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Alter do Chão, Pará, onde a praia encontra a mata

Alter do Chão, Pará, onde a praia encontra a mata

O nome é português, como o são os das cidades próximas como Santarém, da qual ela é um distrito, e até a capital do Estado, Belém. ‘O topônimo Alter do Chão refere-se ao local plano onde se formou’. A cidade  é fruto da primeira política pública do poder central, então a Coroa Portuguesa que, no século 17, decide finalmente tomar posse do território invadido por ingleses, franceses, holandeses e espanhóis.

Portugal resolveu a parada organizando expedições, construindo fortes e fortins em locais estratégicos, erguendo vilas e protegendo-as  para impedir que as ‘drogas do sertão’ apreciadas na Europa acabassem fazendo com que aventureiros  se fixassem. Assim surgiram Belém (1616), Manaus (1669), Santarém (então Aldeia do Tapajós, 1639), e Alter do Chão, entre muitas outras.

As gaiolas na praia de Alter do Chão.

Alter do Chão, Pará, onde a praia encontra a mata

Antigo assentamento da etnia Borari às margens do rio Tapajós, Alter do Chão foi fundada pela expedição de Pedro de Teixeira em 1626. Até o século 18 era habitada pelos Boraris mas, aos poucos, o contato com os europeus deu cabo dos indígenas.

Pescadores passaram a ser os principais habitantes. No século 20 Alter do Chão teve um pico de progresso quando passa a ser rota de escoamento do látex extraído do sonho de Henri Ford, a Fordlândia, instalada em 1928 no município de Aveiro, às margens do Tapajós.

Milhares de igarapés.

Não durou muito. Nos anos 50 do século passado a borracha oriunda da Amazônia já havia ficado para trás. Alter voltou a estagnar até que, aos poucos, sua vocação natural para o turismo despontou a partir dos anos 90.

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Quase vitória régia.

Atualmente é o motor da economia da pequena vila com cerca de 6 mil habitantes. Mas não espere grandes hotéis ou resorts, há apenas pousadas e pequenos hotéis familiares.

A vila em si não é o atrativo; pequena e acanhada, o que impressiona e leva turistas até Alter do Chão (em 2018 foram 190 mil) é a infinidade de praias que surgem ao longo do Tapajós e afluentes próximos durante o período da seca, o verão amazônico, que vai de maio, junho, até novembro.

E há outra charmosa herança lusitana além dos topônimos. O modo com que a população fala o português. A segunda pessoa do singular, ‘tu’, ainda é o pronome mais usado, além de outros refinamentos não ouvidos no Sudeste.

Água ao lado, em cima, e embaixo

Ao lado, em forma de rios com o Tapajós e seus afluentes. Em cima, em forma de vapor produzido pela ‘respiração da floresta’. Embaixo, via o aquífero de Alter do Chão, um verdadeiro ‘oceano subterrâneo’ de água doce.

As praias do Arapiuns e os rios voadores em cima.

É o maior aquífero do mundo com uma reserva de água cujo volume é de cerca de 160 trilhões de metros cúbicos. O total é 3,5 vezes maior do que o do Aquífero Guarani.

O aquífero Alter do Chão se estende pelos Estados do Pará, Amapá e Amazonas.

Os rios voadores

Em um único dia uma árvore com uma copa de 10 metros pode bombear mais de 300 litros de água para a atmosfera. Calcula-se que haja cerca de 600 bilhões de árvores na Amazônia. Isso dá a dimensão da água bombeada a cada 24 horas.

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Talha-mares em voo.

Por sua extensão e propriedades, a Amazônia influencia regime de chuvas em toda a América do Sul, e  contribui para estabilizar o clima global.

De barco pelo Tapajós e afluentes

Esta é a melhor maneira de conhecer a região. Alugar um barco em Alter do Chão e fazer um cruzeiro pelos rios e praias da região. Há desde grandes iates que devem ser alugados por um grupo, até as famosas gaiolas onde você pode comprar o espaço para uma rede que será sua cama durante a jornada.

No primeiro caso você terá todo o conforto possível, com ar condicionado, e boas cabines com banheiro privativo. Ou, num esquema mais barato, alugar o espaço numa gaiola e fazer o mesmo roteiro sem no entanto tanto conforto.

O que vale mesmo em Alter do Chão é a beleza das paisagens, a água clara do Tapajós, e uma infinidade de praias à sua escolha.

Gaiola no rio Arapiuns.

Por carregar poucos sedimentos o Tapajós tem águas cristalinas e, dependendo da insolação, suas águas tornam-se azuladas lembrando as do mar. A impressão de navegar no oceano é reforçada pelas praias que surgem a cada milha. Mas nem tudo são rosas.

O rio Tapajós

O rio Tapajós é formado pela confluência do rio Teles Pires com o rio Juruena, em Barra de São Manuel na fronteira entre Pará e Mato Grosso, e percorre uma extensão de aproximadamente 800 km até desaguar no Amazonas.

As gaiolas no Tapajós.

