Especulação imobiliária no litoral e os ricos brasileiros
“Ricos brasileiros não têm vergonha de construírem em locais de preservação.” O título entre aspas é de matéria do site Bloomberg, publicada em 2012 mas que vale ser replicada. Continua atual. E quanto mais pessoas souberem, melhor. Os americanos não conseguem entender a cara-de-pau de muitos brasileiros ricos que, com o poder de suas contas bancárias, passam por cima de leis, pagam propina e constroem em áreas protegidas o que é um escândalo em qualquer lugar civilizado. Eles são a força por trás da especulação imobiliária e seu rastro destrutivo.
Áreas protegidas no Brasil
No Brasil ‘o vulgo’ não sabe quais são nossas áreas protegidas. Não há divulgação ou qualquer esforço dos órgãos responsáveis, Ministério do Meio Ambiente, ou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio. Na série de documentários que fiz pra TV Cultura, volta e meia eu entrevistava turistas que estavam em unidades de conservação. Nenhum deles sabia deste fato. Foram visitá-las porque algumas são famosas e acabam vendidas em pacotes de turismo.
Mas o formador de opinião, aquele que teve sorte, ou mérito, para fazer fortuna, se informar, não tem o direito de dar mau exemplo. Essa gente sabe perfeitamente onde pode, ou não, construir. Os casos aqui citados não podem sequer ter o benefício da dúvida. São óbvios demais, conhecidos demais.
Fernando de Noronha
O apresentador Luciano Huck entrou numa roubada. Ele, e dois amigos investidores, João Paulo e Pedro Paulo Diniz, construíram a Pousada Maravilha em terreno onde morou um dos chefes do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, José Gaudêncio Filho que acabou sendo o dono formal do empreendimento ou, em linguagem clara, laranja. Por ser uma ilha e uma unidade de conservação só os moradores têm permissão para construir.
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Especulação em áreas protegidas RESEX Prainha do Canto Verde: protagonistas Tales Montano Sá Cavalcanti, e Francisco Ivens Dias Branco
O desconhecimento da população contribui para que milionários promovam a especulação imobiliária nestas áreas normalmente extremamente bonitas, ou construam seus “refúgios particulares” dentro de unidades de conservação. Esse é um dos temas recorrentes no litoral brasileiro.
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A especulação imobiliária invariavelmente envolve pessoas abastadas, como é o caso de Tales Montano Sá Cavalcante um dos empresários mais ricos do Ceará, dono do grupo de educação Farias Brito, entre outros negócios. Tales está envolvido na grilagem e construção irregular em uma unidade de conservação, a Resex Prainha do Canto Verde, Ceará, já citada neste site.
O assunto, que espanta a mídia estrangeira, parece não despertar o mesmo interesse na nacional. Porque será? Eu arrisco a resposta: um mix de cegueira, alienação, falta de vontade política e pobreza do jornalismo atual.
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É óbvio que Tales Montano não é o único. Outro milionário cearense é Francisco Ivens Dias Branco, presidente do grupo M. Dias Branco, líder na produção de farinha e farelo de trigo. Ele está envolvido em outro processo de grilagem de praias para posterior construção de condomínios e resorts.
Curiosamente o “sonho de consumo” de Francisco Dias Branco é a praia do Batoque, mais uma unidade de conservação vizinha à Prainha do Canto Verde onde, em conjunto com a Odebrecht, pretendia construir um mega resort. Os dois casos estão na justiça.
Governos estaduais ajudam especuladores nacionais ou estrangeiros
É fato que os litorais do Ceará, Rio Grande do Norte, e Bahia, são os mais visados pela especulação desde o ano 2000 quando europeus começaram a investir comprando posses, erguendo enormes resorts, organizando voos semanais da Europa, etc.
Esses investidores encontraram amplo apoio dos governos estaduais que, ao adotarem como modelo de desenvolvimento o turismo de praia, supervalorizam o litoral em detrimento de outras regiões.
