Afonso de Albuquerque, Leão dos Mares luso no Índico
O périplo náutico lusitano nos séculos 15 e 16, que deu ao mundo a ‘cara’ que tem hoje, é pródigo em personagens fantásticos. Do Infante D. Henrique, aos intrépidos navegadores que inscreveram seus nomes numa das mais fantásticas epopeias da humanidade, entre eles Gil Eanes que dobrou o cabo Bojador (litoral do Marrocos) em 1434, abrindo as portas do Atlântico sul aos seus predecessores. Gente como Duarte Pacheco Pereira, para alguns historiadores o verdadeiro descobridor do Brasil; Diogo Cão, imortalizado na obra-prima de Fernando Pessoa, o poema Padrão; Bartolomeu Dias, que ‘abriu o Índico’ facilitando a tarefa de Vasco da Gama, o primeiro a atravessar este até então desconhecido oceano, etc. Um dos mais fascinantes, tido como ‘construtor do Império’ português, foi Afonso de Albuquerque, o Leão dos Mares.
Afonso de Albuquerque, breve perfil
Para o historiador inglês Roger Crowley, autor de Conquistadores, Como Portugal Criou O Primeiro Império Global, já em sua quarta edição, Albuquerque era ‘ferozmente leal ao rei D. Manuel I, cheio de conselhos, infinitamente autoconfiante mas perseguido pelo pecado’.
Para Crowley, ‘um homem incrivelmente inteligente e torturado (que) reitera um núcleo de princípios firmes para dominar o oceano Índico’. E prossegue: ‘No processo, Albuquerque consolidava um conceito revolucionário de império’.
‘A Índia era o projeto de vida de Albuquerque, que foi o primeiro europeu desde Alexandre, o Grande a estabelecer uma presença imperial na Ásia’.
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É este personagem, quase irreal de tão fascinante, que vamos conhecer.
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As diferenças entre o Atlântico Sul, e o Índico, na epopeia lusitana
Ao tempo que os portugueses adentraram o Atlântico Sul, este era um oceano sem presença humana, a não ser no do litoral africano.
A América do Sul era desconhecida, habitada por índios que só se aventuravam ao mar navegando em suas canoas muito próximos da costa. Portanto, a grande dificuldade dos nautas era descobrir o sistema de ventos e correntes do Atlântico Sul, mas sem a preocupação de cruzarem com rivais durante a jornada.
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Mesmo assim do Cabo Bojador, ultrapassado por Gil Eanes em 1434, até o da Boa Esperança cruzado por Bartolomeu Dias em 1488, foram 54 anos de muita ousadia, sofrimento, e audácia, a um custo astronômico, tanto em investimentos para cada expedição como em perdas de vidas humanas.
Mas, depois da viagem de Vasco da Gama que sucedeu a Bartolomeu Dias e chegou até Calecute, na Índia, era preciso alguém que tornasse aquele oceano frequentado e disputado pelo Egipto mameluco, hindus, diversos sultanatos estabelecidos na costa oriental africana, arábica, e na Índia; árabes, muçulmanos, e islâmicos, em um mare clausum português (mar que esteja sob a jurisdição de um país, e vedado a outras nações).
Leão dos Mares luso no Índico
Quem seria o personagem? Afonso de Albuquerque, o Leão dos Mares luso no Índico!
A partir deste ponto, e até o final deste post, as informações são do historiador Roger Crowley. Ao Mar Sem Fim coube a tarefa de selecionar os trechos.
Por isso, e para não cansar o leitor, não usaremos aspas. Algumas vezes, poucas, o texto está entre parêntesis. Adotei este critério para incluir os trechos que tive que complementar para dar sentido ao leitor.
A grande Meretriz da Babilônia
O fato de D. Manuel I ter conseguido chegar à terra prometida da Índia à primeira tentativa foi visto como um milagre, como o início de uma nova era de paz e triunfo cristão…
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Nesse momento específico, o colapso do mundo islâmico parecia iminente, algo que o círculo íntimo da corte de D. Manuel I relacionou criticamente com o Apocalipse bíblico de São João. Eles identificaram a dinastia mameluca do Cairo como a Grande Meretriz da Babilônia, destinada a cair.
Guerra santa como vocação portuguesa
Quanto à guerra santa como vocação portuguesa, promoveram essa ideia em uma ampla frente de batalha. O círculo de conselheiros de D. Manuel I o incentivou a assumir o título de imperador. Duarte Pacheco Pereira se referiu a ele como Cesar Manuel em seu livro sobre os descobrimentos portugueses.
Projeto amplificado dominou o pensamento português
Após 1505, este projeto amplificado dominou o pensamento português durante quinze anos. Os seus arquitetos foram um conluio próximo na corte que mantiveram os planos em segredo, face a muita oposição comercial, à inveja de monarcas rivais e ao antagonismo do sultão mameluco.
Índia, plataforma de ataque
A destruição do bloco islâmico era uma das pedras basilares da sua política, ao ponto de a Índia ser a plataforma para um ataque e não um fim em si mesma. O comércio poderia voltar a ser feito através da rota mais curta e mais segura do mar Vermelho quando este estivesse em mãos cristãs.
