❯❯ Acessar versão original

O arrasto de fundo e o custo do carbono

O arrasto de fundo e o custo do carbono

Há muito que este site procura alertar sobre o malefícios da pesca de arrasto, uma das modalidades mais prejudiciais entre todos os tipos de pesca. Mas um novo relatório preocupante aponta para outro problema anteriormente esquecido: as emissões de gases de efeito estufa desta modalidade praticada por dezenas de países ao redor do mundo, incluindo Estados Unidos, China, União Europeia, e outros. Hoje vamos comentar o arrasto de fundo e o custo do carbono.

Ilustração mostra pesca de arrasto de fundo
Novo estudo descobre que o arrasto contribui com mais carbono nos oceanos, e mais acidificação. Ilustração, www.earthforcefightsquad.org.

A pesca de arrasto e a fauna acompanhante

O principal problema do arrasto é que se trata de uma modalidade não seletiva. As redes de fundo ‘arrastam’ o que estiver em sua frente, seja a espécie visada, sejam outras. Estas ‘outras espécies’, conhecidas como ‘espécies acompanhantes’, ou ‘bycatch’, em inglês, em alguns casos podem chegar a até 80% da espécie visada.

Por exemplo, para cada quilo de camarão podem vir até 80% de outras espécies depois devolvidas ao mar, mortas. Se considerarmos que a maioria dos países pesqueiros ainda se utilizam do arrasto, a proporção da fauna acompanhante morta inutilmente todo ano  pode atingir números impressionantes.

Para a ONG Oceana que estuda a questão, a morte da vida marinha não intencional chega até 40% da captura global estimada em 90 milhões de toneladas.

Portanto, por ano, algo em torno de 36 milhões de toneladas são mortas no processo. No convés, os pescadores separam o que interessa. E jogam fora as espécies não visadas. É o que se chama de pesca incidental.

Não são apenas espécies de peixes. Mas de mamíferos marinhos, como as toninhas no Brasil, aves marinhas como os albatrozes, crustáceos e tartarugas. Todos jogados de volta ao mar.

PUBLICIDADE

O arrasto pode levar à desertificação do fundo do mar

A fauna acompanhante é um dos grandes problemas do arrasto, mas não o único. A destruição de habitats é outro dos malefícios. Um estudo recente mostra que o arrasto está alterando dramaticamente o solo oceânico levando à desertificação do fundo do mar.

O tripulante de traineira de fundo da Nova Zelândia despeja um grande pedaço de coral  dragado do fundo do mar. Imagem Greenpeace.

As redes, atadas a pesos para que cheguem ao assoalho marinho, agem como um arado. Elas passam por cima de corais, gramas marinhas, e deslocam sedimentos. Imagens de satélite mostram que nuvens de lama se espalham e permanecem suspensas no mar muito depois que a traineira passou.

Mas agora veio a novidade até então esquecida…

O arrasto de fundo e o custo do carbono

Em março de 2021, a Nature publicou o primeiro estudo a calcular o custo do carbono da pesca de arrasto de fundo. A revista Time analisou o trabalho e diz que ‘cálculos realizados pelos 26 autores do relatório, mostram que o arrasto de fundo é responsável por um gigaton de emissões de carbono por ano (ou um bilhão de toneladas métricas). Este total anual é superior às emissões da aviação (pré-pandemia)’.

Para Enric Sala, biólogo marinho e também Explorer in Residence da National Geographic, ‘a prática não apenas contribui para a mudança climática, mas é extremamente prejudicial para a biodiversidade do oceano. “O equivalente a arar uma floresta antiga, repetidamente até que não haja mais nada.”

E, quanto as emissões de carbono, diz o pesquisador: “Um gigaton representa cerca de 2% das emissões globais de CO2”, diz ele. Em comparação, estima-se que a aviação emita cerca de 1,04 Gt ou 2,5% das emissões globais a cada ano.

Anualmente, mostrou o estudo, as traineiras para a pesca no fundo do mar varrem, ao que se calcula, perto de 5 milhões de quilômetros quadrados.

China, Rússia, Itália, Grã-Bretanha e Dinamarca lideram emissões pelo arrasto

PUBLICIDADE

Segundo O Estado de S. Paulo que também comentou o estudo, ‘China, Rússia, Itália, Grã-Bretanha e Dinamarca lideram mundialmente no que se refere à quantidade de emissões pela pesca de arrasto’.

O arrasto e os subsídios à pesca

Para Enric Sala, encarregado do estudo, “sem subsídios dos governos, ninguém estaria ganhando um centavo com a pesca do arrasto.”

Os subsídios mundiais à pesca atingem cifras tão inacreditáveis como US$ 35 bilhões de dólares por ano.

Como foi feito o estudo

O estudo, que divide todo o oceano em unidades de 50 km quadrados, mede o quanto cada um dos chamados “pixels” contribui para a biodiversidade marinha global, os estoques de peixes e a proteção do clima.