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No Nordeste houve uma corrida dos empreendedores europeus desde o final de 1999. Quase todos os governos estaduais ofereceram vantagens como benefícios fiscais, entre outros, para que eles dessem preferência a seus respectivos estados.
Prefeitos de municípios costeiros autorizam o que não podem
Outra consequência da omissão dos órgãos responsáveis é a ação nefasta e irregular dos prefeitos de pequenos municípios costeiros. Eles autorizam qualquer tipo de construção, mesmo as mais irregulares, no afã de conseguirem mais recursos como IPTU e outros tipos de impostos para engordarem os minguados cofres públicos. Foi dessa forma que mangues foram extirpados para a criação de camarões, falésias foram desfiguradas para a construção de hotéis, restaurantes, casas de praia e assim por diante.
Certos casos da especulação atingiram seu ápice destrutivo, impossível estragar mais. Como justificar de outra forma o que aconteceu em Arraial do Cabo? Ninguém merece um pandemônio desse. Ou Camboriú, Santa Catarina? Ambos fenômenos recentes. E até mesmo Ilhabela, litoral Norte de São Paulo caminha na mesma direção.
Como aceitar a ação nefasta dos ex-prefeitos responsáveis? É mais um crime de lesa-pátria. Há centenas deles. Mesmo assim seu exemplo não basta. Toda hora surge um mostrengo parecido em algum lugar da zona costeira. E depois que atinge certo tamanho não há como reverter. Nosso litoral corre o risco de se transformar numa colcha de retalhos, cheio de puxadinhos atestando o mau gosto da ‘obra ousada’ .
Crise de 2008 dá tempo para pensarmos
O que segurou um pouco a destruição do litoral nordestino foi a crise de 2008. Desde então as investidas entraram em banho-maria. Mas até lá o processo foi o mesmo: compra de posses por valores ridículos, para quem aceita; quem não aceita é enxotado. Vide Prainha do Canto Verde.
Nestes locais impera a lei do mais forte, a intimidação é a bola da vez. Liquidado o assunto terreno, o próximo passo é “convencer” o poder público a entrar com benfeitorias: melhores estradas, fornecimento de energia elétrica, gás, coleta de lixo, etc. Muitas vezes o poder público é cooptado, e/ou comprado por essa gente. As benfeitorias fazem o preço do metro quadrado subir às alturas o que garante lucro para todos: empreendedores, prefeitos, governadores.
A Praia do Futuro, objeto de desejo de Francisco Ivens Dias Branco
Não raro os próprios especuladores entram com uma parte do financiamento para essas benfeitorias, como é o caso do grupo empresarial cearense M. Dias Branco que contribuiu financeiramente com as obras da prefeitura na região da Praia do Futuro visando a valorização dos vários terrenos demarcados em seu nome localizados sobre o tabuleiro das dunas.
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A Praia do Futuro tem início em Mucuripe e se estende até a foz do rio Cocó, ocupando 8, dos 25 Km da orla de Fortaleza, uma área super valorizada. Apesar das melhorias em infra-estrutura o governo do estado “economizou” ao não dotar o local de escolas, postos de saúde, e moradia de qualidade para os nativos.
Processo parecido ocorreu na praia de Aquiraz com o projeto hoteleiro, turístico e imobiliário, Aquiraz Golf & Beach Villas. O projeto envolveu mais uma vez o grupo M. Dias Branco, investidores portugueses, e o governo do estado que tinha previsão de investir 150 milhões na região.
Aquiraz Golf & Beach Villas, Aquaville Resort, Portamaris Resort, Oceani Resort, Beach Park Suítes & Resort e Beach Park Acqua Resort…
Os nomes destes projetos (o primeiro é da Praia do Futuro, todos os outros são da praia Porto das Dunas, um monumento à especulação) são sinais inequívocos que são frutos da especulação. Não sei porque, mas o fato é que sempre que existe forte especulação no litoral os hotéis, bares, restaurantes, condomínios, resorts, etc, quase sempre têm pomposos nomes em inglês.
