Humboldt fez viagens incríveis, espantou-se com o desmatamento alertando para os efeitos no clima ainda no séc. XIX
O início do que viria a ser o movimento ambientalista no despertar do séc. 19. É disso que trata o belíssimo livro ‘A invenção da Natureza‘, contando a vida de Alexander von Humboldt. Escrito por Andrea Wulf, em 2015, foi considerado o melhor livro de não ficção pelo New York Times, The Guardian, e Time. Agora no Brasil, em ótima tradução de Renato Marques, editora Crítica.
Humboldt alertou que ‘humanos estavam interferindo no clima’, isso ‘teria impacto imprevisível sobre futuras gerações’
“Ele foi o primeiro a explicar a capacidade da floresta de enriquecer a atmosfera com umidade, seu efeito resfriador, a importância da retenção da água e a proteção contra a erosão do solo. Ele alertou que os humanos estavam interferindo no clima e que isso poderia ter um impacto imprevisível sobre ‘as futuras gerações”.
Amigo de Goethe, colega de Símon Bolivar, guru de Darwin, admirado por Thomas Jefferson; Humboldt influenciou até John Muir, o ‘pai dos parques nacionais’ norte-americanos
Ele foi o maior cientista de seu tempo. Uma ‘celebridade’ internacional. Nascido em 1769, ao longo da vida teve grande intimidade com os maiores protagonistas do momento, e foi testemunha de alguns dos capítulos mais importantes da história moderna. Ascensão e queda de Napoleão Bonaparte, a revolução francesa e a norte-americana; e a ‘libertação’ da América do Sul, por Símon Bolívar, foram apenas alguns. Sua maior realização foi tornar a ciência acessível e popular através de seus livros, quase todos best sellers à época; além de palestras, encontros sociais. Influenciou toda uma geração.
Desafiando crenças milenares
Humboldt desafiou os maiores filósofos que “fizeram a cabeça” da sua, e das gerações anteriores, pelo modo de ver a natureza. Aristóteles, talvez o primeiro, disse que ‘a natureza fez todas as coisas especificamente para os homens’; o botânico Carl Lineu, mais de 2 mil anos depois ainda evocava o mesmo sentimento. Em 1749, insistiu que ‘todas as coisas são feitas para o homem’. Descartes e Francis Bacon também foram desmistificados. O primeiro disse que ‘os humanos eram os senhores possuidores da natureza’; o segundo, que ‘o mundo é feito para os homens’. Estas eram as verdades que dominavam o sentimento mundial à época de Humboldt. Até que ele conheceu a América do Sul, e a floresta tropical…
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No final do verão de 1867, oito anos depois da morte de Humboldt, John Muir, então com 29 anos, fez as malas e partiu de Indianápolis para a América do Sul. Então, teria dito…
Com que intensidade desejo ser um Humboldt para ver os Andes de cumes nevados e as flores do Equador
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Muir cruzou a pé os estados de Indiana, Kentucky, Tennessee, Geórgia e depois Flórida. Um périplo de 45 dias, quando seu pensamento começou a mudar. Influenciado pelos livros de Humboldt, coletava plantas, observava insetos, dormia no meio do mato, ao relento. Chegou até Cuba, mas, doente, teve que voltar. Escolheu a Califórnia.
De São Francisco, partiu a pé para Sierra Nevada, cordilheira que se estende por 643 Km de norte a sul do estado. Seu pico mais alto, 4.570 metros, fica na área central do vale de Yosemite, famoso por suas quedas-d’água circundado por gigantescos blocos de granito e despenhadeiros. Ao lado desse cenário, as ancestrais sequoias, com 90 metros de altura e cerca de 2 mil anos. Muir começou a fazer campanha a favor da criação de um parque nacional. E foi uma questão de tempo.
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Matança de peixes-boi prossegue na AmazôniaAcidificação do oceano está à beira da transgressãoConheça o novo navio de carga híbridoO Parque Nacional de Yellowstone, em Wyoming, foi o primeiro e até então único do país, inaugurado em 1872. Obra de Muir, influenciado por Humboldt. Todos os outros que vieram a seguir, e copiaram o modelo, foram extremamente bem sucedidos (Saiba mais sobre os parques nacionais norte-americanos).
Na Amazônia, o primeiro ambientalista, Humboldt, percebeu as consequências do desmatamento e sua influência no clima
O cientista, a quem Goethe disse que ‘em oito dias lendo livros uma pessoa não aprende tanto quanto em uma hora de conversa com Humboldt’, era genial. Em pouco tempo percebeu as consequências da ação humana sobre as florestas.
Em 7 de fevereiro de 1800, Humboldt e seu criado saíram de Caracas para chegar ao Orinoco. Ao atravessarem um vale cercado por montanhas encontraram o lago de Valência. O cientista ficou fascinado. Milhares de garças, flamingos, e patos selvagens enchiam o céu de vida. Parecia idílico, mas os moradores disseram a Humboldt que os níveis de água do lago estavam baixando rapidamente.
Humboldt mediu, examinou, questionou. À medida que investigava, concluiu que o desmatamento das florestas adjacentes, e a transposição de cursos d’água para irrigação, haviam sido as causas.
Nasce a ideia da mudança do clima
Segundo Andrea Wulf,
foi lá, no lago de Valência, que Humboldt desenvolveu sua ideia de mudança do clima induzida pela ação humana.
