Atafona (RJ), tragada pelo mar, e o Paraíba do Sul
Atafona, distrito de São João da Barra, no litoral norte fluminense, sofre com o avanço do mar. Não é a única no Brasil, mas está entre as mais atingidas pela erosão costeira — um processo natural que se agrava com o aumento do nível do mar, os eventos extremos cada vez mais frequentes e a ocupação desordenada, muito próxima da areia da praia. Localizada na foz do Paraíba do Sul, pouco antes de uma mudança de curso do litoral brasileiro, Atafona integra a lista da ONU das 31 regiões mais ameaçadas pela elevação do mar.
O início do processo de erosão em Atafona
Atafona, um antigo vilarejo de pesca que se transformou em balneário, começou a sofrer o processo de erosão nos anos 50 do século passado. Mas ele se intensificou com o passar do tempo, o aumento do nível do mar, e sua localização especial na foz de um rio bastante alterado pela ação humana.
Como grande parte das cidades antigas, Atafona foi fundada por pescadores oriundos de Cabo Frio no século 17. A cidade foi erguida às margens do rio, à beira-mar.
O Paraíba do Sul, assoreado e alterado, já não leva sedimentos ao mar como antes. Além disso, construções erguidas sobre dunas e restingas, muito próximas da faixa de areia, bloquearam a reposição natural da areia perdida com ondas e ressacas. O resultado foi uma erosão cada vez mais intensa, agora agravada pelos eventos extremos. Hoje, a média chega a três metros de terra engolidos por ano. Se nada mudar, parte da área urbana pode desaparecer em menos de 30 anos.
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Ilhabela em último lugar no ranking de turismo 2025Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaSegundo estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Universidade Federal Fluminense, “A velocidade com que a erosão tem atuado na área de estudos chega a alcançar uma taxa de 7,8m/ano, em pontos mais críticos, próximos ao pontal arenoso, imediatamente na parte meridional da foz do rio Paraíba do Sul.”
“Os primeiros registros de que se tem notícia da erosão em Atafona datam de 1954, na Ilha da Convivência, que hoje já foi praticamente engolida e seus habitantes forçados a deixarem suas casas e buscar moradia em outros lugares.”
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Duas mil pessoas já foram atingidas e 500 casas atingidas
“Na praia de Atafona o evento veio a ocorrer cerca de cinco anos depois, mas a destruição se intensificou na década de 1970 e não parou até os dias de hoje. A Prefeitura de São João da Barra calcula que o avanço do mar já destruiu 500 residências e comércios. Moradores e pesquisadores estimam que este número pode ser ainda maior. E que o número de pessoas forçadas a se deslocarem, inclusive migrando para outras cidades ou estados, tenha passado das 2 mil.”
O litoral é um espaço frágil e essencial para a biodiversidade, que sofre naturalmente com processos de erosão. Ventos, ondas, ressacas e correntes marinhas estão entre os protagonistas.
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Cores do Lagamar, um espectro de esperançaBelém faz história: COP30 celebra o oceanoMudança climática, oceanos e as três verdades de Bill GatesPor isso, a faixa próxima à areia das praias deveria permanecer livre de construções para garantir a reposição da areia perdida. Mas no Brasil acontece o contrário. Hoje, a erosão costeira já atinge 60% do litoral do país, engolindo cidades inteiras ou as chamadas ‘casas pé na areia’, fruto de um equívoco comum entre brasileiros.”
O rio Paraíba do Sul
Atafona fica na foz do Paraíba do Sul, rio de 1.130 km que nasce em São Paulo, atravessa Minas e deságua no Atlântico. No passado, suas margens eram cobertas pela Mata Atlântica
O Paraíba do Sul, antes caudaloso, despejava no oceano não só grande volume de água doce, mas também enormes quantidades de sedimentos. As ondas levavam esse material de volta para a praia e garantiam a reposição natural da areia. Com a destruição das matas ciliares e o assoreamento, o rio perdeu força, passou a carregar menos sedimentos e reduziu a vazão para o mar, agravando a erosão costeira
Hoje ela é de 250m³ por segundo. De acordo com o Comitê da Bacia do Paraíba, o ideal seria uma vazão de 500m³ a 800m³ por segundo. O processo de erosão na região em função das alterações no rio, além dos outros fatores, é o mesmo que se vê na foz do São Francisco.