Mais uma vez o complexo vira-latas tupiniquim se mostra em sua plenitude. Os novos-ricos que vão comprar terrenos, casas, seja o que for, são tão caipiras que dão preferência a nomes em inglês. Faça o teste você mesmo e verá. É espantoso.
Francisco Ivens Dias Branco, Edson Queiroz e Jereissati; famílias, e cidadãos notáveis do Ceará, e a especulação imobiliária
Mas nem só de praias vive a especulação imobiliária cearense. A capital, Fortaleza, teve tantos casos parecidos que gerou até mesmo uma tese:
Em 2010, o novo Centro de Eventos de Fortaleza estava orçado em 307 milhões de reais, sendo que, só em desapropriações, foram gastos 50 milhões de reais. Entretanto, os maiores beneficiados (se não os únicos) serão os grupos M. Dias Branco, Edson Queiroz e Jereissati, que verão seu patrimônio valorizarem-se absurdamente.
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Especulação imobiliária no litoral do Sudeste, o exemplo de Paraty
Saindo do Nordeste para o Sudeste a prática é a mesma. Que o diga dona Dica, moradora da praia de Cajaíba, em Paraty. Toda Paraty é grilada, até mesmo os casarões da cidade. Menos de 1% deles pertencem aos nativos. O resto são pousadas, hotéis, comércio, ou casas de ricos de São Paulo e Rio de Janeiro.
Gibrail Nobiliarcos. “o dono do mundo”
A praia de Cajaíba no passado chegou a ter mais de 40 famílias de moradores. Restam duas: a de dona Dica, e a de Adelino Gil. Todas as outras foram expulsas pelo maior especulador da região, Gibrail Nobiliarcos e seus descendentes. Esta obscura figura um dia surgiu em Paraty reivindicando a posse de dezenas de praias. Inclusive as que tinham famílias morando há gerações como a Cajaíba de Dona Dica.
Entrevistei dona Dica que contou que “seu Gibrail até era fácil de lidar, mas o neto, Marcelo,”esse é duro”, ela contou. E prosseguiu:
Outro dia esteve aqui e, ao me ver, tirou o pau pra fora e mijou nas minhas pernas
Horrorizado, mais tarde cobrei o prefeito de Paraty, Cazé. Ele não se deu por vencido, disse que Dona Dica “é um ícone de Paraty” mas, questionado sobre as atitudes dos Nobiliarcos, não mexeu uma palha para ajudar tão distintos moradores.
A praia Martim de Sá, com um só morador, sofre constante assédio de Marcelo. Mas o último caiçara remanescente não entrega os pontos e resiste como pode. Mais uma vez, sozinho, sem apoio de qualquer autoridade do município.
Prefeito de Praty escapa da morte
Muitas vezes quem comanda o processo de especulação são os próprios prefeitos das cidades à beira-mar. Sobre o prefeito de Paraty não tenho nenhuma denúncia, não houve tempo para essa pesquisa. Mas, curiosamente, meses atrás ele escapou de uma vendetta quando seu carro foi metralhado em local ermo. Apesar de ferido, Cazé escapou da morte. Quem brinca com fogo se queima…
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Antonio Luiz Colucci, prefeito e algoz de Ilhabela
Ilhabela, litoral norte de São Paulo, ali os maiores especuladores foram os prefeitos Manuel Marcos (PTB); Antonio Colucci (PP) entre 2009 e 2016; seguido por Márcio Tenório (PMDB). Toninho Colucci foi acusado por este escriba, depois que uma bem fundamentada denúncia que me foi enviada.
Encaminhei a denúncia ao jornal O Estado de S. Paulo que fez várias reportagens. Enquanto capangas do prefeito compravam todos os exemplares do jornal das bancas da ilha, sendo desmascarados pela reportagem, Colucci foi obrigado a retirar a proposta da própria prefeitura de modificar o zoneamento das praias do Bonete, Castelhanos e Jabaquara para transformá-las em zonas urbanas o que permitiria a construção de casas e hotéis.