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Quando publicou suas observações, prossegue, não deixou dúvidas:
Quando as florestas são destruídas, como o são em toda parte na América por obra dos plantadores europeus, com uma precipitação imprudente, as fontes de água secam por completo.
E mais:
Desaparecendo a vegetação das encostas das montanhas, as águas das chuvas não sofrem obstrução em seu curso; durante as chuvaradas as águas sulcam os declives das colinas, empurram para baixo o solo solto, formam inundações que devastam o país.
‘Efeitos incalculáveis no clima’
Já, naquela época, Humboldt afirmava que,
os efeitos da intervenção da espécie humana eram incalculáveis e poderiam tornar-se catastróficos se o homem continuar a perturbar brutalmente o mundo
Afetando as futuras gerações
E alertou:
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a ação da humanidade pode afetar as gerações futuras
‘O homem não pode agir sobre a natureza’
Mais tarde ele escreveu, desafiando tudo que se sabia até então,
O homem não pode agir sobre a natureza e não pode apropriar-se de nenhuma de suas forças para uso próprio se ele não conhecer as leis naturais.
Nascia o primeiro ambientalista.
Humboldt antecipou a teoria das placas tectônicas mais de um século antes
Ele observou a conexão entre a África e a América do Sul, para chegar à conclusão que espantou o mundo. Falou de ideias evolutivas, muito antes de Darwin publicar A Origem das Espécies.
Aliás, sua influência sobre os britânicos foi tão grande que inspirou Darwin a se engajar na viagem do Beagle… E os livros e ideias de Humboldt, criticando o colonialismo europeu, e a escravidão, fomentaram a libertação da América Latina…
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Segundo Humboldt,
o colonialismo era desastroso para as pessoas e o meio ambiente (em razão da destruição das florestas para a implantação da monocultura)
E…
o dominador colonial explorava as colônias para extrair matérias-primas e, no processo, destruía o meio ambiente. Foi a barbárie europeia que criou este mundo injusto
Humboldt e Thomas Jefferson
Humboldt sempre admirou Jefferson pelo país que ele ajudara a forjar, mas se desesperava com o fato de que os líderes estadunidenses
não fazem muita coisa em nome da abolição da escravidão
Quando listou as três maneiras pelas quais a espécie humana estava alterando o clima, Humboldt citou,
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desmatamento, irrigação inclemente e, talvez a forma mais profética, as grandes massas de vapor e gás produzidas nos centros industriais
Aventuras na América do Sul, Rússia, e Américas
Para chegar a estas conclusões Humboldt fez três grandes viagens, maravilhosamente descritas no livro. Entre 1799 e 1804, saiu da Europa, rumou para a Venezuela. Depois da exploração que incluiu escalar vulcões, atravessar rios, e conhecer a floresta tropical que o fascinou, navegou para Cuba, para mais explorações.
Retornou para Bogotá, de onde foi até Lima, no Peru, atravessando os Andes. De Lima para Guayaquil; em seguida, Cidade do México. De lá para Cuba, depois, Filadélfia, para bater um papo com Thomas Jefferson. Tentou convencer seus amigos norte-americanos, e sul-americanos, que um canal através do istmo do Panamá seria uma importante rota comercial…
E retornou para a Europa com sua bagagem lotada de anotações, medições, rochas, plantas. Escreveu dezenas de livros traduzidos para todas as línguas importantes da época.
A segunda viagem foi para a Venezuela, em 1800. Foi nela que ele desceu o Orinoco, e descobriu o Canal Cassiquiare, que liga as bacias do Orinoco à do Amazonas.
A terceira, e última, foi para a Rússia, em 1829, quando atravessou o imenso país de Leste para Oeste; e de volta ao Leste. Percorreu mais de 16 mil quilômetros nesse périplo, mais uma vez, fazendo incríveis descobertas.
Alguns amigos de Alexander von Humboldt
O capitão Willian Blight, do famoso motim do Bounty; Joseph Banks, botânico de James Cook; Louis Antoine de Bougainville, seu herói de infância, e primeiro explorador a pôr os pés no Taiti, em 1768; Símon Bolívar, a quem influenciou para que libertasse a América Latina, e que o desapontou ao se impor como ‘Imperador”.
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Celebrou seu aniversário de 60 anos na companhia do boticário local, um homem de quem a história se lembraria como avô de Vladimir Lenin; sem falar em dezenas de reis, poetas, escritores, artistas, e toda a aristocracia europeia que o admirava profundamente.
Foi etnógrafo, antropólogo, físico, geógrafo, geólogo, mineralogista, botânico, vulcanólogo e humanista.
Morreu aos 90 anos, em 1859, coberto de glória e reconhecimento.
Seus livros se tornaram best sellers
Escreveu dezenas de livros que venderam milhares de cópias em todo o mundo mas, segundo a autora,
uma de suas maiores realizações foi tornar a ciência acessível e popular.
E a autora conclui:
A sensação é que fechamos o ciclo. Talvez agora seja o momento em que nós e o movimento ambientalista devamos corrigir os desvios de rota, recolocando Alexander von Humboldt no papel de nosso herói.
Incrivelmente, ele é pouco reconhecido hoje
Este o grande valor de, ‘A invenção da Natureza – A vida e as descobertas de Alexander von Humboldt‘, recolocar o personagem em seu lugar de destaque.
Que este belo livro seja lido, e suas lições aprendidas, ainda que mais de 150 anos depois da morte de seu protagonista. Quem sabe deixemos de fazer as bobagens que hoje são feitas, que persistem destruindo nossa biodiversidade.