Afonso de Albuquerque, ‘O Terrível’, Janeiro de 1506 – janeiro de 1508
Afonso de Albuquerque partilhava a crença de D. Manuel I de que o rei estava destinado por Deus a varrer o Islã do oceano Índico e a reconquistar Jerusalém. Albuquerque seria o instrumento real para o fazer.
A frota das especiarias que estava a ser preparada na primavera de 1506 consistia em quinze navios, sob o comando geral de Tristão da Cunha. Nove destes navios estavam sob a sua autoridade direta, sendo acompanhado por Albuquerque com mais seis.
A Carreira das Índias
O subtítulo Carreira das Índias é de autoria do Mar Sem fim, retomamos o texto do autor a partir do próximo subtítulo.
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Depois do desembarque de Cabral, os nautas perceberam que o Brasil seria a melhor escala para a Carreira das Índias, as longas viagens de comércio que fizeram, a partir do momento que Vasco da Gama cruzou o Cabo da Boa Esperança.
A Carreira das Índias foi uma rota exclusiva por cem anos. Naqueles tempos, as naus e caravelas não duravam muito mais que meses, precisavam ser reparadas na ida ou na volta da viagem.
Qual o melhor local? O mapa de Giovanni Battista Ramusio, Veneza 1556, mostra claramente: o Brasil da fartura de Mata Atlântica em quase todo o litoral.
É apenas mais uma prova da globalização que hoje vivemos, mesmo que os nautas do século 16 não o soubessem: estamos todos interligados, cada vez mais.
Outra das consequências da Carreira da Índia foi a descoberta pelos lusos da maioria das ilhas do Atlântico Sul alterando a geopolítica da época.
Ataques frenéticos pela costa arábica
Albuquerque levou as tripulações sanguinárias em ataques frenéticos pela costa arábica. Os portos pequenos nas costas áridas do atual Omã, após os quais havia apenas os irredutíveis desertos da Arábia, eram surpreendentemente prósperos.
Viviam das exportações de tâmaras, sal e peixe e do comércio lucrativo de cavalos com os senhores da guerra da Índia continental.
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Foi ali, em poucas semanas, que Albuquerque começou a ganhar uma reputação excepcional até entre os conquistadores portugueses, e que lhe daria um lugar na história com o título ímpar de ‘O Terrível’.
A sua frota de navios em mau estado, adornada com todas as suas bandeiras, navegou por todos os portos de Omã exigindo a sua submissão à coroa portuguesa.
Todos os mensageiros eram informados de que não aceitava presentes daqueles contra quem em breve lutaria. Pretendia assustar com sua barba comprida e sua impassibilidade.
Pilharam, assassinaram, e incendiaram
Alguns portos ao longo da costa de Omã renderam-se sem resistência. Outros deram luta e foram saqueados. Magotes de marinheiros libertados das prisões de Lisboa pilharam, assassinaram, e incendiaram.
O terror exemplar era uma arma de guerra que pretendia diminuir a resistência dos portos seguintes… Em cada cidade atacada, a mesquita será sempre destruída.
Albuquerque pretendia aterrorizar os próximos portos. Ordenou que as orelhas e narizes dos muçulmanos capturados fossem cortados e enviados para Ormuz como testemunho da sua desgraça.
O ataque a Ormuz não parece ter feito parte das instruções de D. Manuel I, que ordenara que deveria estabelecer tratados. O porto estava apinhado de navios mercantes quando Albuquerque chegou, mas este agiu como sempre.
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Recusou todos os presentes dos mensageiros. A sua resposta foi simples: ou se tornavam vassalos ou a cidade seria destruída.
O vizir não tardou a render-se
O vizir não tardou a render-se, aceitou D. Manuel I como seu senhor e concordou pagar um tributo anual elevado. Albuquerque ainda tinha afazeres em Ormuz. Insistiu no direito em construir um forte.
Mas houve deserção de vários capitães da frota, diziam que o comandante estava possuído e tinha o Diabo no corpo. Albuquerque ficou furioso. Restavam-lhe dois navios e o cerco a Ormuz teve de ser levantado.
(Enquanto isso, a segunda parte da frota portuguesa, comandada por Almeida – a esta altura vice-rei da Índia – travou uma batalha contra a frota mameluca em Chaul. Foi um desastre para os lusitanos, com muitas mortes, deserções, prisões, etc. Nesta batalha naval o filho do vice-rei, Lourenço Almeida foi morto).
‘A ira dos franges (ocidentais)’, março – dezembro de 1508
Os amotinados que acompanharam os sobreviventes da batalha de Chaul para Cochim tinham deixado Albuquerque furioso em Ormuz. Restavam-lhe dois navios; foi obrigado a levantar o cerco ignominiosamente e voltar para (a ilha de ) Socotorá (chamada hoje, Galápagos do Índico), para render a guarnição faminta.
