Condomínio em falésia na praia do Pipa gera preocupação
Pipa fica no município de Tibau do Sul, cerca de 85 km de Natal. No passado era uma bucólica vila de pescadores artesanais. Até que nos anos 70 começaram a chegar os primeiros forasteiros, hippies, e surfistas. Toda a região é de uma beleza singular. A cor da água, azul esverdeada; as falésias em torno, com tons que vão do amarelo claro até o vermelho sangue; e o verde escuro do que restou de Mata Atlântica no litoral do Rio Grande do Norte formam uma linda paleta de cores. A biodiversidade também é alta. Na região há desova de tartarugas de pente, e local de concentração de golfinhos na baía de mesmo nome. Dunas, mangues, piscinas naturais e lagoas completam o cenário. Contudo, agora a construção de um condomínio em falésia erguido sobre um ponto turístico, o Chapadão da praia de Pipa, gera preocupação.
Europeus descobrem Pipa
Todas estas belezas acabaram por chamar a atenção de europeus. No início dos anos 2000 chegaram os portugueses, seguidos por espanhóis. Não demorou para os escandinavos descobrirem a região. À época, eram comuns voos fretados direto para Natal e, de lá, para Pipa.
Enquanto o turismo crescia, sumia a vila de pescadores. Hoje Pipa é um dos maiores atrativos do litoral do Rio Grande do Norte. A pacata vila tornou-se um aglomerado urbano, cosmopolita, lotado de bares, restaurantes, raves, pousadas, hotéis, transito, música alta e, agora, condomínios.
Mas o local também atraiu ambientalistas. Assim, a 10 minutos de Pipa fica o Santuário Ecológico de Pipa, uma reserva de Mata Atlântica com trilhas sinalizadas onde o Projeto Tamar atua para facilitar a desova das tartarugas de pente.
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Na internet é só elogios
É curioso consultar a internet sobre a Praia de Pipa. Se você pesquisar no Google, ‘Praia de Pipa’, verá 12 páginas seguidas oferecendo pousadas, hotéis, e programas os mais variados na ‘paradisíaca’ região.
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Mas há muitos problemas também
Nem há uma só palavra quanto à destruição sem precedentes dos manguezais. Nada sobre as mais que estreitas faixas de praia, como a praia Central, a mais próxima da vila, ou da erosão e avanço do mar cada vez mais próximo das construções. É o preço que se paga para ter uma ‘casa pé na areia’.
Sobre a infraestrutura urbana como tratamento de esgotos, limpeza, coleta e tratamento do lixo, energia elétrica e seus gargalos, não há uma linha sequer.
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Baía da Traição, PB, nova vítima da erosão costeiraElmano de Freitas (PT) e a especulação no litoral do CearáLado oculto, a realidade no Bairro Rio Escuro em UbatubaE quase nada sobre a especulação imobiliária que veio junto com a fama. Contudo, ela está lá, e com muita força. Uma força difícil de controlar por vários motivos. O Governo do Estado, por exemplo, bem como as prefeituras, querem mais recursos e empregos custe o que custar, via o turismo ou aumento do IPTU. Desse modo, muitas vezes passam por cima da legislação ambiental autorizando empreendimentos em locais vedados.
Por outro lado, os empreendedores normalmente são dos setores economicamente fortes: construção civil e turismo. Muitas vezes eles apoiam campanhas de prefeitos que, em troca, quando eleitos, ‘pagam’ a conta permitindo o que não podem. Assim, começa a deterioração da beleza cênica que atraiu os turistas, até a banalização total e consequente abandono da região.
Guarujá, em Sao Paulo é um exemplo; Balneário de Camboriú, SC, ou Arraial do Cabo, RJ, idem. Todos impiedosamente destruídos pela especulação. O litoral norte de São Paulo, ou Angra dos Reis, RJ, seguem o mesmo rumo assim como quase todo o litoral do País.
Falésias ativas e ocupação humana
A região ao Sul de Natal é formada por dunas e falésias ativas, aquelas que sofrem constantemente erosão pelas forças naturais como ondas, marés, e também pela chuva. E se o processo está em pleno andamento hoje, vai piorar em razão da subida do nível do mar.
Escondido, entre as centenas de anúncios de hotéis e pousadas, descobri o estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de autoria de Ana Lia Dantas, de 2021, sobre ‘avaliação do risco a movimentos gravitacionais de massa na praia de Pipa’.
