Mais um insulto à natureza na Praia Central, Balneário Camboriú
A Praia Central de Balneário Camboriú não teve a mesma sorte da Barra da Tijuca, que escapou por um triz da mesma violência. Em 2023 o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), em surto, decidiu que a praia deveria ‘ter faixas de concreto armado sob a areia’ para, segundo ele, ‘reduzir danos das ressacas’. Tudo por módicos R$ 10,6 milhões de reais. Contudo, 26 especialistas da UFRJ, UERJ, UFF e PUC-Rio reagiram e repudiaram o insulto à natureza. Eles publicaram uma carta alertando que instalar faixas de concreto armado sob a areia para “reduzir danos das ressacas”, como defendia o poder municipal, traria consequências erosivas dramáticas — exatamente o oposto do discurso oficial. Em seguida, o MP Federal mandou parar o desatino.

Agora a Praia Central ganha uma obra semelhante ao custo de R$ 31 milhões de reais. Enquanto isso, a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano de Balneário Camboriú declara ‘o muro, com mais de dois metros de profundidade, vai funcionar como contenção e barreira contra a erosão’.
Balneário Camboriú é um assombro
Balneário Camboriú é um assombro. A especulação imobiliária tornou-se epidêmica, e a cidade não sai da mídia — quase sempre à força. Os gestores políticos e seus asseclas da construção civil mantêm essa presença induzida, fascinados pelo metro quadrado mais caro do País. Em BC todos parecem ganhar muito dinheiro, apesar de parte dele ser oriundo da lavagem de capitais. E convenhamos, às vezes, alguns que exageram acabam no xadrez como aconteceu com Nivaldo Pinheiro, da construtora Procave e um dos empresários mais conhecidos de BC, condenado por lavagem de dinheiro ligado a operações financeiras ilegais.
O poder público se apaixonou pela imagem que criou tal qual Narciso
O poder público forçou a barra. Apaixonou-se pela imagem que criou e passou a vender BC como a “Dubai brasileira”, a cidade superlativa onde tudo é posssível. Se fosse uma pessoa, BC receberia diagnóstico de psicopatia associada ao transtorno de personalidade narcisista – TPN.
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Praia Central, mais uma vítima da ignorância e da arrogância
A síndrome toda não faz sentido. Primeiro, levantaram espigões tão altos que encobrem a praia como se ela não existisse. Assim, praia Central deixou de receber sol. Mas, afinal, estes totens de concreto foram parar onde estão por quê, se não pela presença da praia?
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Além da sombra prejudicar quem a frequentava, a falta de insolação provocou o surgimento de briozoários na praia. São pequenos organismos marinhos que aparecem principalmente no verão e causam mau cheiro quando expostos ao sol.
Sem sol e fedida seria demais: 1º engordamento em 2002
Praia sem sol, e fedida, também não. Assim, em 2002 partiram para o primeiro aterramento. O processo mereceu o artigo Environmental Impacts of the Nourishment of Balneário Camboriú Beach, SC, Brazil (Impactos Ambientais da Nutrição da Praia de Balneário Camboriú, SC, Brasil) assinado por quatro especialistas, Paulo Ricardo Pezzulo, Charrida Resgalla, José G. N. Abreu, e João Thadeu Menezes, todos da Universidade do Vale do Itajaí.
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2021, Praia Central sofre indigestão de areia
Quase 20 anos depois da primeira engorda, em 2021 a praia Central foi novamente violentada tal a brutalidade da operação realizada pela Alleanza Projetos e Consultoria em parceria com a DHI The expert in Water Environmentes, Vector Geo 4D e Inova Laboratórios de Engenharia. De 25, passou para 70 metros de largura. Hoje a praia sofre de obesidade mórbida, deformada à base da força. E toda forma de vida que existia ali, desapareceu sufocada.
O Mar Sem Fim conversou com o professor Paulo Horta, coordenador do Laboratório de Ficologia, ciência que estuda algas, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Depois de explicar a mortandade da fauna e flora, e mencionar a possibilidade de contaminação da teia trófica por substâncias químicas, Paulo Horta foi curto e grosso: ‘Não encontro razão alguma para comemorar esse empreendimento’.
Dois anos depois, em 2023, o mar já havia engolido parte da faixa de areia exigindo mais um processo de aterramento.
Hoje, cada nova ressaca forma crateras na Praia Central que precisam ser preenchidas. Enquanto isso, a Universidade Federal de Santa Catarina publicou a Nota Técnica PES n°05/2025, ‘Os Aterros de Praia e a Saúde da População e do Ambiente’.
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O primeiro parágrafo é categórico: ‘A presente nota técnica trata de novas evidências indicando que os empreendimentos de aterro de praia realizados em Santa Catarina não cumprem com os seus objetivos e não cumprem os próprios projetos licenciados. Trazemos evidências inéditas de que após o aterro as praias apresentam piora na balneabilidade e aumento do risco de afogamentos’.
