Botos pescadores de Laguna correm risco de extinção
Conhecer os botos pescadores de Laguna, em Santa Catarina, foi uma das boas surpresas de minhas viagens pela costa brasileira. Laguna ostenta orgulhosa o título de Capital Nacional dos Botos Pescadores devido à existência de uma população de botos, nariz-de-garrafa, que habita o sistema lagunar e interage com os pescadores artesanais na hora de pescar. É interessante e incomum observar a pesca conjunta entre os cetáceos e os pescadores artesanais de Laguna. Tão interessante que se tornou uma atração turística. Mas agora ela está ameaçada de acabar o que preocupa os ambientalistas locais.
Botos pescadores de Laguna
Esta interação é tão importante para a região que a pesca com o auxílio dos botos recebeu o certificado de registro de patrimônio cultural imaterial de Santa Catarina. Independente do certificado, um processo parecido de interação entre pescadores e cetáceos também ocorre na região de Tramandaí, divisa com Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul.
Segundo o site change.org ‘a relação estabelecida entre homem e animal é tão específica que os golfinhos recebem nomes próprios, são reconhecidos individualmente pelos pescadores e manifestam comportamentos incríveis, passados de geração para geração’.
Os botos, ou golfinhos nariz-de-garrafa são comuns em todo o litoral brasileiro. Mas a interação com pescadores só acontece em Laguna e Tramandaí. É um espetáculo assistir. Os pescadores ficam nos Molhes do Canal da Barra, ou mesmo dentro d’água, à espera dos animais.
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A cidade soube aproveitar este processo incomum, que gera divisas através do turismo. Mas acontece que os botos pescadores estão morrendo pela ação humana mais uma vez.
Botos, ou golfinhos nariz-de-garrafa, conheça
Botos ou golfinhos são nomes diferentes para a mesma espécie de cetáceo. Estas confusões são comuns no Brasil. Outra delas, que já explicamos em post anterior, é cação e tubarão, mais uma vez nomes diferentes para tratar a mesmíssima espécie.
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Navio de cruzeiro aporta em NY arrastando baleia na proaBaleia cinzenta, tida como extinta, foi vista no AtlânticoSexo entre jubartes é fotografado, as baleias eram do sexo masculinoDe acordo com o site da Oceana, a espécie nariz-de-garrafa ‘é a mais conhecida e estudada espécie de golfinho do mundo todo, sendo comumente encontrada em parques aquáticos (que na visão deste site não deveriam existir) e oceanários e também retratada em filmes e séries, como Flipper’.
‘No Brasil eles estão ao longo de toda a costa. Concentram-se em baías e estuários de SC e RS, mas também, em regiões oceânicas. Podem pesar 635 kg e medir 3,8 metros de comprimento’.
‘Sua longevidade é estimada em mais de 50 anos, com fêmeas vivendo mais do que os machos. As populações costeiras e estuarinas sofrem bastante com a poluição, sobreposição com áreas de pesca, captura acidental e atropelamentos de embarcações’.
Sobram apenas 12 animais
O site da prefeitura de Laguna diz que o grupo é formado por 50 botos, dos quais cerca de 25 participam da pesca. Ambientalistas, porém, falam em apenas 12 animais sobreviventes.
Para os ambientalistas, a grande maioria dos botos pescadores morreu por poluição, encontros com embarcações, e especialmente, a pesca incidental. Em resumo, o mesmo que diz o site da Oceana.
Os ambientalistas dizem que ‘os órgãos públicos precisam agir, e a população de Laguna deve se sensibilizar e conscientizar o máximo de pessoas sobre a importância e preciosidade destes animais’.
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Para eles, ‘os golfinhos residentes de Laguna têm um comportamento praticamente único no planeta’. E completam, ‘precisamos ser sua voz’.
Os ambientalistas fizeram um filme e lançaram a campanha SALVEM OS GOLFINHOS DE LAGUNA DA EXTINÇÃO.
Para estes ativistas o número de animais que consta do site da prefeitura está longe de refletir a realidade. Para eles o grupo que restou tem ‘algo em torno de uma dúzia’. E acrescentam: ‘Notem que de 20/15 anos atrás este número era em torno de uma centena. Parem, e pensem!’
APA da Baleia Franca, um retrato do pouco caso ao bioma marinho
A situação dos golfinhos de Laguna, que está dentro da APA da Baleia Franca, é mais uma prova da falência das unidades de conservação do bioma marinho.