A deserção de Ormuz dividiu os portugueses
Na segunda metade de 1508, a deserção de Ormuz dividiu os portugueses que se encontravam no oceano Índico em duas facções, assim como tem dividido os historiadores, e levou a lutas internas. Albuquerque jurou nunca mais aparar a barba até a cidade ser tomada. Para ele, seria uma conta a ajustar.
O vice-rei, Almeida, perdera a confiança de seu soberano. Ainda em 1508, Almeida descobriu que seria substituído por Albuquerque. A expansão dos sonhos estratégicos de D. Manuel I e a distância física e temporal tinham criado um fosso crescente entre as prioridades do rei em Lisboa e a forma como Almeida as interpretava na Índia.
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A destruição da frota mameluca era a principal prioridade
No fim de 1508, era claro para o vice-rei que a destruição da frota mameluca era a principal prioridade e a sua última oportunidade antes de deixar de ser vice-rei. Em dezembro formara uma frota de guerra considerável em Cochim, com dezoito navios e mil e duzentos homens. Entre estes encontravam-se os capitães dissidentes que Albuquerque lhe pedira para castigar.
Almeida sabia o que pretendia. Estava pronto para a batalha final, que decidiria o destino dos portugueses na Índia, e pronto para morrer. A frota levantou âncora e preparou-se para lutar. Só ao aproximar-se viram as bandeiras portuguesas.
Nadavam peixes no porão do navio…
Albuquerque viera finalmente para Cochim para assumir o seu cargo. Navegava continuamente há quase dois anos e meio. O seu navio, o Cirne, estava tão pejado de bicho-da-madeira que nadavam peixes no porão. Eram precisos trinta tripulantes nas bombas dia e noite para o manter à tona.
Deu-se então uma reunião desconfortável entre os dois comandantes. No início foi amigável. Albuquerque viera tomar, educadamente, o posto de governador das Índias.
Segundo algumas versões, Albuquerque ofereceu-se para assumir o controle da frota e acabar o que Almeida começara; segundo outras, recusou o convite em participar na expedição: estava exausto e preferia ficar em Cochim.
Os navios de Almeida zarparam
Provavelmente não queria acompanhar os capitães que o tinham desertado em Ormuz. Na manhã seguinte os navios de Almeida levantaram âncora e zarparam para perseguir a frota egípcia. Terror e vingança, uma prova de força.
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Vingar a morte do filho
Almeida navegou, subindo a costa ocidental da Índia, movido por forças poderosas: vingar a morte do filho e consciente de que um confronto final com as forças do Islã era inevitável e premente. O vice-rei fora acusado de ser demasiado cauteloso na forma como interpretava as ordens de D. Manuel I.
A vitória muçulmana em Chaul inspirara e dera esperança de que os portugueses poderiam ser expulsos do Índico.
Almeida tinha a melhor frota
Não tardaria a que demonstrassem o seu poder. Com os reforços recém-chegados de Lisboa, Almeida tinha a melhor forma no oceano Índico desde a retirada dos chineses (Os chineses foram a grande potência naval do século 15).
No final de dezembro de 1508 chegara a Dabul…no último dia do ano aproximou os navios da foz do rio, sondando-lhe a profundidade cautelosamente, determinado a vingar-se.
Entreposto comercial muçulmano abastado
Dabul era um entreposto comercial muçulmano abastado, bem protegido por uma muralha dupla de madeira, com um fosso em redor desta e equipada com artilharia considerável. Havia quatro navios-mercantes guzerates no porto, o que duplicou a fúria de Almeida.
Não bastava tomar a cidade, tinham que aterrorizar
Na véspera do ataque, o vice-rei reuniu os capitães e entregou a mensagem incendiária. Lembrou que não bastava tomar a cidade, tinham que aterrorizar o inimigo que perseguem para que fique completamente traumatizado…sabem que estão presentemente empolados e arrogantes pela morte de meu filho e de outros.
Dia negro para a história das conquistas europeias
Seguiu-se um dia negro para a história das conquistas europeias, que amaldiçoaria a presença portuguesa na Índia. A carnificina foi indiscriminada, com o objetivo de não deixar sobreviventes.
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Uma nobre que era levada numa liteira foi derrubada e chacinada com quem a transportava, crianças foram arrancadas dos colos das mães aterrorizadas, agarradas pelos pés e atiradas contra paredes.
Mulheres e homens, novos e velhos, vacas sagradas que passeavam e cães vadios, foram passados à espada. Até não haver nada vivo. Ao final do dia Almeida reagrupou os soldados numa mesquita e colocou guardas nas ruas. Na manhã seguinte, permitiu a pilhagem desregrada da cidade.
Incendiou a cidade em segredo
Incendiou a cidade em segredo. Quem se escondera nas caves foi queimado vivo, assim como os animais presos nas estrebarias, mulheres e crianças fugiram aos gritos dos edifícios em chamas. Porém, o vice-rei enviava destacamentos de soldados para os matar. Reinava o pandemônio pela cidade…
Almeida partiu para Diu para encontrar e destruir a frota egípcia. Tinha na sua posse uma carta de Malik Ayaz, que se preparava com Hussain, com pouca convicção, para a batalha esperada.
