Guarujá: de Pérola do Atlântico, para uma cidade onde impera o mau gosto e a violência
Se fizermos um grande exercício de imaginação, é possível perceber como era espetacular a ilha de Santo Amaro onde fica o Guarujá. E perceber como conseguimos deformá-la. Até o nome da cidade em tupi Guarujá (GU-AR-Y-YA) significa ”passagem estreita”; entretanto há outras definições. Uma é GUARU-YA, que em português viraria ”viveiro de rã ou sapos”. Outra, segundo (Francisco Martins dos Santos 1996, apud Novo Milênio), a palavra significa “abertura de um lado a outro” aludindo ao antigo aglomerado de rochas que separa a Praia de Pitangueiras da Praia de Guarujá, atual Praia das Astúrias.
Antes da ocupação
Antes de sua ocupação, talvez, Santo Amaro fosse uma das ilhas mais bonitas do nosso litoral. Morros cobertos de mata atlântica, praias espetaculares de todos os tipos: grandes, como Pitangueiras; charmosas, como Pernambuco; pequenas, como as praias Preta e Branca. Algumas surpreendem com cachoeiras que descem até a areia, caso de Iporanga.
E, se um dos lados da ilha foi desfigurado pelo maior porto do Brasil, o de Santos, as favelas de Vicente de Carvalho, e o polo industrial de Cubatão, ainda há o canal de Bertioga cercado por manguezal, ralo, mas ainda de pé, o que é quase um milagre.
O lado histórico, pouco valorizado, da ilha de Santo Amaro, onde fica o Guarujá
A ilha de Santo Amaro é parte importante de nossa história, a primeira vila erguida no Brasil foi em São Vicente, ao lado do Guarujá. Ainda no aspecto histórico, a ilha de Santo Amaro guarda relíquias quinhentistas, como a fortaleza da Barra Grande, surpreendentemente, em bom estado de conservação.
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A primeira vila teria sido erguida na praia da Enseada
Observação: como explica o internauta Cassio Ramos Ribeiro, em mensagem ao término desta matéria, São Vicente não teria sido a primeira vila, “a primeira vila do Brasil não foi São Vicente, mas sim uma vila, encontrada em ruínas, por Martim Afonso de Sousa e descrita por Frei Vicente do Salvador, o historiador do século XVI, que nos contou sobre a fundação de São Vicente. Esta era a vila de Santo Amaro que ficava na praia da Enseada. Beauchamp, também historiador, escreve no século XIX, que a vila foi fundada em 1515, mas que sua ocupação era bem anterior a essa data”.
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Mas quem se importa com nossa história?
Guarujá e o glamour do passado
Quando os paulistas se deram conta de tanta beleza próxima da capital, transformaram Guarujá no balneário das elites. Casas de madeira, pré-fabricadas, foram importadas dos Estados Unidos.
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Casarão do avô de Vicente de Carvalho
Outra relíquia dos tempos antigos é o casarão do avô do poeta Vicente de Carvalho, cuja foto e história foram publicados no Face Book por Candida Botelho que explicou: “Uma relíquia que vai morrendo pouco a pouco.Este casarão que pertenceu ao avô do poeta Vicente de Carvalho, Coronel Botelho, situado no sopé do Morro do Botelho, é provavelmente a edificação mais antiga da cidade depois das fortalezas.”
“Segundo os registros encontrados pela arquiteta Patrícia Lima, já em 1790, este imóvel aparece citado em documentações dos tempos coloniais. A escritura mais antiga deste imóvel data de 1864, já no período do império. Patrícia Lima foi a responsável pela preparação da documentação enviada ao Condephaat para o tombamento do imóvel em 2005.”
1942, o primeiro prédio. Salte no tempo… População atual, 311 mil habitantes, 40 mil em favelas.
Nesse ano foi erguido o primeiro prédio, o edifício Pitangueiras, com oito andares. A muralha de concreto começava a ser erguida. Guarujá foi ocupada sem nenhum planejamento, como sempre acontece no litoral do Brasil.
No lado rico, que dá para o mar, a beleza de suas praias foi-se embora. Trocada por uma fila interminável de prédios, formando uma barreira disforme de concreto. Do lado pobre, no interior, ou na parte da ilha que dá para o porto de Santos, a favelização explodiu. Guarujá tem 311 mil habitantes, 40 mil, acredita-se, vivem em favelas.