No século 19, com o aumento da demanda internacional de borracha, a ocupação da bacia do Tapajós se consolidou. A região passou a ser explorada por seringalistas – ciclo da borracha – que utilizavam os indígenas, no primeiro momento, como mão de obra semi-escrava e que mais tarde foram substituídos por imigrantes nordestinos.

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A riqueza e, ao mesmo tempo, a ameaça

A maior reserva aurífera do mundo está na bacia do rio Tapájós e vem sendo explorada com garimpagem manual desde o final da década de 1950. Isso levou o Ministério das Minas e Energia (MME) a criar, em 1983, a Reserva Garimpeira do Tapajós, com uma área aproximada de 28.745 km². O ouro é o mineral mais cobiçado na bacia do Tapajós.

Na seca os bois ficam em paz, na cheia são levados para ligares mais altos.

A exploração mineral com o garimpo de ouro tem sido o maior problema ambiental na bacia do Tapajós. Antes de fazer esta viagem pesquisei e encontrei o artigo O Rio Tapajós está morrendo, do portal Saneamento Básico, publicado em 2016.

Riquezas minerais e excesso de barragens

Motivos dos problemas? Riquezas minerais e excesso de barragens: ‘O Rio Tapajós, um dos grandes da bacia amazônica está morrendo. Morrendo de mau uso de suas águas, cortadas por uma infinidade de represas que alteram seu fluxo e dificultam a vida marinha, do solo que banha, destruído pela mineração, contaminado por agrotóxicos, mercúrio e esgoto. A contaminação no Tapajós já percorreu os 700 km do rio e chegou à foz, em Santarém’.

Mais uma pequena comunidade às margens do Tapajós.

Mais uma vez nossa ação se mostra desastrada. Antes mesmo do turismo se desenvolver ao ponto de promover uma real melhoria de vida, gerando empregos e renda, já está ameaçado.

“Agora tudo isso acaba, morre – o rio está contaminado de metilmercúrio, barro, mercúrio, cianeto, sabões, detergentes, graxas e combustíveis. Os poucos cardumes que ainda se podem ver em suas águas, também. A maior parte do rio já não tem peixes – a ictiofauna não resistiu ao aumento imensurável da lama resultante das movimentações de terras da construção de 43 hidrelétricas por ele espalhadas.”

Hidrovia Tapajós – Teles Pires

Apesar dos problemas já apontados, o governo prevê a criação desta hidrovia que sairá do Mato Grosso e seguirá por 843 km de extensão até a  sua foz, em Santarém. É por ela que os produtores escoarão a soja, principal commodity do agronegócio, até os portos de embarque para o exterior em Belém ou mesmo Manaus.

Furo do Jari, próximo a Santarém.

A hidrovia é planejada para abranger todo o comprimento do rio, onde suporta a navegação de comboio com comprimento de 200 metros, 24 metros de boca, e calado mínimo de 1,50 metros, podendo alcançar 2,50 metros na época das águas altas, com uma capacidade de carga de 7.500 ton por comboio.

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Refletir e discutir nossas ações

Mesmo com esta série não pequena de problemas, ainda vale a pena conhecer a região e refletir se nossas ações continuarão a prejudicar o que resta da maior floresta úmida do planeta, maltratada desde os anos 70 do século passado quando começou efetivamente a quarta e última política pública para a Amazônia, Integrar para não entregar, ao tempo dos militares no poder.

Foi a partir dela que pipocaram imensas rodovias que saiam de lugar nenhum e chegavam a local algum, mas que deram aos grileiros e desmatadores a infraestrutura necessária para o início da devastação.

Comunidade no Tapajós.

Foi com o advento destas estradas que máquinas pesadas puderam começar o processo de desmatamento em grande escala. Hoje, como se sabe, 20% da floresta foi para o saco, outros 20% estão bastante degradados o que apressa a possível ‘savanização’ da Amazônia.

Os planos para novas hidrovias e barragens para hidrelétricas podem ser importantes para a economia, sem dúvida o são, mas também podem apressar o fim. É preciso uma discussão mais ampla sobre o destino da Amazônia.

Por um lado temos setores importantes da economia, como o agronegócio, que precisa de fato de maior infraestrutura para crescer ainda mais. Por outro, há os planos da academia que propõem o desenvolvimento sustentável da Amazônia mas são ignorados pelo governo.

Bacia do Tapajós

Mas há obstáculos no caminho da hidrovia. Na bacia do  Tapajós encontram-se 35 Terras Indígenas, 27 Unidades de Conservação (9 de Proteção Integral e 18 de Uso Sustentável), 238 Assentamentos do INCRA.

E, segundo artigo da ativista ambiental Telma Monteiro, ‘por cima desses povos indígenas, populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o Plano Hidroviário Estratégico pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e fertilizantes, em 2031′.

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Mais uma comunidade ao longo de nossa rota. Tão longe e, ao mesmo tempo, tão perto.

