Alter do Chão, Pará, onde a praia encontra a mata
O nome é português, como o são os das cidades próximas como Santarém, da qual ela é um distrito, e até a capital do Estado, Belém. ‘O topônimo Alter do Chão refere-se ao local plano onde se formou’. A cidade é fruto da primeira política pública do poder central, então a Coroa Portuguesa que, no século 17, decide finalmente tomar posse do território invadido por ingleses, franceses, holandeses e espanhóis.
Portugal resolveu a parada organizando expedições, construindo fortes e fortins em locais estratégicos, erguendo vilas e protegendo-as para impedir que as ‘drogas do sertão’ apreciadas na Europa acabassem fazendo com que aventureiros se fixassem. Assim surgiram Belém (1616), Manaus (1669), Santarém (então Aldeia do Tapajós, 1639), e Alter do Chão, entre muitas outras.
Alter do Chão, Pará, onde a praia encontra a mata
Antigo assentamento da etnia Borari às margens do rio Tapajós, Alter do Chão foi fundada pela expedição de Pedro de Teixeira em 1626. Até o século 18 era habitada pelos Boraris mas, aos poucos, o contato com os europeus deu cabo dos indígenas.
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Não durou muito. Nos anos 50 do século passado a borracha oriunda da Amazônia já havia ficado para trás. Alter voltou a estagnar até que, aos poucos, sua vocação natural para o turismo despontou a partir dos anos 90.
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Atualmente é o motor da economia da pequena vila com cerca de 6 mil habitantes. Mas não espere grandes hotéis ou resorts, há apenas pousadas e pequenos hotéis familiares.
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E há outra charmosa herança lusitana além dos topônimos. O modo com que a população fala o português. A segunda pessoa do singular, ‘tu’, ainda é o pronome mais usado, além de outros refinamentos não ouvidos no Sudeste.
Água ao lado, em cima, e embaixo
Ao lado, em forma de rios com o Tapajós e seus afluentes. Em cima, em forma de vapor produzido pela ‘respiração da floresta’. Embaixo, via o aquífero de Alter do Chão, um verdadeiro ‘oceano subterrâneo’ de água doce.
É o maior aquífero do mundo com uma reserva de água cujo volume é de cerca de 160 trilhões de metros cúbicos. O total é 3,5 vezes maior do que o do Aquífero Guarani.
O aquífero Alter do Chão se estende pelos Estados do Pará, Amapá e Amazonas.
Os rios voadores
Em um único dia uma árvore com uma copa de 10 metros pode bombear mais de 300 litros de água para a atmosfera. Calcula-se que haja cerca de 600 bilhões de árvores na Amazônia. Isso dá a dimensão da água bombeada a cada 24 horas.
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Por sua extensão e propriedades, a Amazônia influencia regime de chuvas em toda a América do Sul, e contribui para estabilizar o clima global.
De barco pelo Tapajós e afluentes
Esta é a melhor maneira de conhecer a região. Alugar um barco em Alter do Chão e fazer um cruzeiro pelos rios e praias da região. Há desde grandes iates que devem ser alugados por um grupo, até as famosas gaiolas onde você pode comprar o espaço para uma rede que será sua cama durante a jornada.
No primeiro caso você terá todo o conforto possível, com ar condicionado, e boas cabines com banheiro privativo. Ou, num esquema mais barato, alugar o espaço numa gaiola e fazer o mesmo roteiro sem no entanto tanto conforto.
O que vale mesmo em Alter do Chão é a beleza das paisagens, a água clara do Tapajós, e uma infinidade de praias à sua escolha.
Por carregar poucos sedimentos o Tapajós tem águas cristalinas e, dependendo da insolação, suas águas tornam-se azuladas lembrando as do mar. A impressão de navegar no oceano é reforçada pelas praias que surgem a cada milha. Mas nem tudo são rosas.
O rio Tapajós
O rio Tapajós é formado pela confluência do rio Teles Pires com o rio Juruena, em Barra de São Manuel na fronteira entre Pará e Mato Grosso, e percorre uma extensão de aproximadamente 800 km até desaguar no Amazonas.
No século 19, com o aumento da demanda internacional de borracha, a ocupação da bacia do Tapajós se consolidou. A região passou a ser explorada por seringalistas – ciclo da borracha – que utilizavam os indígenas, no primeiro momento, como mão de obra semi-escrava e que mais tarde foram substituídos por imigrantes nordestinos.