Consequências do processo de degradação: quem pode se fecha em guetos protegidos. Os outros…
Junto com a destruição de sua linda paisagem veio a degradação moral. Os serviços públicos pioraram. Saneamento, e policiamento, são insuficientes, assim como a limpeza das praias.
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Isso fez com que os ricos que ainda frequentam a ilha se fechassem em condomínios, privatizando suas praias favoritas, como Iporanga, ou São Pedro, com a complacência do poder público.
Ali, pelo menos, os condôminos fazem as regras. Escolhem quem pode, ou não, entrar para o grupo; pagam sua própria guarda particular e garis para limparem “suas praias”, criando mais um gueto no litoral. Nestes poucos, e proibidos espaços privatizados, reina a paz. Mas fora deles…
Guarujá bate recordes de roubos e assassinatos. Em um fim de semana houve 22 sequestros
No site The Eagle View, descobri o artigo O Triste Fim do Guarujá, que mostra uma série de estatísticas publicadas pela imprensa. É de arrepiar. Em 2013 o Guarujá já atingia a maior taxa de roubos por cem mil habitantes.
Em 2014, acontecia um roubo por hora. Em 2016 o crime continua a ganhar a guerra. Em um fim de semana houve 22 sequestros de pessoas que, “feitas reféns, foram torturadas”.
O autor do artigo explicou o que levou Guarujá a este cenário de guerrilha urbana. Para Antonio Fernando Pinheiro Pedro,
Os três vértices desse triângulo de sumidouros têm identidade:1- a corrupção histórica inoculada na prefeitura (seja qual for a gestão), que transformou o controle do uso do solo da cidade num leilão de interesses e compadrios;
2- a perseguição sistemática patrocinada pelo Ministério Público contra QUALQUER iniciativa urbanística ou imobiliária de revitalização da cidade, mistura de aparelhamento ideológico e xiitismo ambiental abominável que judicializou empreendimentos, desmoralizou a segurança jurídica e desestimulou qualquer investimento;
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3- a política “criminosa” de segurança pública do estado na região.
Por trás da especulação estão empresários, milionários, políticos e grandes empresas, atolados na corrupção
Mesmo acompanhando de longe, concordo cem por cento com o veredicto do autor. É o que acontece em 99% das prefeituras dos municípios da zona costeira: a corrupção, pela venda de mudanças na legislação sobre ocupação e uso do solo.
Vejo casos iguais a cada dois ou três novos municípios visitados. Não canso de repetir: na zona costeira, quem manda na ocupação e uso do solo é a especulação imobiliária. A força que existe por trás dela é fenomenal, envolve grandes empresas, milionários, e políticos. Estão destruindo nosso litoral, banalizando praia por praia.
Junto vem a degradação, e com ela, aumento da criminalidade.
A especulação banaliza a paisagem, ocupa áreas protegidas, destrói o patrimônio público
Com a especulação acontece a imediata destruição da paisagem. Permite-se que áreas protegidas sejam ocupadas. Em seguida, a prefeitura, ao invés de embargar a construção, leva ao local as melhorias como luz, água, e outras.
Com as benfeitorias, o preço do imóvel irregular vai às alturas, remunerando toda a cadeia marginal.
Guarujá não é exceção
Infelizmente, a ex-pérola do Atlântico não é exceção. Em todas as regiões do litoral brasileiro há casos semelhantes. No sul, por exemplo, temos a aberração do Balneário de Camboriú. No Nordeste, entre muitas outras, Pipa, no Rio Grande do Norte. E na região Norte, o exemplo que também não é único, é Salinópolis.
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Falta-nos ética, estamos aqui de passagem
Aproveitar cada momento de nossa viagem pela Terra não implica deixar as duras pegadas, irreversíveis, que produzimos em série. As futuras gerações têm o direito de conhecer a zona costeira como nós a conhecemos. Ainda com sua beleza preservada.
A paisagem é um bem de todos. Não é possível que transformemos nosso litoral num imenso Guarujá.
Fonte: http://www.ambientelegal.com.br;The Eagle View.