, mudança geopolítica e a ascensão de Roma

Segundo o openstax.org,  ‘Alexandria, no Egito, fundada pelo próprio Alexandre em 331 a.C., foi a capital do reino ptolomaico e a maior cidade helenística, com uma população que atingiu um milhão. Lá, os Ptolomeus fundaram o Museon, ou “casa das Musas”, do qual deriva o termo “museu”. Eles modelaram isso no Liceu de Aristóteles, como um centro de pesquisa científica e estudos literários. Esses mesmos reis também patrocinaram a Biblioteca Alexandrina, onde reuniram a maior coleção de livros do mundo antigo. Antioquia, no sudeste da Turquia, era a maior cidade do reino selêucida, com uma população de meio milhão. Em cidades como Alexandria e Antioquia, a população de língua grega tornou-se integrada com a população indígena’.

Foi em Alexandria que Cleópatra, por certo, última faraó do Egito, filha de Ptolomeu XII, consequentemente descendia de Ptolomeu I, entra na história. Sedutora, flertou com algumas figuras máximas da História, entre elas, Júlio César com quem teve um filho, e Marco Antônio a quem deu três.

Carl Sagan lembra que “o mundo mediterrâneo daquela época era famoso pela navegação marítima. Alexandria era o maior porto do globo.”

É muito provável que Arquimedes tenha passado um longo período de estudo em Alexandria por volta de 240 a.C., como mencionado por Diodoro da Sicília.

O Farol de Alexandria

Foi neste período que surgiu uma das sete maravilhas do mundo antigo, o Farol de Alexandria. Para Irene Vallejo, autora do premiado ‘Infinito Em Um Junco’ (Intrínseca), ‘o farol foi a última e mais moderna das sete maravilhas da Antiguidade. Ele simbolizava o que Alexandria queria ser: a cidade-farol, o centro do eixo de coordenadas, a capital de um mundo ampliado, o marco luminoso que guiava e dirigia o rumo de todas as navegações.’

Recorremos novamente a Carl Sagan que nos dá a sua visão de Alexandria. ‘Sua população era de uma diversidade maravilhosa. Soldados macedônios, depois romanos, sacerdotes egípcios, aristocratas gregos, marinheiros e navegadores fenícios, mercadores judeus, visitantes da Índia e da África Subsaariana – todos, exceto a vasta população de escravos – viveram juntos e em harmonia e respeito mútuo durante a maior parte do período de grandeza de Alexandria’.

Depois de governar o Egito durante 22 anos, morre a última faraó, e o Egito torna-se província do Império Romano. Este, em rápidas pinceladas, era o contexto geopolítico da época em que viveu o gênio de Arquimedes.

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O navio de Arquimedes

Nem todos os historiadores concordam com a opinião de Jean Macintosh Turfa & Alwin G. Steinmayer, de que o navio teria sido pouco usado em razão de não haver portos com capacidade para recebê-lo.

Por exemplo, para o especialista alemão, Horst Nowacki, em Archimedes and Ship Design os conhecimento de Arquimedes influenciaram a concepção de navios durante muitos séculos, quer direta ou indiretamente’.

Pintura de Arquimedes por Domenico-Fetti, em 1620. Domínio Público.

‘As considerações relativas à segurança e estabilidade dos navios desempenham um papel preponderante no processo de decisão do projeto de embarcações. São necessários conhecimentos fundamentais, baseados em princípios físicos, para projetar um navio seguro.

No Mediterrâneo, vestígios de navegação remontam a cerca de 10.000 a.C., nomeadamente no  Egito, Babilônia e, mais tarde, na Fenícia, Creta, Chipre e Grécia. As primeiras viagens oceânicas, algumas delas de distâncias consideráveis, exigiam navios em condições de navegar, seguros contra todos os perigos do mar.

Assim, na época de Arquimedes, no século III a.C., a construção e o projeto de navios gregos, tal como ele os conhecia, já tinham atingido um nível avançado de tecnologia de construção para barcos destinados ao comércio, ao transporte de mercadorias e mesmo à guerra.

Foi Arquimedes, o eminente matemático, mecânico e engenheiro que, num golpe de gênio, conseguiu combinar  várias perspectivas, e desenvolver uma teoria racional da hidrostática dos objetos flutuantes, diretamente aplicável às questões da flutuabilidade e estabilidade dos navios.
Veja o princípio de Arquimedes na descrição de ‘Noções de Estabilidade, publicado pela Boreste Náutica.

O navio Syracusia, segundo Horst Nowacki

O mais prestigiado projeto de construção naval durante a vida de Arquimedes foi sem dúvida o projeto do Syracusia, um navio de carga gigante, destinado principalmente ao transporte de cereais, um produto de exportação da Sicília.

O navio tinha três mastros e três conveses. O convés de combate contava com 8 torres com máquinas de guerra. A lotação era de 825 pessoas. Também foram acomodados 20 cavalos com estábulos. Os espaços de alojamento eram de alto nível e confortáveis, com azulejos luxuosos nos pavimentos, paredes e tetos.

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É também possível que Arquimedes tenha projetado alguns equipamentos militares para serem colocados a bordo, como por exemplo catapultas para disparar flechas contra navios inimigos, ou um lançador de pedras para atirar uma rocha de 180 libras, ainda um dardo de 6 metros de comprimento a uma distância de 200 metros.