Ana Lia confirma o problema: ‘Na praia de Pipa, Município de Tibau do Sul, as falésias ativas têm cerca de 15 m de altura. A ação contínua das forças externas e a ocupação antrópica influenciam na perda de estabilidade do material que as constitui, produzindo movimentos gravitacionais de massa.’ E, mais adiante, diz ela…’quando sujeitos a fatores antrópicos, podem ter majoradas sua velocidade e intensidade.’
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Como produzindo movimentos gravitacionais de massa, entenda-se ‘o desmoronamento’. E quando as falésias são ocupadas, diz a autora, acirram a velocidade e intensidade da erosão.
Especulação imobiliária em todo o litoral
Finalmente, Ana Lia Dantas confirma a especulação que corre solta não só em Pipa, mas em todo o litoral do País sem que quase ninguém reaja: ‘Por ser o local estudado uma região de alta especulação imobiliária e movimentação turística (ou seja, Pipa), há a potencialização da ocorrência dos movimentos de massa que, em conjunto com períodos de pluviosidade elevada, podem acarretar nos desastres naturais.’
Aliás, não muito tempo atrás, em 2020, um casal e seu filho de sete meses morreram ao descansarem na sombra de uma falésia de Pipa que desmoronou.
O trabalho de Ana Lia não foi o único que encontramos depois das loas às belezas e ao ‘paraíso’. Outro estudo, desta vez da Universidade de Caxias do Sul, de autoria de Vanessa de Cássia Tavares Andrade, aborda a especulação e segregação que acontece em Sibaúma, entre Pipa e Barra do Cunhaú, pertencente ao mesmo município de Tibau do Sul.
Para encerrar, mais um estudo sobre Pipa, cujo título é Sustentabilidade e turismo: uma relação em análise na praia da Pipa, de autoria de Josemery Araújo Alves, Márcia Maria Rios Ribeiro, e Livia Izabel Bezerra de Miranda.
Alternativas para um planejamento sustentável
O objetivo, dizem as autoras, ‘visa apontar alternativas para um planejamento mais sustentável do turismo em Pipa’. É óbvio que uma pequena vila de pescadores não tem como aguentar por muito tempo uma ocupação desordenada e superadensada com ocorre no litoral sul do Estado.
Assim, depois de estudarem alguns dos problemas da região, e respectivas ações por parte da própria comunidade, elas confirmam o que as outras disseram:
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“Apesar de constatar atitudes concretas de compromisso socioambiental, o destino apresenta reflexos negativos provenientes do turismo de massa, tais como: especulação imobiliária, predomínio de relações de poder, exploração de áreas naturais, exclusão dos nativos, ineficiência dos órgãos gestores e fiscalizadores. Como ações preferenciais, é essencial direcionar o planejamento turístico com metas a longo prazo, com consciência sobre os impactos futuros na destinação, voltadas efetivamente para os direcionamentos da sustentabilidade.”
Modelo de ocupação do litoral
Já comentamos diversas vezes que o modelo de ocupação do litoral brasileiro, o de segunda residência, é um fracasso. Expulsou os nativos que por mais de 400 anos ocuparam e preservaram tanto a beleza cênica, como os ecossistemas. Então, ali pelos anos 50 do século passado começou a chegada dos cara-pálidas. Em apenas meio século arrasamos quase todos os espaços que ocupamos. São raríssimos os bons exemplos de ocupação na zona costeira.
O modelo não trouxe a riqueza que o turismo ordenado pode trazer, muito menos gerou empregos para os nativos que foram preteridos por profissionais trazidos de outros locais. Um ou outro escapou à sina perversa. Para concluir, a expansão das cidades costeiras, ou das praias que entram na moda, se fez em cima de ecossistemas importantes como mangues, restingas, falésias e até mesmo dunas.
Municípios sem qualquer infraestrutura básica passaram a receber milhares de pessoas. Um puxadinho aqui, outro acolá, e a beleza cênica cedeu espaço à urbanização caótica. Esgotos não tratados, 50% da população não tem acesso ao saneamento, passaram a ser despejados em rios e o no mar. A biodiversidade também perdeu. Fica a pergunta: além dos mais ricos que têm vista para o mar, quem ganhou com nossa ocupação?
