Mergulho de contemplação cresce no litoral do Brasil com dois novos pontos
Já comentamos que o turismo é uma das vocações naturais do litoral, especialmente quando a pesca vai perdendo o seu poder até pela escassez de peixes. Na última série que fiz para a TV Cultura quando visitei as unidades de conservação federais do bioma marinho entre 2014 e 2016, o que mais ouvi foi “acabou o peixe”. Pudera. Desde sempre a humanidade não faz se não aumentar o poder da pesca sem respeitar o ciclo natural da vida marinha. Aliado ao poder mortal da atividade, a superpopulação contribui com o aumento da poluição, perda de habitats, introdução de espécies invasivas, etc. Enquanto isso, floresce no mundo o mergulho de observação. Mergulho de contemplação cresce no litoral do Brasil.
Mergulho de contemplação cresce no litoral do Brasil
Muitos nativos da costa brasileira hoje não têm quase o que pescar. Em compensação, ex-pescadores passaram a ver no turismo um meio de subsistência. No mundo o ecoturismo marinho é praticado por milhões de pessoas. Ele gera riqueza e empregos; protege o meio ambiente marinho, educa, e ajuda a conscientizar as pessoas.
Mas, no Brasil, a administração pública não admitia qualquer debate sobre a única forma de mudar a situação: Parcerias Público Privadas, concessões, e ou privatização das UCs com potencial turístico.
Foram anos de debates entre ambientalistas e poder público. Até que tivemos um presidente que se dignou a olhar para o mar: Michel Temer começou seu governo transformando o arquipélago de Alcatrazes no litoral norte de São Paulo em unidade de conservação. Hoje ele é visitado todos os fins de semana por mergulhadores.
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Ao tempo de Temer tivemos um presidente do ICMBio de mente aberta, Ricardo Soavinski, que estimulou as parcerias. Na mesma época o Governo de São Paulo autorizou a concessão de 25 Unidades de Conservação à iniciativa privada. Entre elas Ilhabela, Intervales, Serra do Mar, Morro do Diabo, e Ilha do Cardoso.
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Este é o único ponto positivo do atual governo e seu desastrado ‘ministro’ do Meio Ambiente. Pelo menos neste caso houve o reconhecimento de que o caminho aberto não deveria ser fechado. Esperamos para 2021 novas concessões de unidades de conservação marinhas com potencial turístico.
Austrália fatura com a Grande Barreira de Corais
Apenas um exemplo mostra quanto o Brasil perde ao não estimular o turismo de observação. O estado de Queensland, onde fica a Grande Barreira de Corais, fatura seis bilhões de dólares australianos por ano com o turismo de observação (mesmo com o branqueamento)!
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Projeto Ocean of Things, o futuro da exploração marinhaLaboratório subaquático em 3D para estudar os oceanosData Centers Submersos: A Revolução Tecnológica que Abraça os OceanosE há diversos outros exemplos mundo afora, como nas Filipinas e Indonésia. Poucos anos atrás a revista Science publicou um artigo sobre o potencial do turismo de mergulho muck. O “Muck diving, concentra-se em encontrar espécies raras e enigmáticas que habitam os recifes de corais“.
Segundo a Science “ os resultados indicam que o turismo de mergulho muck vale mais de US$ 150 milhões por ano na Indonésia e Filipinas combinados. Emprega mais de 2.200 pessoas, e atrai mais de 100 mil mergulhadores por ano.
O mesmo acontece em locais com grande concentração de tubarões. Já mostramos por aqui que Tubarões valem mais vivos que mortos. Neste post comentávamos que um estudo da ONG Oceana mostra que “o mergulho com tubarões gerou na Flórida, aproximadamente, US$ 221 milhões em 2016 (mais de US$ 300 milhões em 2018).
Este valor é mais de 200 vezes superior ao que a venda de barbatanas desse peixe rendeu aos Estados Unidos em 2015 (US$ 1,03 milhão em 2015).
Baía de Todos os Santos
Neste final de 2020 as redes sociais repercutiram o afundamento controlado do ferry-boat Agenor Gordilho e o rebocador Vega na linda BTS, como a chamam os baianos.
Segundo o site www.panrotas.com.br, “o processo de naufrágio foi capitaneado pela Secretaria de Turismo do Estado da Bahia com o objetivo de fomentar o turismo de mergulho”.
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“De acordo com Igor Carneiro, presidente da Associação dos Mergulhadores da Bahia, durante o final de semana foram feitas inspeções em parceria com o Corpo de Bombeiros Militar da Bahia, quando foi verificado que as estruturas das duas embarcações estão íntegras e seguras para o mergulho e sem nenhum vestígio de contaminantes.”
A ideia destes naufrágios é criar recifes artificiais. Em pouco tempo as algas começam a colonizar as estruturas naufragadas. Com o tempo elas atraem outras criaturas marinhas, como peixes que dela se alimentam. E se tornam a festa de mergulhadores.
A expectativa dos baianos é transformar Salvador ‘em um dos quatro melhores destinos de mergulho na América Latina’.
