A saga do navio oceanográfico Prof. W. Besnard terá final feliz
Ele é um ícone da oceanografia brasileira. Em agosto de 1966 o casco foi lançado ao mar. O primeiro navio Oceanográfico da Universidade de São Paulo, Prof. W. Besnard, recebeu este nome em 1967, em homenagem ao primeiro diretor do Instituto da USP que, desde 1958, trabalhava para que a universidade tivesse o seu próprio navio. Besnard indicou um grupo de trabalho presidido pelo professor islandês Ingvar Emílsson, na época chefe da seção de Oceanografia Física. O projeto é do Escritório Técnico de Construção Naval da Escola Politécnica da USP, sob a supervisão do Almirante Yapery. O navio chegou ao Brasil em agosto de 1967. Navegou mais de 3.000 dias, e durante os primeiros 23 anos navegou sem interrupções! Foram centenas de viagens científicas. Só de Antártica ele acumula seis. Agora, e só agora, o navio terá o que merece: um museu para chamar de seu.
Depois de uma brilhante campanha o Prof. W. Besnard quase foi ao fundo
Entre o seu legado está a primeira expedição polar brasileira. Ao todo, o navio fez mais de 150 viagens!, elas encheram as páginas de 68 diários de bordo para contar a história, e trouxeram cerca de 50 mil amostras de organismos marinhos, alguns não catalogados até hoje.
Porém, numa tarde de novembro de 2008 um pequeno incêndio irrompeu num dos camarotes do Besnard, então fundeado na Baía de Guanabara. Não houve vítimas, e os próprios tripulantes controlaram a situação. Mas o incêndio pôs o ponto final em sua carreira.
Abandonaram o Besnard, depois, em 2016, anunciaram sua aposentadoria, o navio foi descomissionado. Trazido para o porto de Santos, ficou atracado no cais da USP apodrecendo, ao custo de R$ 25 mil reais por mês. Segundo o Ibama, ele esteve ameaçado de afundar durante este período. Diga-se, a propósito, um período bem longo: Até hoje o Besnard permanece no Porto de Santos.
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O que fazer com o navio: transformá-lo em museu ou recifes artificiais?
Em 2019, este site publicou um post onde comentava rapidamente aspectos da carreira do Bernard, ao mesmo tempo em que repercutíamos as opções que estavam na mesa: transformá-lo em museu flutuante, ou afundá-lo para que se tornasse mais um recife artificial?
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Para nossa surpresa, a matéria provocou uma catarse no público. Até hoje este post é o nosso ‘campeão’ em comentários, somando 78 participações de leitores. Alguns são ex-marinheiros do navio, outros, filhos de marinheiros, além de pesquisadores, e interessados pela náutica.
A maioria era favorável ao museu já que o Besnard é parte de nossa história. Mas, vamos por partes.
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Em julho de 2020, o navio estava adernado e em situação de abandono com ferrugem exposta, imundo e cheio de limo, e equipamentos de comando há muito roubados. Por sua notoriedade, e a precária situação, a grande mídia repercutiu o caso. Jornais e TVs mostraram o estado de penúria do Prof. W. Besnard. No início daquele mês o Santos Port Authority (SPA) e o Ibama fizeram uma vistoria e tiveram que montar uma rápida operação de salvatagem.
A notícia impressionou muita gente, em especial o advogado e amante da náutica, Fernando Liberalli que fundou uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), o Instituto do Mar, para lutar pelo navio.
Na mesma época em que o Ibama disse que o navio corria risco de afundar, Fernando visitou o Besnard e fotografou vários ambientes como a Casa de Máquinas, o passadiço, a sala de oficiais, etc. Você pode ver as fotos neste link. Elas mostram que, afinal, o Bernard não estava tão ruim assim. Ele, definitivamente, não corria risco de afundar apesar do estado de abandono.
Professores da USP torcendo pelo museu
Enquanto isso, Liberalli percebeu que alguns professores da USP também torciam pelo museu, assim, decidiu conversar com o diretor do Instituto Oceanográfico da USP, na época, Frederico Brandini, quando pediu que a universidade cedesse o navio para a OSCIP transformá-lo em museu.
