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Conflitos no Lagamar: indígenas ocupam o Parna do Superagui

Conflitos no Lagamar: indígenas ocupam parte do Parna do Superagui

O Lagamar é um dos trechos mais preservados da costa brasileira. Também está entre os cinco berçários marinhos mais importantes do Atlântico Sul. São canais que correm paralelos à costa, desde Iguape, passando por Cananéia e chegando até Paranaguá, norte do Paraná. O conjunto tem 200 km de extensão e cinco barras por onde entra a água do mar: Icapara, Cananéia, Ararapira, ilha do Superagui e Paranaguá. Centenas de rios nascem na Serra do Mar e deságuam nos canais, formando um vasto estuário. Os manguezais cobrem 18 mil hectares. Em volta fica a maior faixa contínua de Mata Atlântica do país. Mas o Lagamar enfrenta conflitos.

A abertura da barragem do Valo Grande, em Iguape, provoca danos contínuos desde os anos 70. O governador Ratinho, do Paraná, quer transformar parte da região em uma BR do mar para iates. Agora, indígenas Guaranis voltaram a ocupar uma área do Parque Nacional de Superagui. Até o momento, o ICMBio não tomou nenhuma medida.

Por sua riqueza ambiental, a região merece mais dos governos de São Paulo e Paraná. É imperativo um modelo de ocupação que seja de fato sustentável.

Unidades de Conservação protegem o Lagamar

Diversas unidades de conservação protegem essa riqueza. Entre as federais estão a APA Iguape-Cananéia-Paranaguá, o Parque Nacional de Superagui, a REBIO Bom Jesus, em Guaraqueçaba e, finalmente, a APA e ESEC de Guaraqueçaba. Entre as estaduais, o Parque Estadual da Ilha do Cardoso e a APA de Guaraqueçaba. São raríssimos os locais da costa brasileira com tantas unidades de conservação, o que comprova seu valor ambiental.

Estas virtudes ganharam o mundo. A UNESCO elegeu o Lagamar como primeira Reserva da Biosfera brasileira, selando deste modo o reconhecimento como santuário. Ao longo destes 200 km coexistem ecossistemas como florestas tropicais de planície e montanha, manguezais, lagunas, braços de mar, baías, dunas, e praias, e um sem-número de aves, animais e plantas, alguns dos quais endêmicos e ameaçados de extinção.

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Caiçara em Guaraqueçaba, além deles há quilombolas e indígenas na região. Acervo MSF.

Apesar de ser um dos locais pioneiros onde começou a colonização do País no século 16, com a chegada de Américo Vespúcio em 1501 como piloto-mor da frota de André Gonçalves, a área pouco mudou desde então. Um dos impedimentos foi a colossal Serra do Mar cujos contrafortes acompanham todo o Lagamar.

Conflitos no Lagamar: o turismo descontrolado e o enfraquecimento de unidades de conservação

Atualmente três são as ameaças. Uma delas é o turismo de alto impacto, um desejo do governador do Paraná, Ratinho Júnior. Ele demonstra total desconhecimento da riqueza de seu Estado, defendendo uma ideia contestada tanto por expoentes da academia, como por ambientalistas ou pelos caiçaras que lá vivem.

Botos-cinza no Lagamar.

A outra ameaça é o enfraquecimento das unidades de conservação criadas para garantirem a perenidade da biodiversidade e beleza do Lagamar.  E é exatamente o que acontece no momento.

Finalmente, a terceira ameaça é a abertura do canal do Valo Grande em Iguape. Ocorre que, um canal que foi pensado para ser estreito, com cerca de 4 metros de largura, não suportou a força das águas e erodiu destruindo tudo ao redor. O fluxo de água e lama assoreou o Mar Pequeno, impedindo a entrada de navios.