Ele também rastreia quanto CO2 cada pixel é capaz de absorver como sumidouro de carbono. (No geral, o oceano absorve cerca de um quarto das emissões globais de CO2 por ano, embora a quantidade flutue entre as regiões).

O objetivo geral era desenvolver um mapa de localizações oceânicas que, se protegidas, produziriam o máximo de benefícios em termos de aumento dos estoques de peixes, biodiversidade e absorção de carbono, minimizando a perda de renda para a indústria pesqueira.

A proteção aos oceanos e a indústria mundial da pesca

Para Enric Sala “a razão pela qual temos apenas 7% do oceano sob proteção é o permanente conflito com a indústria da pesca.”

PUBLICIDADE

Refutando uma visão antiga de que a proteção do oceano prejudica a pesca, o estudo descobriu que áreas marinhas protegidas bem localizadas que proíbem a pesca na verdade aumentariam a produção de vida marinha. Elas funcionam como viveiros de peixes e geradores de biodiversidade capazes de semear estoques em outros lugares.

De acordo com os resultados do estudo, proteger os locais certos pode aumentar a captura global de frutos do mar em mais de 8 milhões de toneladas métricas por ano. Isso apesar dos desafios da pesca predatória e das mudanças climáticas.

Porque os fundos marinhos são reservatórios de carbono

Para Enric Sala a pesca de arrasto deve ser proibida. O pesquisador diz que embora manguezais, florestas de algas e prados de gramas marinhas sejam bons em capturar carbono, o fundo do oceano, repleto de detritos de animais marinhos, é um reservatório de carbono maior e melhor.

Mas quando as redes pesadas dos arrastões raspam o fundo do mar, o carbono é liberado de volta para a água. O excesso de carbono torna os oceanos mais ácidos, o que é prejudicial à vida marinha.

Pior ainda, a prática também afeta a capacidade do oceano de absorver carbono atmosférico. Se a água já estiver saturada de fontes de carbono, não será capaz de absorver as emissões causadas pelo homem acima da superfície, prejudicando um de nossos melhores ativos na luta contra a mudança de clima.

As emissões provocadas pela pesca de arrasto

Sala e sua equipe foram capazes de calcular a quantidade de emissões produzidas pela técnica.

A União Europeia, por exemplo, libera 274.718.086 toneladas métricas de carbono de sedimentos marinhos no oceano por ano. As frotas chinesas liberam 769.294.185 toneladas métricas, enquanto os Estados Unidos liberam 19.373.438.

PUBLICIDADE

A ideia do estudo de Sala é mostrar que o arrasto de fundo é o método menos lucrativo de colher a fartura do oceano. E, ao mesmo tempo, produzir ainda mais dióxido de carbono.

Aquecimento global

O lado positivo desta descoberta é que tão logo a pandemia de covid-19 seja controlada o mundo voltará a discutir ações para mitigar o aquecimento global. A própria pandemia mostrou como somos reféns  de um meio ambiente saudável.

É pela percepção desta evidência que a Agenda Verde avança mundo afora. Inúmeros países prometeram para breve a descarbonização. O primeiro passo já foi dado. A proteção de 30% dos oceanos conta com 52 países adeptos. Mas proteger apenas não basta. Algumas práticas têm que parar.

Oxalá nestas reuniões a pesca de arrasto seja discutida. Do jeito que vai ela promove as duas maiores catástrofes atuais: perda acelerada de biodiversidade, e o excesso de gases de efeito estufa na atmosfera.

Como assegura Enric Sala, os oceanos absorvem carbono há milênios. A melhor maneira de reduzir as emissões globais é permitir que eles continuem fazendo seu trabalho.

“A maioria das pessoas ainda vê o oceano como uma vítima das mudanças climáticas. O que as pessoas não percebem é que a natureza é metade da solução para a crise climática.”

Assista ao vídeo do arrasto de fundo na Nova Zelândia e perceba o quão danoso pode ser

Imagem de abertura: www.earthforcefightsquad.org.

Fonte: https://time.com/5947430/bottom-trawling-carbon-emissions-study/?fbclid=IwAR0H_4Ekt-sUX0X0FcESqfHDWGJnP2zFe7M8cPYMm1AUuhP3CHOqUWxoAOY; https://internacional.estadao.com.br/noticias/nytiw,meio-ambiente-pesca-de-arrasto-aquecimento-global-carbono,70003677207?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link&fbclid=IwAR3SBwXn9UesA27p9r9ZNn_F3ukw-oT0EzTwksyTBdKwgxFOSbxrPtOxnRk ; https://www.bbc.com/news/science-environment-57202758?fbclid=IwAR0anqK5PaCnVcPIWHkPQpzfMHcBldPlvx9sZXKxc4E5LfMzfsa5FAMxXS4.

Tubarões que brilham, três espécies descobertas

Sair da versão mobile