Outra apresentação que encontramos estava no artigo já mencionado, The Syracusia as a giant cargo vessel. Seus autores alertam que a descrição original é de autoria de Athenaeus/Moschion, ‘e resumido a seguir sem interpretação’.

Ele foi construído com madeira suficiente para 60 quadrirremes, e empregou 300 artesãos e seus assistentes. A construção até à linha de água demorou 6 meses.  O casco cravado com espigões de cobre de 10 e 15 libras de peso tinha 3 níveis, ou conveses. Os aposentos da tripulação eram revestidos com mosaicos da Ilíada.

Havia ainda jardins sombreados em banheiras, Capela de Afrodite pavimentada com pedras semipreciosas, ginásio, biblioteca, 20 estábulos, tanque de água de 20.000 galões, tanque de peixes de água salgada, fornos, etc. A embarcação teria 130 metros de comprimento e cerca de 50 m de largura.

Syracusia: caraterísticas por convés

A mesma fonte, ou seja, a descrição de Athenaeus/Moschion, revela que o primeiro convés, o mais baixo, era onde ficava o porão acessível através de muitas escadas, e contava com o parafuso de Arquimedes como bomba para esgotar água. Neste porão ficava a carga, principalmente cereais. O segundo convés dá acesso aos 30 camarotes com quatro camas cada, e um camarote de 15 camas. Finalmente, no terceiro convés, o mais alto, ficavam os homens de armas.

Um esquema do Syracusia

Além da Capela de Afrodite, e mosaicos, havia uma sala de leitura, biblioteca, ginásio e alojamento para passageiros.

Controvérsias sobre o navio de Arquimedes

Não é fácil recuperar as histórias da Antiguidade quando vigorava a tradição oral. Durante milênios anteriores à invenção da escrita,  a tradição oral serviu como o único meio de comunicação para formar e manter as sociedades e suas instituições.

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O World History  revela que, ‘a partir do século VIII a.C., o alfabeto grego foi usado para produzir todas as obras famosas da civilização sobre temas que vão desde astronomia e astrologia até botânica, biologia, crítica literária, história, artes médicas, filosofia, ciência, sociologia, entre muitos outros, padronizando o conhecimento e permitindo novos desenvolvimentos. O alfabeto grego foi adotado pelos etruscos e transmitido por eles para os romanos que o usaram para desenvolver a escrita latina, que se tornou a base para as escritas alfabéticas modernas’.

Navio de carga ou de passageiros?

Talvez seja por isso que há tantas versões sobre o navio de Arquimedes. Os contadores de histórias e os bardos, muitas vezes acrescentavam, ou retiravam, partes da história que contavam.

Assim, há uma versão de que o navio de Arquimedes teria sido o primeiro navio de passageiros do mundo. Quem explica, agora, é o site grego kotsanas:

‘Este era um navio gigantesco, de 75 metros de comprimento, adaptável a três usos (cruzeiro de passageiros de luxo, navio mercante e navio de guerra). Ele foi construído por volta de 240 a.C. por ordem do tirano de Siracusa Hieron II, pelo engenheiro naval Archias de Corinto sob a supervisão de Arquimedes’.

Diferenças entre as variadas descrições do navio

Todas as descrições concordam sobre o convés inferior, destinado à carga. Mas há diferenças entre os outros. Para o  Kotsanas, ‘no segundo convés estavam os quartos de passageiros e os oficiais da tripulação, uma cozinha, uma academia, sala de lazer, biblioteca, banhos de vapor, jardins, passarelas, bem como um templo dedicado à Afrodite’.

No terceiro deck, o último, havia paredes periféricas com bastiões e dezenas de máquinas defensivas, como 8 torres, guindastes de arremesso de pedras, catapultas, etc.

No perímetro do navio, as grades de ferro impediam o acesso de embarcações inimigas. O navio carregava uma grande barcaça e muitos outros barcos’.

Finalmente, ‘a propulsão dependia de três velas e 20 fileiras de remos de cada lado. O Syracusia fez uma única viagem levando grãos para a Alexandria, quando foi doado a Ptolomeu III’.

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Arquimedes morreu durante o cerco de Siracusa, em 212 a.C., quando foi morto por um soldado romano, apesar de ordens que ele deveria ser poupado.

O site grego termina a matéria deixando um gosto na boca para uma nova pesquisa, desta vez sobre outro tipo de navio que os gregos inventaram depois do Syracusia.

‘Apenas uma década mais tarde, Ptolemy IV Philopator (221 – 205 a.C.) mandou construir um navio do tipo catamarã moderno, com quase o dobro do tamanho (cerca de 130 m) e com uma quilha dupla, o chamado tessarakoneteres (‘quarenta fileiras’). A tecnologia do Syracusia e dos gigantescos navios dos Ptolomeu perdeu-se e reapareceu na civilização ocidental 1.500 anos mais tarde’.

Este tipo de navio, catamarã, será assunto para outro post.

Assista ao vídeo legendado do Walters Art Museum, de Baltimore, e saiba mais

Governador Elmano de Freitas (PT) e a especulação no litoral do Ceará

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