Pipa corre um sério perigo com o novo megaempreendimento
Basta olhar a foto de abertura para o leitor perceber a ausência de praia defronte à falésia. Ou seja, ela está à mercê das forças naturais que já explicamos. Ou seja, a erosão é constante e tende a piorar pelo aumento do nível do mar como acontece hoje em Cabo Branco, João Pessoa.
Não há o que discutir sobre isso. Por sua beleza cênica, e fragilidade, a legislação ambiental considera as falésias Áreas de Proteção Permanente, APPs. Conheça a opinião de especialista no Jusbrasil, em artigo de Rogério Tadeu Romano: ‘As falésias são áreas de preservação permanente objeto de leitura do artigo 225 da Constituição e ainda por conta da definição no sentido de que se trata de área coberta ou não de vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo, assegurando o bem estar das populações.’
Além disso, os termos da Resolução nº 303/02 do Conselho Nacional do Meio Ambiente(CONAMA) são claros: proíbem qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros contados de sua borda.
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Apesar disso, segundo o site www.saibamais.jor.br, ‘Obstruindo um ponto turístico de grande fluxo de visitação, a GAV Empreendimento cercou área do Chapadão da Praia de Pipa, localizado em Tibau do Sul, Rio Grande do Norte. A intenção é usar mais de 21 mil metros quadrados de área verde da praia para construir um condomínio residencial, com 11 blocos e 246 apartamentos nas proximidades da Av. Baía dos Golfinhos.’
Retirada da vegetação e a segurança da falésia
A matéria de Isabela Santos dá conta da preocupação da população ‘com a retirada da vegetação e a segurança da falésia…e que ‘em 14 de julho populares arrancaram tapumes de alumínio já instalados.’
Contudo, não surpreende que o empreendimento tenha conseguido alvará da prefeitura. Já explicamos como estes processos acontecem. Porém, é espantoso que tenha licença do Idema, Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente.
Ainda segundo o www.saibamais.jor.br, ‘Moradores estão encaminhando denúncia ao Idema para que também reforce a fiscalização. O Instituto alega que o empreendimento cumpre as normas de segurança e que a área construída será a mais de 100 metros da borda do tabuleiro natural’.
‘Licenciamentos respeitam a legislação’
Isabela Santos informa que ‘o diretor-geral do Idema, Leon Aguiar, argumenta que os licenciamentos respeitam a legislação’.
E prosseguiu Leon Aguiar: ““A gente só licencia em áreas onde há informações de dominialidade, que tem escritura ou outro documento que ateste a propriedade e qualquer proprietário pode cercar seu imóvel. O Chapadão é uma área muito visada, mas com certeza houve o respeito ao afastamento necessário no caso de falésias.”
A Folha de S. Paulo, que também repercutiu a construção, diz que ‘a comunidade critica o que chama de “invasão predatória” do setor imobiliário e alerta para possíveis riscos do empreendimento. Segundo o jornal, em 2017 a prefeitura de Tibau do Sul ‘proibiu a circulação e o estacionamento de veículos motorizados no chapadão’ em razão do risco de acirrar a erosão.
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Como suspeitamos, a Folha confirma a precária infraestrutura da região: ‘Com cerca de 3.000 habitantes, a praia de Pipa enfrenta uma série de gargalos de infraestrutura, sobretudo na cobertura de saneamento básico. Na alta temporada, há casos de falta de água e instabilidade no fornecimento de energia. O avanço de novos empreendimentos imobiliários, avaliam os moradores, tende a agravar este cenário.’
É inacreditável o empenho de certos setores da economia em destruir a beleza cênica do litoral para ‘terem vista para o mar’. É muito egoísmo! O vale-tudo para consegui-la é só mais um capítulo da especulação que progressivamente destrói um cenário exuberante e único. Em nome de quê?
Duas questões ficam no ar. Mesmo que o mega empreendimento se confirme dentro das leis, não houve consulta pública à população. Isto é fato. A outra é uma sugestão: olhe a foto de abertura e veja a beleza da paisagem. Agora, imagine em cima daquele lindo platô, uma montanha de concreto com 11 blocos e 246 apartamentos.
É justo destruir a paisagem que levou eras para ser formada, para alguns privilegiados terem vista para o mar? Por quê não fazê-lo um pouco mais para trás, preservando um bem que pertence a todos os brasileiros?
Será que não aprenderemos nunca?