Diu, fevereiro de 1509
Quando a frota portuguesa foi avistada a 2 de fevereiro de 1509, a discussão tática dos muçulmanos foi hesitante…
As mesmas discussões sobre temática tinham lugar no navio de Almeida. O vice-rei enfatizou que esta batalha era o momento crítico que definiria o destino dos portugueses: crede que em vencer estes venceremos toda a Índia.
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A honra de liderar pessoalmente o ataque
Queria a honra de liderar pessoalmente o ataque ao navio-almirante de Hussain. Porém, os capitães opuseram-se. Depois da morte de Lourenço, resistiram firmemente ao desejo de pôr sua vida em perigo desta forma.
Seria melhor coordenar a batalha no seu navio-almirante, a Frol de la Mar, e deixar que os outros fossem atingidos primeiro. Foi o primeiro sinal de que tinham aprendido com o desastre de Chaul… Almeida não procurava infligir uma vitória, mas sim aniquilação e na batalha os portugueses caídos seriam mártires.
A Frol de la Mar disparou um tiro para iniciar o ataque
Com a brisa a aumentar, os homens estavam preparados para a batalha. A Frol de la Mar disparou um tiro para iniciar o ataque.
Os canhões muçulmanos estavam prontos nas margens e numa ilha do outro lado do canal, quando a frota passou. Almeida escolhera seu velho navio, o Santo Espírito, para ser o primeiro a atacar.
As crônicas narram o fim do mundo
Os atacantes soltavam gritos de alegria. Os portugueses aproximaram-se rapidamente do navio-almirante em grupos de dois. O sol ficou obscurecido, o fumo e o fogo eram tão espessos que não se via nada.
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As crônicas narram o fim do mundo. O ribombar dos canhões tão assustador que parecia ser trabalho de diabos e não de homens.
Flechas infinitas a rasgar o fumo espesso; os gritos de guerra encorajadores, chamando pelos seus deuses, cristãos e muçulmanos, os nomes dos santos, os gritos dos feridos e dos moribundos tão altos que parecia o dia do Juízo Final.
…
A infantaria mameluca
Os soldados treinados, a infantaria mameluca, que usava cota de malha flexível e capacetes abertos com plumas vermelhas, com gorjais e protetores para o nariz, eram mais ágeis do que os europeus, que usavam armadura pesada.
Ao seu lado, lutaram núbios e abissínios negros e arqueiros turcomanos, muito capazes e certeiros. Mas a coragem dos mamelucos e a competência de seus arqueiros não foi suficiente.
No meio do canal o vice-rei que usava uma cota de malha magnífica e um capacete e couraça sobejamente ornados, assistia à batalha na Frol de la Mar.
A Frol era o maior navio e mais magnífico da frota portuguesa, mas tinha oito anos e a idade pesava-lhe. Metia água e as bombas tinham de ser usadas continuamente.
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Capturaram ou abandonaram os navios dos mamelucos um a um. Ao fim do dia, Almeida visitou cada navio para abraçar os capitães e se informar sobre os feridos. Segundo fontes portuguesas, mil e trezentos guzerates morreram, além de um número desconhecido de soldados de Calecute.
Uma bandeira branca hasteada
A manhã também trouxe uma fusta pequena com uma bandeira branca hasteada, Ayaz agiu cuidadosamente até o fim…Ofereceu rendição incondicional de Diu e vassalagem ao rei de Portugal e enviou uma quantidade abundante de comida à frota.
Almeida não queria Diu…O vice-rei perdera completamente a razoabilidade desde a morte de Lourenço. A sua reputação seria manchada por crueldade e por vinganças sádicas. Exigiu a Ayaz que entregasse todos que abrigara na cidade, entregando-os a destinos aterradores.
A alguns cortaram as mãos e os pés…
Almeida voltou para Cochim como viera, violentando a costa durante a viagem. Os portos por onde passou foram bombardeados por cabeças e mãos em vez de balas.
As consequências da batalha
Se o desfecho em Diu fora, talvez, inevitável, as consequências da batalha foram profundas. Destruiu definitivamente a credibilidade dos sultões mamelucos e a esperança muçulmana de que os portugueses pudessem ser retirados do mar. Os ocidentais tinham vindo para o oceano Índico para ficar.
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Quando Almeida desembarcou em Cochim para celebrar a vitória, Albuquerque esperava por ele na praia. (Mas a disputa entre ambos deixara feridas. Em setembro Almeida ordenou que abandonasse Cochim. Em Cananor cumpriu pena de prisão. Albuquerque teve paciência.)
A situação só se resolveu quando a frota das especiarias chegou a Cananor em novembro, comandada por D. Fernando Coutinho, um homem que tinha plena autoridade real. Levou Albuquerque para Cochim e exigiu que este assumisse o poder.