Além disso, a grande quantidade de água doce despejada afetou, e segue afetando, gravemente a vida marinha matando parte do mangue de Iguape e causando um dos maiores desastres ecológicos do século 19 que persiste até hoje. Como dizia o ex-prefeito Wilson Almeida Lima (PSDB) ‘faz 300 anos que discutimos o Valo Grande’.

Mais conflitos no Lagamar: Invasão de indígenas Guaranis no Parna de Superagui e Rebio Bom Jesus

No ano 2000 houve uma primeira invasão do Parque Nacional de Superagui por parte de Guaranis vindos do norte da Argentina. Agora, no final de abril de 2025, aconteceu nova invasão desta vez por um grupo oriundo do sul de São Paulo.

O caso da Rebio de Bom Jesus é emblemático. Curiosamente, poucos dias antes da criação da unidade em junho de 2012, um punhado de índios invadiu a UC. Pouco depois o ICMBio pediu a reintegração de posse, o que era o correto a ser feito.

Mangues são a maior riqueza do Lagamar.

Acontece que, de lá para cá, o órgão mudou de posição. Hoje, estranhamente, o ICMBio pretende destinar mais 3000 hectares para os cerca de 20 guaranis que invadiram a unidade. Isso significa premiar quem infringiu a lei, seja ele quem for. E, além disso, demonstra um desvio da autarquia que não foi criada para satisfazer desejos, mas para cuidar da biodiversidade.

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A Constituição, índios, e a biodiversidade

Apesar desta área originalmente pertencer aos indígenas e, de certa forma, sermos os responsáveis pelo seu genocídio, as coisas mudaram desde a Constituição de 1988. Tanto as populações originais, como a biodiversidade e beleza de nossos hotspots ambientais, receberam proteção.

O artigo 231 da Lei Maior estabeleceu que ‘são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes’ etc.

As casas dos caiçaras são simples.

Por outro lado, a mesma Constituição justificou ‘a proteção do meio ambiente como um direito fundamental de todos e um dever do Estado, conforme o artigo 225. Este dispositivo reconhece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida, e impõe a obrigação de preservá-lo para as presentes e futuras gerações’.

No Lagamar a cultura ancestral dos caiçaras ainda permanece ativa.

Conflitos no Lagamar: sobre as invasões, o ICMBio permanece mudo

A legislação do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação – estabeleceu 12 tipos de UCs, divididas em dois grupos: as unidades de proteção integral e as de uso sustentável.

As UCs de proteção integral foram criadas para ‘preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. Por definição, refere-se à “proteção integral” bem como a manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais’.

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Este é o caso das Rebio e Parques Nacionais. Por outro lado, a responsabilidade por cuidar das UCs federais cabe ao ICMBio que, de uns tempos para cá cria todo tipo de barreira quando o assunto é um pedido de  entrevista, como acontece com este site.

O que diz o ICMBio sobre os conflitos no Lagamar?

Levou mais de dois meses para o ICMBio responder às perguntas que enviamos em 22 de maio. Tudo começou quando pedimos entrevistas com os chefes das unidades de conservação. Como resposta, a autarquia nos indicou um e-mail para envio. Obedecemos.

A resposta — patética — chegou apenas em 9 de junho:

“Acreditamos que essas perguntas fogem da circunscrição deste NGI, sendo mais bem respondidas pelas unidades de conservação citadas ou pela Gerência Regional 05 do ICMBio, à qual elas estão vinculadas.

Se, no entanto, as unidades de conservação forem enfraquecidas como parece, então diríamos que o Lagamar pode estar condenado a médio e longo prazos o que seria um imenso desastre no momento em que a biodiversidade mundial está ameaçada pelo aquecimento do planeta.