A esposa de Colucci também se diz proprietária de terrenos na praia de Castelhanos onde pretende construir um resort. É muita cara-de-pau, Castelhanos, assim como o Bonete e outras, é habitada há gerações por nativos. Em Castelhanos são 150 famílias. Em tempo, o prefeito anterior também foi acusado do mesmo crime. Não à toa prefeitos destes municípios apresentam suspeitos aumentos de patrimônio.
A matéria da Bloomberg cita o nome de vários empresários que passaram por cima das leis à custa de dinheiro.
Antonio Carlos Resende e a ilha da Cavala
O milionário, fundador da Localiza, detonou a vegetação da ilha, formada por Mata Atlântica de modo a não ser visto do mar. Em seu lugar ergueu uma mansão de 1.700 mil metros quadrados. O empresário foi acusado de usar documentos falsos para conseguir permissão para construir o imóvel. Foi indiciado por fraude e crime ambiental. Há anos luta para que não derrubem seu paraíso particular.
Um diretor de cinema e sua ilha em Paraty
Ilha do Pico, Paraty, esta ilha é o xodó do diretor que também destruiu a mata nativa para construir sua casa de segunda residência. Pego no flagra em 2008, ele prometeu derrubar a casa e reflorestar a área. Prometeu, ponto. Ficou nisso.
Família Marinho no mesmo barco, quer dizer, praia…
Em 2008 os Marinho também entraram na lista dos ricos que fazem malfeitos à paisagem e à biodiversidade. O caso aconteceu na praia de Santa Rita, bem próxima à cidade de Paraty.
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Ali a família construiu uma mansão de 1.300 mil metros quadrados com piscina e heliponto. Para isso desmatou uma área protegida. Ignorando que praias são espaços públicos, ninguém pode se dizer “dono de uma praia”, a família mantém guardas armados que vigiam quem se aproxima com binóculos, numa patética paródia do quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau…
Em 2011 um Juiz determinou que a casa fosse demolida. Como a Justiça é a “nossa justiça”, o processo não sai do lugar.
Nova Denúncia: especulação imobiliária
Observação: atualizado em 4/03/2016
Nova denúncia sobre a mansão da família Marinho, Praia de Santa Rita, Paraty:
a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou o heliponto privado Praia de Santa Rita, em 2009, localizado dentro do terreno em que foi construído o chamado tríplex de Paraty, sem licença ambiental – conforme registra o processo 02629.000090/2010-67 no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em 2015 a ANAC renovou a autorização. A nova denúncia da RBA, Rede Brasil Atual, diz que
Herdeiro direto do patrono, João Roberto Marinho declarou a este blog, por meio de sua advogada, que nem a mansão nem as empresas que aparecem como suas proprietárias pertencem a algum membro da família Marinho.
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A RBA encerra o texto afirmando que
Há evidências de que documentos ambientais fraudados possam ter sido utilizados para obter a licença. Em tese, toda a documentação necessária ao processo pode ter sido falsificada. Ou ainda, funcionários públicos podem ter sido corrompidos.
Fato é que o chamado tríplex de Paraty está se mostrando um caso difícil de ser explicado, dadas as inúmeras controvérsias e “coincidências” que envolvem a propriedade.
Camargo Correia no Lava Jato e em Paraty
A turma da Camargo recebeu autorização para uma casa de porte médio numa praia de Paraty. Em seu lugar ergueram várias mansões. Será que foi com dinheiro da Petrobras?
Ícaro Fernandes e a praia da Costa, Saco do Mamanguá, Paraty
Ícaro é outro milionário brasileiro que se apaixonou pelo saco do Mamanguá, um fijord tropical, onde construiu sua mansão para descanso. O único senão é a proibição para construções no local. Mas quem se importa? Ele pode.