No dia seguinte, Almeida partiu da Índia para enfrentar o desprazer do rei em Lisboa. (Mas não chegou. Foi morto numa escaramuça em março de 1510 quando, depois de dobrar o Cabo da Boa Esperança, aportou em Aguada do Saldanha, numa batalha inexpressiva contra tribos locais).
Conquista: o Leão do Mares, 1510 – 1520
Se Albuquerque pensava que a partida de Almeida lhe permitiria cumprir suas funções como governador da Índia, estava enganado…D. Fernando Coutinho estava diante dele a apregoar ordens do rei, nomeadamente a destruição de Calecute.
Calecute não tinha porto e era difícil desembarcar na praia diante da cidade. Raramente poderia usar-se o elemento surpresa nas operações militares realizadas na costa do Malabar.
No último dia de dezembro de 1509, a frota zarpou…Vinte e seis navios e mil e seiscentos homens, assim como vinte barcos pequenos de Cochim, que levavam marinheiros experientes na navegação com as condições marítimas de Calecute, para ajudar no desembarque.
Mais um massacre
(Desembarcado…) Coutinho virou-se para lutar corajosamente contra um grupo, mas foi atingido por trás. Cortaram-lhe o calcanhar. Caiu no chão. Os hindus soltaram um grito triunfante. Os fidalgos que o rodeavam tentaram levantar este pesado homem mas, cercados, não conseguiram.
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Forçados a recuar, lutaram galantemente cobrindo a retirada. Vasco da Silva, que brandia uma espada de duas mãos, e um grupo de outros, tombaram deixando uma lista de homens honrados que todos fizerão famoso feito, que tanto fizerão que de já nom poder bolar os braços todos ally foram mortos, e levadas suas cabeças e a bandeyra real.
…Albuquerque foi atingido no braço esquerdo por uma flecha que se alojou no osso. Alguns minutos depois, foi atingido no pescoço por um dardo que penetrou o gorjal. Foi depois atingido por uma bala no peito.
Rogou pela proteção de Nossa Senhora de Guadalupe e tombou. Gritou-se que morrera; os homens em seu redor entraram em pânico. Os naires aproximaram-se para acabar com os portugueses.
Mas graças ao que Albuquerque diria ter sido um milagre, o tiro que o atingiu no peito não o matara…(afinal, conseguiu ser resgatado pelos companheiros).
As baixas tinham sido elevadas em ambos os lados. Dos mil e oitocentos homens, trezentos morreram: em que passarão de setenta fidalgos. E quatrocentos ficaram feridos, de que muytos morrerão, e ficarão aleijados.
‘Os portugueses nunca perderão o que uma vez ganharam’, janeiro – junho de 1510
Ninguém sabe exatamente quando ou o que levou Albuquerque a decidir atacar Goa, mas poucas semanas depois do massacre em Calecute, criou um plano que daria origem a uma campanha portuguesa vasta, quase três anos de conquista contínua e que alteraria radicalmente o equilíbrio de poder no oceano Índico.
Entregou-se aos seus deveres como governador de Cochim com um zelo feroz, preparando a frota para a nova campanha, organizando os mantimentos, acabando com a preguiça que via no cumprimento dos deveres, e escrevendo.
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Destruição de Calecute e a captura de Ormuz
A lista de objetivos que Almeida não conseguira cumprir era extensa: a destruição de Calecute, a captura de Ormuz, o bloqueio do mar Vermelho, o controle de Malaca, o centro mais ao sul do comércio de especiarias, continuar a exploração marítima.
Tudo isto para, algo que só os círculos mais próximos do rei sabiam, atingir o objetivo derradeiro: a destruição dos mamelucos no Egito e a reconquista de Jerusalém.
Um mês depois de voltar de Calecute, navegava para o norte, subindo a costa indiana mais uma vez com uma frota revitalizada: vinte e três navios, mil e seiscentos soldados portugueses e marinheiros, duzentos e vinte soldados da costa do Malabar, três mil escravos soldados que levavam bagagem e mantimentos e, em casos extremos, também lutavam.
Ameaça vinda do mar Vermelho
Ancorado no Monde D’Ely , a 13 de fevereiro, explicou aos comandantes que tinha cartas do rei com ordens para ir a Ormuz; também os informou da ameaça do mar Vermelho, mencionando Goa de passagem, uma cidade que nunca fizera parte dos planos portugueses. Quatro dias depois, surpreendendo, começara a tomada da cidade.
(Com auxílio de Timoja, o pirata hindu que tanto acossara Vasco da Gama, tomara a cidade com certa facilidade). A 1 de março, o governador tomou posse, com pompa e circunstância… Assim que possível pôs os pés na ilha, Albuquerque considerou que Goa pertenceria a Portugal para sempre.
Albuquerque começou a criação da Goa portuguesa com zelo. Era a primeira conquista terrestre na Ásia (a partir dela, uma sucessão de outras vieram a acontecer).
…(Entre outras medidas tomadas pelo novo vice-rei)…apesar de Albuquerque ter prometido liberdade religiosa, ficou horrorizado com a prática de sati – a imolação das viúvas hindus nas piras funerárias dos esposos – e baniu-a.