Reservatórios para usinas hidrelétricas
A pá de cal foi a construção de reservatórios de usinas hidrelétricas, como Paraibuna, Santa Branca e Funil. Com isso, menos água passou a descer até à foz. Não deu outra. Segundo o estudo mencionado, “aparentemente, o fator que provoca erosão em Atafona é o desequilíbrio do balanço entre o aporte sedimentar e a deriva litorânea.”
Desvio do curso do rio
O site da Agência Nacional de Águas confirma outra obra que levou à diminuição da vazão. “Além disso, se destaca também pelos acentuados conflitos de usos múltiplos da água e pelo peculiar desvio das águas para a bacia hidrográfica do rio Guandu, com a finalidade de gerar energia e abastecer a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.”
O perigo do Paraíba do Sul se transformar numa lagoa
De acordo com o ambientalista Aristides Soffiati, em declaração ao site Folha 1(2019), “sem uma reversão, o caso será comparado ao do rio Colorado, nos Estados Unidos, que, após muitas intervenções teve a foz fechada transformando-se em “uma imensa lagoa”.
Em 2019, a barra de Atafona se fechou com o acúmulo de areia. Esse processo afetou a vida dos moradores, milhares perderam suas casas e a economia local sofreu, já que a pesca — uma das principais atividades — ficou seriamente comprometida pela falta d’água no rio.
Hoje, o encontro do Paraíba do Sul com o Atlântico acontece na praia de Gargaú, em São Francisco de Itabapoana. Enquanto isso, os cerca de 500 pescadores da colônia Z-2 de Atafona reclamam que só conseguem sair para o mar em marés muito altas.
Influência da Amazônia e aquecimento global
Para Soffiati, para além dos problemas apontados, “a água do Sudeste depende da evaporação da floresta Amazônica. É ali que nascem as nuvens que vão virar chuva no Sudeste, Sul e até Argentina. São os chamados rios voadores, são rios que vêm pelas nuvens, se condensam e levam chuvas à região.”
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Esta mesma perda de força dos rios voadores, em conjunto com o aquecimento global, foi a causa da seca brutal no Pantanal em 2020, e consequente aumento das queimadas. O cientista Ricardo Galvão explicou em podcast a este site.
Para Soffiati, a perda florestal da Amazônia resultou em menos chuva na região. Isso, aliado às transformações do rio, e o corte da vegetação, justificam o assoreamento, e até o fechamento da barra. “Enquanto a água doce escasseia, o mar sobe de forma violenta e fecha barra de rio e produz dunas.”
O Paraíba do Sul está morrendo
Os problemas não se concentram apenas na foz, mas avançam para o interior. Segundo o jornal Terceira Via, o Comitê de Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana aponta vários efeitos: aumento da salinidade na Baixada Campista, redução do lençol freático e queda do potencial agrícola pela menor capacidade de produção de alimentos. A região também sofre com menos água para dessedentação de animais, elevação da salinidade do lençol freático e maior concentração de sais devido à evaporação e à baixa renovação das águas em canais e lagoas. Por fim, a eutrofização se acentuou em toda a rede de canais da baixada, também alimentada pelo Paraíba
Que a triste realidade de Atafona sirva de lição antes de novas intervenções humanas na zona costeira.
Assista ao vídeo e veja a destruição em Atafona
Imagem de abertura: Larissa Muylaert
Fontes: https://www.ana.gov.br/sala-de-situacao/paraiba-do-sul/paraiba-do-sul-saiba-mais; http://lsie.unb.br/ugb/sinageo/6/6/288.pdf; https://www.jornalterceiravia.com.br/2020/01/12/mudanca-da-foz-retrata-problemas-enfrentados-pelo-paraiba-ha-decadas/.