Conflitos no Lagamar e a resposta do ICMBio  sobre o Valo Grande

(O Mar Sem Fim copiou e colou a resposta do ICMBio, não alteramos uma vírgula sequer)

“Historicamente a APACP promoveu debates sobre o tema na comunidade, no âmbito de seu conselho consultivo, além de ordenar a pesca artesanal consoante as mudanças ocorridas no ambiente. Uma importante contribuição da unidade deu-se sobretudo na década de 2000, apoiando logisticamente grupos de pesquisa que se debruçaram, sob diferentes abordagens, a investigar esse tema.”
“Entre 2003 e 2006 a APACIP promoveu dois seminários de pesquisa que envolveram mais de 30 grupos de pesquisa das principais universidades paulistas, com grande número de estudos envolvendo a questão dos impactos do Valo Grande.”

Instituto Oceanográfico da USP

“Pesquisadores do Instituto Oceanográfico da USP, historicamente, são os que mais produziram sobre os impactos da obra no ambiente estuarino. As consequências dos impactos do canal sobre a unidade de conservação foram intensamente descritas desde o início dos anos 80, ainda que o ICMBio ou IBAMA, anteriormente, não tenham promovido estudos próprios sobre o canal. Aspectos das alterações em composição e abundância de espécies na comunidade biológica, em diferentes táxons, como respostas adaptativas; estudos que descrevem as alterações na sedimentação e alterações geomorfológicas; testemunhos de sedimentação que analisam intervalos seculares de deposição; alterações físico-químicas ocorridas nos principais constituintes da qualidade da água, e principalmente a identificação de causas desse desequilíbrio ocorridas em toda a bacia do Ribeira, sobretudo de fontes como a mineração e agricultura; estudos comparativos sobre a estrutura e dinâmica das florestas de mangue nas porções norte e sul do estuário, foram alguns dos temas mais desenvolvidos.”

Economia ecológica e economia ambiental

“Estudos de economia ecológica e economia ambiental, que oferecem ferramentas de valoração desses danos, são escassos e certamente, representam uma fronteira de conhecimento que pode surpreender pelos resultados.”
“A atuação do ICMBio na questão do Valo Grande esbarra em limites institucionais. A esfera de gestão dos recursos hídricos da bacia do Rio Ribeira de Iguape é o comitê de bacia hidrográfica, que é estadual e por força de sua legislação fundante, não permite
a entrada de instituições federais em sua composição (incrível..).”
“Não existe um comitê federal para esse rio federal. A responsabilidade pela obra é do Departamento de águas do Estado de São Paulo (DAEE).”

2006

“Em 2006, este servidor, então chefe da APACIP apresentou a questão ao Ministério Público Federal que em acordo com o Ministério Público Estadual, decidiram pela continuidade do inquérito deste. A APACIP instruiu o inquérito indicando os danos à unidade de conservação, o MPE tentou um TAC, que o DAEE não acatou, e a partir de então ingressou com uma ACP que já foi julgada em segunda instância e o Estado de São Paulo condenado a concluir a obra, ou seja, fechar o canal com a instalação das comportas na estrutura existente desde 1994.”
“A decisão nunca foi cumprida, e os impactos continuam. Portanto não sabemos responder sobre a expectativa de prazo de conclusão, a não ser os prazos anunciados por quase todos os candidatos ao governo do estado na véspera das eleições, e que também não são cumpridos, como o mostrado no link abaixo. Seguem abaixo dois links de testos sobre o assunto que podem ser de interesse:”

Links

1) Dissertação de mestrado deste servidor que trata do histórico institucional de tomada de decisão sobre o canal.
2) Artigo científico de revisão escrito por vários pesquisadores de várias áreas de investigação.

Resposta do ICMBio sobre as invasões de indígenas

Acreditamos que essas perguntas são sobre temas que fogem da circunscrição deste NGI, sendo mais bem respondidas pelas unidades de conservação citadas, ou pela Gerência Regional 05 do ICMBio, gerência às quais as unidades citadas estão vinculadas.

Agora, assista ao vídeo e conheça mais

Você sabia que o Brasil ignorou o mar e a zona costeira em suas novas metas climáticas?

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