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(Depois de escaramuças dos defensores hindus de Goa, batalhas, deserções de portugueses que passaram ao outro lado, Albuquerque acabou expulso, mas prometeu voltar para retomá-la o que de fato aconteceu).
Os usos do terror, agosto – dezembro de 1510
(Na volta ao segundo ataque a Goa alguns trechos originais merecem destaque).
Os cronistas portugueses rebrotaram atos de coragem louca. Um dos primeiros a entrar na cidade, Manuel Lacerda, foi atingido pouco abaixo do olho por uma flecha farpada, que ficou demasiado espetada para ser arrancada. Partiu a haste e continuou a lutar com um coto horrendo espetado no rosto sangrando.
Após a batalha houve carnificina…Ninguém escapou, escreveu o mercador florentino Piero Strozzi, homens, mulheres grávidas, bebes, nos braços das mães.
Os cadáveres foram atirados aos crocodilos. A destruição foi tão grande, recordou Empoli, que o rio se encheu de sangue e mortos, e uma semana depois as marés depositaram cadáveres nas margens. Ao que parece os répteis não conseguiram lidar com a fartura.
Fazer de Goa um exemplo
Limpeza, foi a palavra que Albuquerque usou para descrever o processo a D. Manuel I. O objetivo fora fazer de Goa um exemplo. Esse uso do terror será grandioso para a obediência de Vossa Alteza sem necessidade de os conquistar, continuou ele. Não deixei uma única lápide ou edifício islâmico de pé.
…Entre os primeiros (guerreiros) que deram-lhe as boas-vindas (quando Albuquerque entrou na cidade…) contou-se Manuel Lacerda. Montava um cavalo suntuosamente ajaezado que tirara a um muçulmano que matara.
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O coto da flecha ainda lhe saía da face. Estava coberto de sangue, (Albuquerque) abraçou-o, beijou-lhe o rosto e disse: Senhor, sois tão honrado como o mártir São Sebastião. Foi uma imagem que deu origem a lendas em Portugal.
O olho do Sol, abril – novembro, 1511
Na primeira década no oceano Índico, o tempo avançou a ritmos diferentes para os portugueses. O processo de comunicação entre Lisboa e a Índia era certamente tortuoso, demorando pelos menos um ano e meio para uma ordem real receber a resposta.
Mas a curva de aprendizagem foi extraordinária: eles rapidamente reuniram conhecimentos geográficos, culturais e linguísticos, criaram mapas e aprofundaram o entendimento das nuances políticas. Em 1510, a chegada de Vasco da Gama já parecia quase uma lenda na perspectiva da época.
Um dos maiores centros mundiais de comércio
…Malaca crescera e em menos de um século passara de uma vila piscatória a um dos maiores centros mundiais de comércio…Era a cidade mais cosmopolita da Terra, onde, segundo os cronistas, se ouviam oitenta e quatro línguas.
Maior do que Lisboa, tinha uma população pouco menor do que Veneza (Saiba como Veneza, um prodígio de engenharia, foi construída no séc. 5 d. C), pouco mais do que cem mil pessoas. Não há dúvida que Malaca é tão importante e lucrativa que me parece ser ímpar no mundo, escreveu um deles.
(A cidade foi mais uma conquistada depois de sangrentas batalhas). A tomada da cidade derrubaria o Cairo, Alexandria e Veneza e impediria a propagação do Islã…
No final de 1511, ou partiam de Malaca ou lá ficariam mais um ano. Albuquerque deixou uma guarnição de trezentos homens e oito navios tripulados por mais duzentos. Os outros voltariam para Índia. Partiram para Cochim…
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Mas Albuquerque já usava o posto avançado de Malaca para ele próprio procurar explorar os mares, Enviou emissários a Pegu (Bago na Birmânia), Sião (Tailândia) e Samatra. Uma expedição visitou e mapeou as ilhas Molucas no leste da Indonésia, em 1512.
China em 1513
Viajando mais para leste, enviou navios à China em 1513 e tentou estabelecer relações comerciais com a dinastia Ming. Juntava os confins mais remotos do mundo, cumprindo todas as exigências de D. Manuel I.
Infelizmente para os portugueses, estas extensões corajosas tiveram consequências imprevistas. O ataque a Malaca fora parcialmente lançado para extinguir a ambição espanhola em explorar o Extremo Oriente.
Mas acabou por fornecer trabalhadores qualificados, a informação e os mapas que lhes permitiram essa mesma exploração.
Fernão de Magalhães também estava em Malaca. Voltou para Portugal, rico graças ao saque, e com um escravo de Samatra, que batizara Henrique. Quando Magalhães discutiu com D. Manuel I e desertou para Espanha, levou Henrique, mapas portugueses das Molucas e cartas detalhadas de um amigo que fizera a viagem.
Usou tudo isso alguns anos depois, na primeira circum-navegação da Terra, com bandeira espanhola. Na viagem, Henrique seria um intérprete valioso. Esse conhecimento permitia ao rival de Portugal reclamar a posse das Molucas.