Aquecimento global e o aumento do nível do mar
Antes de prosseguir, é oportuno lembrar ao leitor que entre os principais debates que dominam o dia a dia das pessoas que ainda têm a capacidade de pensar destaca-se o cenário das mudanças climáticas globais fora de controle, e as consequências relacionadas às projeções de aumento do nível do mar para este século. A erosão ameaça litorais no mundo inteiro, destrói a infraestrutura, provoca prejuízos bilionários e expulsa moradores de suas casas gerando crises sociais.
Para além disso, segundo o MapBiomas o Brasil já perdeu cerca de 15% de suas praias entre 1985 e 2020. O mesmo estudo alerta que preservar praias, dunas e restingas, é fundamental para controlar a erosão que já atinge perigosos 60% de nosso litoral.
Poder público de Santa Catarina habita outro planeta
Entretanto, os problemas causados pelo aquecimento não fazem parte das angústias do poder público de Santa Catarina. Talvez seus gestores sejam alinhados à Donald Trump para quem o aquecimento é ‘um golpe’, ‘a maior mentira’, preocupações “estúpidas”. Só isso justificaria os maus tratos das prefeituras de municípios como Floripa, Itajaí, Balneário Camboriú, Piçarras, Itapema, Governador Celso Ramos, pelo menos.
Em todos eles, a especulação imobiliária — induzida e estimulada pelo Executivo local — extirpa restingas, dunas e manguezais, ecossistemas considerados APPs – Áreas de Proteção Permanente que protegem as praias da erosão.
Vamos recordar que a praia dos Ingleses foi mais uma vez arruinada por uma ressaca especialmente pela falta das dunas e restingas conforme atestam os especialistas.
A especulação deforma, apequena, e banaliza a paisagem
Para coroar, a especulação deforma, apequena, e banaliza a paisagem que levou eras para se formar e que, por sua formosura, atraiu os veranistas que a destruíram. Não faz sentido.
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Este ciclo, que consiste em escolher um local especial por sua beleza, a proximidade com o mar e a mata atlântica ao redor, portanto a natureza, um local que pela Constituição pertence a todos os brasileiros porque assim são considerados os Terrenos de Marinha, e destruí-lo no processo de ocupação é mais que insustentável, é estúpido.
Ou pode ser que o pessoal tenha esquecido o significado do Santo Gral do século 21. Por isso, vale copiar e colar o que diz o dicionário sobre o que seria a sonhada ‘sustentabilidade’:
Feito de modo consciente em relação ao meio ambiente, de modo a evitar que os resultados das ações humanas o prejudiquem
Mais obras, mais chances de maracutaia
Contudo, há uma forma de explicar tudo isso, qual seja, quanto mais obras mais chances de maracutaia. Quase sempre é assim. Um dos exemplos aconteceu em 2024. Segundo o NDMais, o Tribunal de Contas de Santa Catarina mandou interromper as tramitações do Edital 013/2024, que visa a contratação de empresa especializada para alargamento e ampliação do molhe da Praia do Gravatá, em Navegantes. O relator apontou indícios de sobrepreço superior aos R$ 6 milhões na obra, que tem um orçamento estimado de R$ 37.891.114,44.
A praia do Gravatá foi condenada à mesma pena de outras da região, aumento do molhe e banquete de areia. O orçamento do alargamento, segundo o NDMais, também teve sobrepreço milionário.
Balneário Piçarras a caminho de sua quarta engorda em 27 anos
A campeã é Piçarras, a caminho da quarta engorda em 27 anos. Enquanto isso, a megalomania de BC migrou para Itapema cuja prefeitura prometeu erguer uma torre na praia que fará os prédios da Dubai tupiniquim parecerem anões. Itapema agride o bom senso ao ameaçar erguer a monstruosidade em plena faixa de areia como mostra a ilustração. Isso mostra que além da especulação há uma pandemia de insensatez no litoral de Santa Catarina.
Balneário Perequê ameaça BC
Dando tração ao festival, Balneário Perequê ameaça a liderança de BC erguendo prédios ainda mais altos, alterando a praia com molhes ao lado dos rios Perequê e Perequezinho e, claro, partindo para o banquete pantagruélico de areia em seguida. Os molhes são estruturas duras, se forem feitos ‘de orelhada’, sem estudos, terão o efeito de agravar a erosão.
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Os molhes têm a capacidade de alterar a deriva litorânea, também chamada de corrente marinha, e provocar um efeito dominó em praias próximas. Segundo o geólogo Rodrigo Sato, outras cidades do litoral catarinense também sofrem os efeitos da erosão causada pela construção de molhes. As praias de Balneário Camboriú, Barra Velha e Itajaí são alguns dos exemplos.
Revitalização da orla de Perequê ou crime ambiental?
A revitalização da orla de Perequê inclui obras gigantescas sobre a areia, mais uma vez ameaçando a integridade da praia e alterando a paisagem milenar sem pudor algum. É como se a praia fosse propriedade particular sujeita aos caprichos do entediado dono que cansou do brinquedo. É, de maneira idêntica, mais uma prova de arrogância do ‘calibre’ dos prédios das região.