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A riqueza e, ao mesmo tempo, a ameaça
A maior reserva aurífera do mundo está na bacia do rio Tapájós e vem sendo explorada com garimpagem manual desde o final da década de 1950. Isso levou o Ministério das Minas e Energia (MME) a criar, em 1983, a Reserva Garimpeira do Tapajós, com uma área aproximada de 28.745 km². O ouro é o mineral mais cobiçado na bacia do Tapajós.
A exploração mineral com o garimpo de ouro tem sido o maior problema ambiental na bacia do Tapajós. Antes de fazer esta viagem pesquisei e encontrei o artigo O Rio Tapajós está morrendo, do portal Saneamento Básico, publicado em 2016.
Riquezas minerais e excesso de barragens
Motivos dos problemas? Riquezas minerais e excesso de barragens: ‘O Rio Tapajós, um dos grandes da bacia amazônica está morrendo. Morrendo de mau uso de suas águas, cortadas por uma infinidade de represas que alteram seu fluxo e dificultam a vida marinha, do solo que banha, destruído pela mineração, contaminado por agrotóxicos, mercúrio e esgoto. A contaminação no Tapajós já percorreu os 700 km do rio e chegou à foz, em Santarém’.
Mais uma vez nossa ação se mostra desastrada. Antes mesmo do turismo se desenvolver ao ponto de promover uma real melhoria de vida, gerando empregos e renda, já está ameaçado.
“Agora tudo isso acaba, morre – o rio está contaminado de metilmercúrio, barro, mercúrio, cianeto, sabões, detergentes, graxas e combustíveis. Os poucos cardumes que ainda se podem ver em suas águas, também. A maior parte do rio já não tem peixes – a ictiofauna não resistiu ao aumento imensurável da lama resultante das movimentações de terras da construção de 43 hidrelétricas por ele espalhadas.”
Hidrovia Tapajós – Teles Pires
Apesar dos problemas já apontados, o governo prevê a criação desta hidrovia que sairá do Mato Grosso e seguirá por 843 km de extensão até a sua foz, em Santarém. É por ela que os produtores escoarão a soja, principal commodity do agronegócio, até os portos de embarque para o exterior em Belém ou mesmo Manaus.
A hidrovia é planejada para abranger todo o comprimento do rio, onde suporta a navegação de comboio com comprimento de 200 metros, 24 metros de boca, e calado mínimo de 1,50 metros, podendo alcançar 2,50 metros na época das águas altas, com uma capacidade de carga de 7.500 ton por comboio.
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Refletir e discutir nossas ações
Mesmo com esta série não pequena de problemas, ainda vale a pena conhecer a região e refletir se nossas ações continuarão a prejudicar o que resta da maior floresta úmida do planeta, maltratada desde os anos 70 do século passado quando começou efetivamente a quarta e última política pública para a Amazônia, Integrar para não entregar, ao tempo dos militares no poder.
Foi a partir dela que pipocaram imensas rodovias que saiam de lugar nenhum e chegavam a local algum, mas que deram aos grileiros e desmatadores a infraestrutura necessária para o início da devastação.
Foi com o advento destas estradas que máquinas pesadas puderam começar o processo de desmatamento em grande escala. Hoje, como se sabe, 20% da floresta foi para o saco, outros 20% estão bastante degradados o que apressa a possível ‘savanização’ da Amazônia.
Os planos para novas hidrovias e barragens para hidrelétricas podem ser importantes para a economia, sem dúvida o são, mas também podem apressar o fim. É preciso uma discussão mais ampla sobre o destino da Amazônia.
Por um lado temos setores importantes da economia, como o agronegócio, que precisa de fato de maior infraestrutura para crescer ainda mais. Por outro, há os planos da academia que propõem o desenvolvimento sustentável da Amazônia mas são ignorados pelo governo.
Bacia do Tapajós
Mas há obstáculos no caminho da hidrovia. Na bacia do Tapajós encontram-se 35 Terras Indígenas, 27 Unidades de Conservação (9 de Proteção Integral e 18 de Uso Sustentável), 238 Assentamentos do INCRA.
E, segundo artigo da ativista ambiental Telma Monteiro, ‘por cima desses povos indígenas, populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o Plano Hidroviário Estratégico pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e fertilizantes, em 2031′.
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A autora diz que ‘organizações não governamentais, comunidades ribeirinhas, pescadores, que serão atingidos, povos indígenas, ambientalistas, pesquisadores e demais grupos que representam o outro lado da sociedade que não é empresa e nem governo, não foram ouvidos’.