A bala de cera, abril de 1512 – janeiro de 1513
(Albuquerque voltou a Cochim…que tornara-se no centro de uma facção forte que se opunha ao governador…).
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Desembarcou e viu que a corrupção, o abuso e a incompetência tinham dominado na sua ausência. As ordens que dera não tinham sido obedecidas; as pessoas que nomeara tinham sido desrespeitadas; os ladrões andavam a monte, a disciplina não era seguida.
Exasperado, escreveu para D. Manuel I: tive que conquistar Malaca duas vezes, Goa duas vezes, atacar Ormuz duas vezes e viajar pelo mar numa jangada (em razão de um naufrágio) para remediar vosso assuntos e cumprir meus deveres.
Senhor, confiai em fortalezas robustas…
Este homem incrivelmente inteligente e torturado reitera um núcleo de princípios firmes para dominar o oceano Índico. Senhor, confiai em fortalezas robustas…os reis e senhores não conseguem tomar as fortalezas facilmente aos soldados portugueses que têm elmos na cabeça e estão por entre as muralhas…os sítios cá controlados por Vossa Alteza que têm uma boa fortaleza, depois de tomados, serão vossos até o dia do Juízo Final.
Supremacia no mar, as competências na construção de fortalezas, navegações, cartografia e artilharia, a mobilidade naval e a capacidade de coordenar operações em espaços marítimos vastos, a tenacidade e a continuidade dos seus esforços, um investimento feito durante décadas na construção naval, aquisição de conhecimentos e recursos humanos, possibilitaram uma forma nova de império distante e naval, capaz de controlar o comércio e os recursos em extensões enormes e distantes. Isso permite aos portugueses ter ambições de dimensão global.
Afonso de Albuquerque e Goa
O mar Vermelho chamava, queria conquistar Goa rapidamente e depois usar a força militar para, pelo menos, bloquear o acesso ao mar Vermelho entre as monções. Albuquerque chegou a Goa no final de 1512…
(Novos ataques, carnificina, e saques, até a conquista definitiva. Ali Albuquerque prendeu diversos desertores lusos que haviam se passado ao outro lado desde a primeira tentativa de conquista. E alguns fatos merecem o registro de Crowley).
Os muçulmanos (civis) foram evacuados em segurança sem serem atacados. Albuquerque também manteve a palavra em relação aos renegados (os desertores): as suas vidas foram poupadas, mas apenas as vidas.
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(Os desertores) Ficaram no pelourinho três dias, onde foram insultados, atingidos com lama. Ao segundo dia, cortaram-lhe o nariz e as orelhas; ao terceiro, a mão direita e o polegar esquerdo. As feridas foram depois tratadas. Muitos morreram.
Portugal tornou-se num potentado na Ásia
Com esta nova vitória sobre as forças do xá Adil, Portugal tornou-se num potentado na Ásia. Fora necessário o gênio de Albuquerque para perceber a importância estratégica de Goa.
Albuquerque foi o primeiro europeu desde Alexandre, o Grande a estabelecer uma presença imperial na Ásia.
(Um dos desertores que ficaram no ‘pelourinho por três dias’, depois de libertado tornou-se um pária pelas ruas da cidade mendigando. Até que anos depois conseguiu embarcar num navio de volta para Lisboa. No trajeto, incomodado com seus atos passados, e com seu aspecto deformado, desertou novamente quando a frota fazia aguada da ilha de Santa Helena. Sua história sem igual já foi contada por este site no post: Ilha de Santa Helena, um luso e 30 anos de solidão.)
A riqueza que chegava a Lisboa era fabulosa
(Depois das conquistas de Albuquerque…) A riqueza que chegava a Lisboa era fabulosa. Se pouco era investido na Índia, o que levava Albuquerque a queixar-se, em parte devia-se ao fato de D. Manuel I saber como gastá-la. Os bens mais diversos vindos de todo o mundo estavam à venda na cidade: objetos de marfim e madeira lacada, porcelana chinesa e tapetes orientais, tapeçarias de Flandres, veludos da Itália.
Os ecos do Oriente nas margens do Tejo
Os ecos do Oriente nas margens do Tejo refletiram-se no estilo e esplendor dos projetos arquitetônicos que D. Manuel I iniciara no ano de 1500.
O mais ambicioso era a construção de um mosteiro imenso em Belém, perto da praia do Rastelo, de onde os navios partiam para o Oriente.
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Mosteiro dos Jerônimos
O Mosteiro dos Jerônimos, com perto de duzentos e setenta e cinco metros de comprimento, e onde os monges rezavam pelas almas dos marinheiros, foi projetado para ser um panteão digno da dinastia de D. Manuel I, como para celebrar os novos mundos descobertos durante o seu reinado.
Financiado com os lucros de especiarias, a sua estrutura medieval gótica foi decorada com esculturas que irrompiam da pedra lavrada, tão exuberantes como as ornamentações dos templos hindus.