Bombinhas, Santa Catarina, impulsiona o mergulho recreativo
Na mesma semana em que os baianos comemoravam os dois naufrágios controlados, recebemos do oceanógrafo Ewerton Wegner, Mestre em Turismo e Professor da Escola do Mar Ciência e Tecnologia da Univali, um estudo para incrementar o mergulho na região que abrange a praia da Sepultura e seu entorno.
O trabalho foi um amplo estudo sobre o histórico de mergulhos na região que fica a 70 Km de Florianópolis, e também sobre a vida marinha no local.
Ewerton mostra que o mergulho submarino teve início na região de Bombinhas no final dos anos 1950, com a visitação de alguns pioneiros praticantes da caça submarina vindos de Florianópolis e de outros estados. Nessa época, o mar da região ainda era uma incógnita, pouco se conhecia sobre o que se “escondia” no fundo marinho.
A região que abrange Porto Belo, Bombas e Bombinhas, Canto Grande e as Ilhas do Macuco, Calhau, Galé, Deserta e do Arvoredo foi considerada, a partir de então, como um dos melhores locais para a prática do mergulho no sul do Brasil.
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Mas a caça submarina não foi muito longe. Segundo Ewerton, os anos 1970 podem ser considerados como o período final das “grandes caçadas” de mergulho. Motivo? Falta de peixes…ao menos dos grandes peixes então visados, meros, hoje ameaçados de extinção, garoupas e lagostas eram comuns por ali.
Mergulho de contemplação em Santa Catarina
Até que nos anos 80 começou a atividade do mergulho de contemplação. Ewerton diz que no começo dos anos 1990 tem início a popularização de cursos de mergulho SCUBA, com o surgimento de várias escolas de mergulho localizadas em Bombinhas, Florianópolis e Itajaí em Santa Catarina e em Porto Alegre e São Paulo.
O scuba diving confirmou a vocação de Bombinhas como um local propício para o desenvolvimento do turismo marinho de mergulho. A cidade se apresenta hoje com uma boa infraestrutura para a finalidade. Escolas e operadoras de mergulho, lojas de equipamentos de mergulho, trapiches e embarcações apropriadas, etc.
Mergulho de contemplação na Praia da Sepultura
O estudo do oceanógrafo mostra que a praia da Sepultura (ou Sepu) e costão adjacente é sem dúvida o melhor deles, tendo como principais características ser um local de fácil acesso, por terra ou por mar, águas calmas e transparentes na maior parte do ano e uma rica biodiversidade.
Algumas empresas oferecem pacotes de mergulho livre e SCUBA, ou alugando equipamentos para os turistas na época de verão. Essas atividades acontecem desde os anos 2010 e representam uma receita significativa durante o verão.
Um estudo recente, realizado pelo Projeto MAArE3 , identificou a ressurgência da Água Central do Atlântico Sul (ACAS) na região do litoral catarinense, próxima a Bombinhas. Isso explica em parte a riqueza e abundância da vida marinha, sendo provavelmente a principal responsável pela grande diversidade e alta produção pesqueira característica do litoral de Santa Catarina.
Entre as espécies mais frequentes estão lulas, peixes e as tartarugas marinhas. Mamíferos marinhos como o boto nariz-de-garrafa, leões marinhos e lobos marinhos são avistados no período de inverno. Registros também mostram a presença de um tubarão baleia visitando a região no verão de 2014, e grupos de orcas avistados no verão de 2012.
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O trabalho de Ewerton foi feito com o propósito de conhecer as melhores áreas para uso da atividade de mergulho recreativo e fornecer subsídios para um uso ambientalmente sustentável.
Estamos avançando. Mas, na opinião deste site, para que Santa Catarina se firme de vez com o turismo de observação é urgente reclassificar um dos tesouros desta parte do litoral brasileiro, o arquipélago do Arvoredo transformado em Rebio em 1990, um dos mais restritos tipos de unidade de conservação, e um erro histórico do ICMBio.
Reserva Biológica Marinha
Reserva Biológica Marinha, ou ‘Rebio’, é uma das 12 categorias de unidades de conservação brasileiras. As Rebio fazem parte do grupo de proteção integral, as mais restritivas.
Simplesmente a visitação, pesca, ou o mergulho são proibidos. Como já dissemos ao comentar sobre o arquipélago do Arvoredo, a criação desta Rebio demonstra total descaso pela sociedade que é quem paga a conta. Urge mudá-la para parque nacional marinho.
Imagem de abertura: Arquivo pessoal/Daniela Carasco
Fontes virtuais: https://www.panrotas.com.br/mercado/destinos/2020/11/baia-de-todos-os-santos-ganha-novos-pontos-de-naufragio_178160.html; http://www.infraestrutura.ba.gov.br/2020/11/11396/Mergulhadores-ja-podem-ver-ferry-e-rebocador-afundados-na-Baia-de-Todos-os-Santos.html. E Projeto Aquaventura, Análise Ambiental Para Implantação de Caminhos Subaquáticos na Praça da Sepultura, Bombinhas, SC.