Foi esta percepção que determinou a realização da segunda série de dcumentários Mar Sem Fim na TV Cultura, entre 2014 e 2016, quando este escriba visitou todas as UCs federais do bioma marinho escancarando suas fragilidades.
O Mar Sem Fim denunciou o abandono da APA em 2014
Quando visitamos a APA denunciamos a situação de abandono, a começar por ser uma unidade de conservação criada no ano de 2000 que, passados 14 anos, ainda não tinha seu plano de manejo, documento sem o qual nada se faz. Além de ser obrigatório por lei – a Lei do SNUC, é o plano de manejo que determina o que se pode, ou não, fazer dentro da unidade, e como fazê-lo.
Litoral de Santa Catarina é desfigurado pela especulação imobiliária
Enquanto isso o litoral de Santa Catarina é fustigado de forma impiedosa pela especulação imobiliária.
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Apesar de ter algumas das praias mais bonitas do País, a grande maioria está desfigurada pela especulação imobiliária. Entre as mais deformadas podemos citar Garopaba, Guarda do Embaú, praia do Rosa, ou a Barra do Ibiraquera.
Falta de saneamento básico é igual à poluição marinha
O superadensamento é um fato, assim como a falta de saneamento básico. A consequência? Poluição das águas.
Apenas um fiscal na APA para cuidar de 130 km de praias
Além disso, na época de nossa visita a UC tinha apenas um fiscal. Acontece que uma das atribuições da UC, de acordo com o decreto de criação, é “ordenar o uso do solo”. Como controlar uma área enorme, 156 mil hectares, com 130 km de costa como é o caso desta APA que abrange nove municípios, com apenas um fiscal?
Os problemas se avolumam na APA da Baleia Franca
Não à toa, registramos uma montanha de problemas além da especulação, entre eles, na Lagoa do Camacho, entre Laguna e Jaguaruna, mineradoras extraíam conchas de calcário.
Em Balneário do Rincão havia um megaloteamento em áreas de campos de dunas, consideradas APPs pelo Código Florestal (Áreas de Preservação Permanente, onde construções são restringidas).
Avistagem de baleias é proibida em razão da APA não ter Plano de Manejo
Além disso, a APA que foi criada para a observação de baleias francas que, em sua rota de migração, sobem da Antártica até o litoral de Santa Catarina onde passam o inverno a poucos metros das praias mais badaladas, praticamente não recebia visitantes. Resgato a impressão do diário de bordo de nossa visita: Em 2011, só 3 mil visitantes apareceram. Pudera. Não há divulgação em parte alguma. Não se vê placas mesmo dentro da área da APA ressaltando este aspecto.
Turismo de avistagem de baleias movimenta 13 milhões de pessoas em 119 países
Enquanto isso ocorria no Brasil por pura omissão, a ONG IFAW–International Fund for Animal Welfare calculava que “na mesma época o turismo de observação de baleias gerava dois bilhões de dólares, movimentando 13 milhões de pessoas, em 119 países diferentes, todos os anos.
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Por todos estes problemas, desde 2013 a Justiça Federal suspendeu a observação de baleias francas com uso de embarcações na APA.
Coroando este processo de abandono, agora os incríveis botos de Laguna estão na rota da inexorável extinção.
Poderia ser diferente?
Abaixo-assinado Salvem os golfinhos de Laguna!
Para encerrar, e antes de ver o filme, saiba que os ambientalistas da região fizeram um abaixo-assinado para pressionar as autoridades a agirem. Clique aqui para assinar em favor dos botos pescadores.
Assista ao vídeo da Sea Sheperd Brasil em Laguna e saiba mais
Imagem de abertura: http://www.tvkweb.com.br/
Fontes: https://brasil.oceana.org/pt-br/marine-life/mamiferos/golfinho-nariz-de-garrafa; http://www.tvkweb.com.br/2019/03/15/pesca-artesanal-com-botos-e-patrimonio-cultural-imaterial-de-santa-catarina/; https://www.laguna.sc.gov.br/cms/pagina/ver/codMapaItem/137693; https://www.change.org/p/minist%C3%A9rio-p%C3%BAblico-federal-de-santa-catarina-salvem-os-golfinhos-de-laguna?use_react=false.