Fernandes não quis falar para a reportagem da Bloomberg mas seu advogado, Rogerio Zouein, admitiu que a construção não tem licença. E disse mais: o advogado prometeu às autoridades que, se Fernandes ficasse com a casa, ele restauraria 95% da área desmatada. Olha que boa nova: o cara faz algo errado, depois promete melhorar o que está errado admitindo a culpa. Mas com um detalhe: ele só fará a restauração se puder ficar com a casa. É isso mesmo?
Xandy Negrão bateu o recorde no Saco de Mamanguá: especulação imobiliária
Alexandre Negrão, ou Xandy como é mais conhecido, é outro milionário a burlar normas e construir em áreas protegidas. Muitas vezes os milionários cercam suas praias e colocam cartazes com o tradicional “Propriedade particular, proibida a entrada”. Xandy foi além, cercou a lâmina de mar defronte a sua mansão, privatizou o mar, e teve a desfaçatez de colocar uma placa proibindo a entrada!!
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Xandy abusou, desviou o curso de um rio para que sua piscina fosse construída, e desmatou a Mata Atlântica para pousar seu helicóptero. O Ibama pediu a demolição da casa em 2008. Sucessivas liminares conseguidas por seu advogado brecaram a ação. No Brasil uns podem mais que outros. Ou não?
Ricos de São Paulo e Rio de Janeiro se unem em condomínio super, híper, irregular
Se você pensou no condomínio Laranjeiras, acertou. Ali se reúnem aos fins de semana, feriados e férias, parte considerável do PIB brasileiro. Toda a área é fruto do egoísmo de alguns e cegueira de outros. Laranjeiras é a coroação do ilícito.
Dediquei parte considerável do programa sobre a APA do Cairuçu ao caso. Em Laranjeiras os nativos não foram apenas expulsos, foram igualmente proibidos de atravessar a área sem antes serem revistados por guardas armados vestidos com coletes à prova de bala. Quem deveria usá-los, para se proteger, são os caiçaras da praia do Sono obrigados a passar por este humilhante ritual determinado por aqueles que burlam a lei. Como disse Tom Jobim “o Brasil não é para amadores”.
Atentados em Paraty
Antes da atual equipe que cuida da APA de Cairuçu assumir a unidade, em 2014, o chefe anterior resolveu peitar as irregularidades embargando construções na costa e nas ilhas da baía de Paraty. O resultado não demorou. Uma série de atentados veio em seguida. Casas dos gestores foram bombardeadas e seus carros queimados. O que fez o ICMBio? Mudou a equipe que cuidava da APA de Cairuçu.
Em todo o litoral quem manda é a especulação
Os nomes citados nesta matéria não são os únicos a desprezar a lei e praticar os ilícitos. Todos os 17 estados costeiros brasileiros têm casos semelhantes. A citação aos nomes neste texto deriva da matéria publicada por Bloomberg, acrescidos de outros notórios, com objetivo de realçar a dimensão. A especulação no litoral é um câncer incurável. Fecha aqui, estoura ali.
E o litoral de São Paulo, tem privatização de praias? Tem, sim senhor !
Uma das muitas denúncias que fizemos durante a primeira série Mar Sem Fim, no ar na TV Cultura entre 2005 e 2007, foi a “privatização” da praia de Iporanga, reduto dos ricos paulistas, e mais outras quatro da mesma região.
Na ocasião fervia a notícia que os “donos de Iporanga” fecharam a praia alegando que este era o único modo “de preservar a natureza”. Foi um bafafá. Fiz uma passagem (no segundo bloco do programa) ao gravar Iporanga, explicando a apropriação indébita e informando que a decisão tinha sido sustentada por um dos Ministros do STJ, mas, acrescentei, o Ministério Público entrou na briga e recorreu da decisão.
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Curiosamente um dos muitos donos de casas em Iporanga era, na época, o excelentíssimo Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos.