Segundo Liberalli, Brandini sugeriu uma licitação e informou que, pelo estatuto da USP, não poderia doar se não para alguma instituição. Liberalli, então, contou da criação da OSCIP.
Dias depois, pesquisando na internet Liberalli deu com a notícia de que o Besnard tinha sido doado para a cidade de Ilhabela, onde seria afundado. Liberalli cobrou Brandini que teria dito que o ‘problema saiu de minha alçada, agora só com o reitor’.
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Conversando com o reitor da USP
Enquanto alguns defendiam que o navio fosse afundado em Ilhabela, Liberalli defendia a proposta de restaurar o navio para transformá-lo em museu, com espaço interno passível de ser usado por professores primários e seus alunos, além do público em geral.
Finalmente, em março de 2016, Liberalli escreveu para o reitor da USP, Marco Antônio Zago.
“Com admiração e respeito me dirijo ao senhor para pedir encarecidamente que não permita o aniquilamento do antigo navio de pesquisa oceanográfica desta Universidade de São Paulo, em prol da preservação da história e fomento cultura”, era um dos trechos.
“Expliquei (na reunião com Brandini) que a minha intenção era de desonerar a USP e assumir legalmente a responsabilidade sobre a manutenção do N/Oc. Prof. Besnard como organização da sociedade civil de interesse público…Na ocasião fui aconselhado a aguardar o edital de licitação pública…”
E depois de contar a saga pela qual passou em Santos para conseguir um local para o navio, Liberalli informa o reitor que “só me restou o pedido de análise pelo Condephaat para o devido tombamento…”
Ao final, despediu-se: “Aguardo ansiosamente a decisão que beneficiará maior número de pessoas, elevará ainda mais o conceito da USP na pessoa do ilustre reitor, Marco Antônio Zago”.
Ministério Público e Condephaat entram na disputa
Mas, enquanto a conversa se estendia, sempre de acordo com Fernando Liberalli, o prefeito de Ilhabela alardeava que iria afundá-lo. Pelo sim, pelo não, Liberalli acionou o Ministério Público contra a decisão de doação da USP.
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Numa última tentativa de salvar o Besnard, ocorreu a Liberalli acionar o Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico – pedindo o tombamento do Besnard.
Condephaat tombou o Besnard: Patrimônio Cultural do Estado de São Paulo
E ele conseguiu, O processo para reconhecer o Besnard como Patrimônio Cultural do Estado de São Paulo foi aberto em 30 de agosto de 2018. E não demorou para o conselho do órgão reconhecer a importância da embarcação pioneira, pouco tempo depois saiu a chancela que mudaria seu destino.
Em seguida, aconteceu uma reunião na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, no Condephaat, com a presença, entre outros, de Liberalli e do secretário de turismo de Ilhabela, então sob a administração do prefeito Marcio Tenório, cassado logo depois, em 2019.
Neste encontro o representante de Ilhabela, ao saber do reconhecimento pelo Condephaat, desistiu do navio que não poderia mais ser afundado. Depois que Tenório foi cassado, assumiu a vice-prefeita Gracinha que cumpriu o prometido: Ilhabela doou o Besnard ao Instituto do Mar, o garboso navio merecia um fim mais digno do que alimentar peixes debaixo d’água.
A CODESP e a COVID no caminho do Besnard
Animado com o tombamento, Fernando Liberalli esteve na CODESP para pedir ajuda financeira para a necessária reforma. Segundo ele, o diretor Casemiro Tércio Carvalho gostara da ideia.
A CODESP tinha uma multa ambiental de 2,5 milhões. Então, o MP aprovou um TAC – Termo de Ajuste de Conduta, para que este valor fosse aplicado na preparação do navio-museu. Liberalli ficou eufórico. Com este montante o Besnard ficaria tinindo de novo para receber seus primeiros visitantes.
Mas havia uma pedra no caminho. Esta pedra foi a COVID. Tão logo a epidemia começou a crescer, o dinheiro que iria para o navio acabou aplicado na saúde pública.
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Sobraram cerca de RS 400 mil reais administrados pelo MP. Segundo Liberalli, a imensa burocracia tupiniquim ainda não permitiu que o dinheiro chegasse ao navio. Contudo, a sorte ajudou quando a prefeitura de Santos decidiu-se pela revitalização da área portuária de Santos.