Entre as obras está o Píer Oporto, fruto de uma parceria público-privada entre a Prefeitura de Itapema e várias empresas. Também planejam um ‘calçadão na orla de Perequê’, ou seja, mais concreto onde não deveria existir, sempre vendido como ‘um marco turístico para Porto Belo’.
Na prática, a praia sofre essa violenta transformação apenas para inflar o valor dos imóveis de Itapema e Porto Belo e atrair mais investidores, como admitem sem constrangimento os defensores do projeto.
O vídeo abaixo mostra bem a violência contra a praia
Praia Brava, Itajaí, já tem uma sombra pra chamar de sua
Praia Brava, em Itajaí, padeceu do mesmo sombreamento de BC provocado pela altura insana dos espigões.
O prefeito de Itajaí, Volnei Morastoni (MDB), foi eleito com dinheiro do setor da construção civil, segundo fontes de Itajaí. Seu maior objetivo seria a Praia Brava. Segundo nossa fonte, ‘muitos dos secretários da sua gestão foram indicados pelo Sinduscon/Itajaí’.
Imprensa ignora problemas do muro da praia Central
A ‘doença’ de Balneário Camboriú se espalha vertiginosamente pela orla de Santa Catarina. A especulação avança com aval do Estado — enquanto a imprensa reforça o problema e também demonstra ignorância: ao pesquisar sobre o muro da praia Central, encontrei quase dez páginas seguidas no Google com matérias que repetem as mesmas bobagens do discurso oficial, um retrato da decadência da mídia
As praias e o equilíbrio dinâmico
O muro sob as areias, imposto à Praia Central, é duro de aceitar. Qualquer pessoa informada sabe que não se deve mexer em praias. Ali vigora o chamado equilíbrio dinâmico — um sistema natural regulado por forças como o vento, as correntes, as ondas e as marés. Enquanto essas forças atuam livremente, as praias se mexem, recuam, avançam, se reacomodam. E, com o tempo, voltam ao seu estado natural.
Quando a mão humana intervém, ocupando a faixa imediatamente após a praia, ela rompe esse equilíbrio sempre com o mesmo resultado: aumento da erosão.
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O muro subterrâneo na Praia Central
Apesar da importância de manter as praias livres da intervenção humana, na segunda semana de agosto abriram a temporada de violência contra a Praia Central para enterrar o muro de concreto em suas areias.
O Página 3 revelou que ‘segundo o secretário de Planejamento Urbano de Balneário Camboriú, Carlos Humberto Silva, o trabalho segue um processo semelhante ao utilizado na macrodrenagem, envolvendo escavação, rebaixamento do lençol freático, aplicação da pedra rachão – que servirá como base para o muro de proteção -, e outras etapas técnicas. No total ele terá cerca de 1,5 km de extensão e 2 metros de profundidade.
Enquanto isso, o g1 informou que ‘com mais de dois metros de profundidade, o muro de proteção costeira vai funcionar como contenção e barreira contra a erosão. No total, a prefeitura quer reurbanizar 6 quilômetros de extensão da orla. As intervenções serão feitas de maneira gradual nos trechos propostos.
Além da Nota Técnica dos professores da UFSC já mencionada, um estudo do Programa Ecoando Sustentabilidade da UFSC analisou o cenário catarinense e fez diversos questionamentos. “Como as praias de interesse para alargamento são todas ocupadas, a ação humana afeta sobremaneira a largura da praia. Assim, o foco no alargamento da praia é uma medida simplista que tenta resolver um problema socioambiental complexo com uma única ação, ou seja, a adição de sedimentos”, escreveram os pesquisadores.
Moradores e frequentadores de BC reagem
Alguns moradores ou donos de imóveis em BC não entendem que nossa crítica não é dirigida a eles, mas aos gestores políticos que tratam o que a natureza levou eras para formar como se fosse o quintal de sua própria casa, além de jogar no lixo dinheiros públicos.
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Então, reagem, e nos acusam de ter feito o mesmo em nossas praias. Sim, destruímos o Guarujá, por exemplo. Mas isso não nos faz defender esse modelo predatório de ocupação, muito menos promovê-lo como fazem as autoridade catarinas. Antes de mais nada, as praias são ecossistemas e já estavam por aqui há pelo menos cerca de 10.000 anos antes de nossa chegada. Há que se ter um pouco mais de respeito com elas.
Em Santa Catarina, a lógica é outra: os gestores não param de se gabar da altura dos prédios, do preço estratosférico dos apartamentos e do metro quadrado mais caro disputado a tapa pelos municípios costeiros, assim, promovem este disparate que se espalha como praga. Como disse @enriquesaidel no Instagram, o litoral de Santa Catarina está passando por um processo de balneáriocomboriuzisação.
O maior problema do litoral brasileiro é justamente este — acostumar-se com a barbárie da especulação. E achar que fisionomias, como a da deformada praia Central, é algo normal. Não é. Aquilo é uma aberração.
Ouça a opinião do professor Elson Pereira da UFSC