Mais um rei da baixaria no litoral de São Paulo
Trata-se do ex-deputado federal Evandro Mesquita (PMDB), que tem uma enorme mansão na Prainha Branca. Segundo o jornal Diário do Litoral, de 18/2/2016,
Se você perguntar para cada caiçara de Guarujá quem é o dono da maior área particular da Prainha Branca, tombada em 1992 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), com certeza vai ouvir: o ex-deputado federal Evandro Mesquita, considerado o rei da praia
O jornal explica que a reação acaba de acontecer
Uma ação civil pública com pedido liminar, impetrada pelo Ministério Público (MP), na última quarta-feira, dia 9, às 17h30, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), objetiva a demolição da mansão e de todas as benfeitorias construídas pelo deputado numa área de 138 mil metros quadrados, incrustada no meio de um verdadeiro paraíso verde, localizado no conhecido Rabo do Dragão — área leste da Cidade
Ilhabela e o “Ícone da Impunidade”
Ilhabela, litoral Norte de São Paulo, é uma joia que atrai todo tipo de “baixaria fundiária” praticadas não só por ricos mas, muito pior, por políticos. O chefe da banda, como expliquei acima, costuma ser o alcaide. Pelo menos um caso gravíssimo não foi comandado por ele mas pelo ex-senador Gilberto Miranda, acusado de apropriação indébita da Ilha das Cabras que integra o Parque Estadual de Ilhabela.
Dono de extensa ficha policial, Miranda foi acusado de enriquecer às custas de cobrar participação acionária para regularizar empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. Como disse o Observatório da Imprensa, “Miranda é um ícone da impunidade“. Ele também foi pego de calças curtas na operação Porto Seguro cujo alvo principal é a ex-chefe do Gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rose Noronha, que assumira o cargo em 2003 por indicação do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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Miranda detonou a Ilha das Cabras. Parte da mata nativa foi pro lixo para que ele construísse seu heliponto. Não satisfeito, concretou a costeira. Ali ele mantém sua mansão de descanso. Segundo a Procuradoria da República, Miranda queria transformar a ilha em um “condomínio de luxo”. Porém, depois de 30 anos de luta na Justiça, finalmente em 2022 a Ilha das Cabras foi devolvida a seis legítimos donos.
Especulação imobiliária: disputa para saber quem destrói mais
Esse é outro grave problema que afeta a beleza do litoral. Além das ‘apropriações indébitas’ existe uma espécie de torneio para saber quem deixa a marca mais infame na paisagem. É bom lembrar que a paisagem de um país, suas incríveis formas, cores, texturas, são patrimônio de todos os cidadãos. Dos vivos e dos que ainda nem nasceram.
Estas paisagens levaram eras para serem constituídas, são bens da coletividade. Encontramos o planeta de uma forma, temos obrigação de passá-lo do mesmo jeito. Este o primeiro mandamento de ética da nossa geração.
Infelizmente, em todas as profissões existem ogros, espécies de divindade infernal, também presente entre os arquitetos.
Em minhas palestras, quando mostro a foto acima, costumo dizer que o arquiteto que teve a capacidade de criar esta incongruência levou o Prêmio Príncipe Charles de Excelência em Mau Gosto, afinal nosso amigo britânico teve a coragem de trocar Lady Di pela Duquesa da Cornuália, e ainda queria ser o modess da velha senhora.
Recorde do absurdo
O pior caso que vi em minhas andanças pela costa brasileira aconteceu na ilha do Mel, Paraná. Ali encontrei um caiçara desesperado por ter trocado sua posse por uma garrafa de cachaça. Alcoólatra, em desespero e sem dinheiro, ofereceu o que tinha por uma garrafa. E teve a falta de sorte de encontrar um cara-pálida genuíno.
Infelizmente, só a nossa raça, a raça humana, é capaz de coisas deste porte. Desde então, o caiçara da ilha do Mel se tornou um pária daquela região.