Torre de Belém
A pouca distância da praia, no Rastelo, D. Manuel I ordenou a construção de uma fortaleza defensiva, a Torre de Belém, um edifício fantasioso, também um bastião militar, erguendo-se sozinho no mar e brasonado com estes recursos decorativos.
Em Goa, no inverno de 1513, o oficial executivo de D. Manuel I, Afonso de Albuquerque preparava o último cerco no oceano Índico: a entrada no mar Vermelho.
‘Toda a riqueza do mundo nas mãos’, fevereiro – julho de 1513
O mar Vermelho esperara anos…Teriam de se passar oito anos até os portugueses estarem prontos. No ano de 1513 a fortaleza de Goa era formidável; o samorim fora envenenado; Albuquerque estabelecera tratados de paz na costa indiana, conseguindo o que pretendia; chegara o momento para o ataque crucial.
O objetivo era cortar finalmente a linha de abastecimento mameluco para o Oriente, extinguindo o comércio de especiarias e, ao fazê-lo, o de Veneza. Na gênese, o sonho messiânico: conquistar o Islã e reconquistar Jerusalém para D. Manuel I ser aclamado o rei dos reis.
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O mar Vermelho
O mar Vermelho, uma abertura de mil e quatrocentas milhas no deserto que separava a Arábia do continente africano. Pouco profundo, sem acesso à água potável, era de difícil navegação graças às ilhas baixas e aos baixios escondidos, batido por ventos desérticos e sujeito aos ritmos meteorológicos do oceano Índico, cuja chuva não chegava à foz.
Afonso de Albuquerque em Adem
O primeiro objetivo de Albuquerque era o porto fortificado de Adem, cento e dez milhas após a passagem do estreito de Bab-el-Mandeb, o Portão das Lágrimas. Capturado, seria uma boa base de onde lançar a última investida.
No dia 22 de abril de 1513 a frota do governador chegava ao porto.
Albuquerque tinha Adem diante de seus navios, protegida na cratera de um vulcão extinto. Os europeus que observavam a cidade não podiam saber se esta se situava numa ilha e só explorações feitas mais tarde revelariam que a cidade se ligava ao continente por uma passagem acima do nível do mar.
O único fracasso de Afonso de Albuquerque
Este foi o único fracasso de Albuquerque. Ele não conseguiu tomar Adem. D. Manuel I morreu em dezembro de 1521. Apesar de ninguém o saber na altura, os seus planos de cruzada tinham falhado pela primeira vez quando Adem não caiu.
Durante o século 15, os portugueses passaram por décadas de guerras sangrentas, defendendo suas conquistas no Índico dos ataques otomanos…Até um ataque pan-indiano a Goa e Chaul nos anos de 1570-71 fracassou diante das muralhas das fortalezas.
Os europeus não podiam ser removidos
Os europeus não podiam ser removidos. Goa, a Roma do Oriente, justificou a estratégia visionária de Albuquerque. Seria colônia portuguesa durante quatrocentos anos e lugar de uma cultura racialmente mista incrível.
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Os portugueses com seus canhões de bronze e frotas capazes foram os mensageiros da globalização e da idade científica dos descobrimentos.
Os seus exploradores, missionários, mercadores e soldados espalharam-se pelo mundo. Estiveram em Nagasaki e Macau, nas terras altas da Etiópia e nas montanhas do Butão. Atravessaram os planaltos tibetanos e subiram o Amazonas.
Luís de Camões e Os Lusíadas
Ao viajar, criaram mapas, aprenderam línguas e escreveram: numa mão sempre a espada e noutra a pena. Luís Vaz de Camões, cujo poema épico Os Lusíadas criou a mitologia fundadora para o heroísmo da exploração, foi um exemplo pessoal das qualidades por vezes desesperadas da aventura portuguesa.
Foi o poeta mais viajado do Renascimento. Perdeu um olho em Marrocos, foi exilado para a Ásia após um duelo, viveu na miséria em Goa e naufragou no delta do rio Mecão, nadando até a costa com o manuscrito acima da cabeça, enquanto sua amante chinesa se afogava.
Se mais mundo houvera, escreveu Camões acerca dos exploradores portuguesas, la chegara.
A morte de Afonso Albuquerque
Albuquerque morreu a bordo de um navio que acabara de chegar a Goa, em 15 de dezembro de 1515, não sem antes ver o sítio que visionara para ser o centro do império português na Ásia.
O legado da epopéia lusitana: a globalização, cristianização, muitas riquezas para o reino, e dois poetas para a humanidade
Da ‘obra ousada’ que os lusitanos nos legaram, entre muitas outras, deve-se destacar a globalização, a cristianização dum mundo que oscilava entre a cristandade e o islamismo, além dois dos maiores poetas da humanidade.
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Um deles nos toca superlativamente, Fernando Pessoa. O autor destes singelos versos, de onde tiramos o nome de nosso barco, de um dos livros, das séries de TV, e deste site…(as três primeiras estrofes de Padrão).
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
Imagem de abertura: pt.wikipedia.org
Fontes: Conquistadores – Como Portugal Criou O Primeiro Império Global, de Roger Crowley, Editorial Presença.