E acrescenta: ‘Só com a construção de um conjunto de hidrelétricas planejado para a bacia hidrográfica do rio Tapajós será possível viabilizar as hidrovias, portos industriais e as estradas de acesso. Todo esse aparato logístico que está no PHE afetará diretamente unidades de conservação e terras indígenas, populações tradicionais, o ecossistema, o clima’.
O aquecimento global e a Amazônia
Sobre mais esta polêmica no Tapajós fica a impressão de que é preciso mais que nunca discutir amplamente a questão da ocupação econômica da Amazônia. Até hoje o Brasil não tem um plano para tanto. Mas ninguém duvida da importância que a floresta tem sobre o clima no planeta.
As florestas tropicais são as mais importantes do ponto de vista da biodiversidade e como sumidouro de gás carbônico, um dos vilões do aquecimento. Mas, ao mesmo tempo, 25 milhões de pessoas moram no que conhecemos como Amazônia Legal. E a maioria leva uma vida miserável, sobrevivendo de subempregos, ou dos produtos que a mata lhes dá.
Portanto, apenas combater o desmate e queimadas ilegais, mantendo o que resta da floresta em pé não é suficiente. Os 25 milhões de moradores merecem destino melhor. É imperativo que o poder público amplie a discussão de uma política eficaz em vez de fechá-la ou impedi-la como acontece.
No momento em que a ONU pede que todos os países declarem emergência climática, e que o mundo finalmente acorda do pesadelo representado por nosso estilo insustentável de vida com várias das maiores economias mundiais prometendo a neutralidade para breve, a Amazônia e o que acontece nela é naturalmente uma preocupação mundial.
Esqueça os complexos
Mas esqueça os complexos de perseguição disseminados por quem não compreende o momento dramático que vivemos. A Amazônia chama tanto a atenção como o acelerado aquecimento do Ártico ou da Antártica, e o derretimento das geleiras mundo afora. A desertificação, o desaparecimento de habitats e, especialmente, a rapidez da perda mundial da biodiversidade que suporta a vida humana.
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A Amazônia é apenas mais um dos grandes hotspots do globo ameaçados. E por seus serviços sistêmicos, e a percepção que não podemos prosseguir nesta relação suicida com o meio ambiente, o descaso governamental com ela é o real motivo da atenção mundial.
Breve viagem pelo Tapajós
Uma viagem ainda que breve pelo Tapajós e arredores nos dá uma amostra da complexidade da questão. Como trazer benefícios aos 25 milhões de esquecidos em suas entranhas, e ao mesmo tempo manter o que resta da floresta em pé, é a grande questão do momento e do futuro próximo.
Basta sair de Alter do Chão e navegar poucas milhas pelo Tapajós para começarmos a encontrar dezenas de comunidades estabelecidas nas margens vivendo em condições miseráveis, sem luz elétrica, escolas ou postos de saúde, sobrevivendo da pesca, da caça, e da venda de artesanato, no máximo.
E isso a 30 quilômetros de Santarém (300.000 hab.), o terceiro maior município do Estado depois de Belém (1.492.745), e Ananindeua (530. 598).
Polarização prejudica
A discussão necessária não se resolve apenas com a polarização disseminada nas redes sociais, recheadas com acusações ora contra ambientalistas, ora contra o agronegócio.
Ambos são importantes, formados por gente da melhor, e da pior qualidade. É preciso ampliar a discussão, esquecer o dualismo inócuo e paralisante. O desafio é imenso e exige a participação de todos: dos cidadãos interessados, até empresários, indústria, o poder público, e a academia.
Na opinião deste site, talvez seja o maior problema brasileiro. Os outros e inúmeros já têm uma solução discutida à vista, como as reformas estruturais, a diminuição do inchado e ineficiente Estado, a abertura da economia, as deficiências da infraestrutura e da educação, a incorporação da tecnologia, o ganho de produtividade, etc.
A Amazônia, entretanto, continua sem um plano que permita seu desenvolvimento econômico mantendo a floresta em pé. Uma viagem como a sugerida encanta os olhos, ‘lava a alma’, e contribui para uma reflexão mais profunda sobre o desafio que temos pela frente.
Fontes: https://saneamentobasico.com.br/o-rio-tapajos-esta-morrendo/; http://www.ihu.unisinos.br/170-noticias/noticias-2014/538197-hidrovias-e-hidreletricas-na-bacia-do-rio-tapajos-o-ultimo-passo-para-desintegrar-a-amazonia; https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/aquaviario/hidrovia-do-tapajos-teles-pires#:~:text=Possui%20843%20km%20de%20extens%C3%A3o,km%20de%20Manaus%20(AM).