A autora diz que ‘organizações não governamentais, comunidades ribeirinhas, pescadores, que serão atingidos, povos indígenas, ambientalistas, pesquisadores e demais grupos que representam o outro lado da sociedade que não é empresa e nem governo, não foram ouvidos’.

E acrescenta: ‘Só com a construção de um conjunto de hidrelétricas planejado para a bacia hidrográfica do rio Tapajós será possível viabilizar as hidrovias, portos industriais e as estradas de acesso. Todo esse aparato logístico que está no PHE afetará diretamente unidades de conservação e terras indígenas, populações tradicionais, o ecossistema, o clima’.

O aquecimento global e a Amazônia

Sobre mais esta polêmica no Tapajós fica a impressão de que é preciso mais que nunca discutir amplamente a questão da ocupação econômica da Amazônia. Até hoje o Brasil não tem um plano para tanto. Mas ninguém duvida da importância que a floresta tem sobre o clima no planeta.

As florestas tropicais são as mais importantes do ponto de vista da biodiversidade e como sumidouro de gás carbônico, um dos vilões do aquecimento. Mas, ao mesmo tempo, 25 milhões de pessoas moram no que conhecemos como Amazônia Legal. E a maioria leva uma vida miserável, sobrevivendo de subempregos, ou dos produtos que a mata lhes dá.

Paraty ou Alter do Chão?

Portanto, apenas combater o desmate e queimadas ilegais, mantendo o que resta da floresta em pé não é suficiente. Os 25 milhões de moradores merecem destino melhor. É imperativo que o poder público amplie a discussão de uma política eficaz em vez de fechá-la ou impedi-la como acontece.

No momento em que a ONU pede que todos os países declarem emergência climática, e que o mundo finalmente acorda do pesadelo representado por nosso estilo insustentável de vida com várias das maiores economias mundiais prometendo a neutralidade para breve, a Amazônia e o que acontece nela é naturalmente uma preocupação mundial.

Que tal um destes?

Esqueça os complexos

Mas esqueça os complexos de perseguição disseminados por quem não compreende o momento dramático que vivemos. A Amazônia chama tanto a atenção como o acelerado aquecimento do Ártico ou da Antártica, e o derretimento das geleiras mundo afora. A desertificação, o desaparecimento de habitats e, especialmente, a rapidez da perda mundial da biodiversidade que suporta a vida humana.

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A Amazônia é apenas mais um dos grandes hotspots do globo ameaçados. E por seus serviços sistêmicos, e a percepção que não podemos prosseguir nesta relação suicida com o meio ambiente, o descaso governamental com ela é o real motivo da atenção mundial.

Breve viagem pelo Tapajós

Uma viagem ainda que breve pelo Tapajós e arredores nos dá uma amostra da complexidade da questão. Como trazer benefícios aos 25 milhões de esquecidos em suas entranhas, e ao mesmo tempo manter o que resta da floresta em pé, é a grande questão do momento e do futuro próximo.

O furo do Jari liga o Tapajós ao Amazonas.

Basta sair de Alter do Chão e navegar poucas milhas pelo Tapajós para começarmos a encontrar dezenas de comunidades estabelecidas nas margens vivendo em condições miseráveis, sem luz elétrica, escolas ou postos de saúde, sobrevivendo da pesca, da caça, e da venda de artesanato, no máximo.

E isso a 30 quilômetros de Santarém (300.000 hab.), o terceiro maior município do Estado depois de Belém (1.492.745), e Ananindeua (530. 598).

Polarização prejudica

A discussão necessária não se resolve apenas com a polarização disseminada nas redes sociais, recheadas com acusações ora contra ambientalistas, ora contra o agronegócio.

Ambos são importantes, formados por gente da melhor, e da pior qualidade. É preciso ampliar a discussão, esquecer o dualismo inócuo e paralisante. O desafio é imenso e exige a participação de todos: dos cidadãos interessados, até empresários, indústria, o poder público, e a academia.

Uááu, que sono…Dormitório de garças.

Na opinião deste site, talvez seja o maior problema brasileiro. Os outros e inúmeros já têm uma solução discutida à vista, como as reformas estruturais, a diminuição do inchado e ineficiente Estado, a abertura da economia, as deficiências da infraestrutura e da educação, a incorporação da tecnologia, o ganho de produtividade, etc.

A Amazônia, entretanto, continua sem um plano que permita seu desenvolvimento econômico mantendo a floresta em pé. Uma viagem como a sugerida encanta os olhos, ‘lava a alma’, e contribui para uma reflexão mais profunda sobre o desafio que temos pela frente.

Fontes: https://saneamentobasico.com.br/o-rio-tapajos-esta-morrendo/; http://www.ihu.unisinos.br/170-noticias/noticias-2014/538197-hidrovias-e-hidreletricas-na-bacia-do-rio-tapajos-o-ultimo-passo-para-desintegrar-a-amazonia; https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/aquaviario/hidrovia-do-tapajos-teles-pires#:~:text=Possui%20843%20km%20de%20extens%C3%A3o,km%20de%20Manaus%20(AM).

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