A decadência do litoral brasileiro, um patrimônio ao deus-dará
O artigo 216 da Constituição Federal é claro: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem…”E em seu inciso V, “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” Tem mais. O artigo 225, parágrafo 4º, determina: “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.” Hoje comentamos a decadência do litoral brasileiro, um patrimônio ao deus-dará.
Cinco anos longe do litoral brasileiro
Fazia cinco anos que eu não frequentava o litoral apesar de acompanhar pela mídia, e contatos pessoais, o que se passava nesta faixa sensível por natureza, de transição entre o mar e o continente. Foram quatro anos de uma parada forçada em razão de um câncer, e pouco mais de um ano pelo surgimento da Covid-19.
Finalmente chegou a hora de sair para ver in loco o que aconteceu no período. Desde o início de dezembro voltei a viajar pelo litoral paulista, a fim de gravar programas para a terceira temporada da série Mar Sem Fim a ser exibida em breve pela TV Cultura de São Paulo.
Apesar de ser muito cedo para um diagnóstico definitivo, o que vi no litoral do Estado mais rico do País foi algo que me deixou assustado: a grande maioria dos prefeitos é totalmente despreparada, não faz ideia do que seja sustentabilidade, muito menos ESG (sigla para boas práticas ambientais, sociais e de governança), conceitos almejados mundialmente e reforçados pela COP 26; e a sociedade, com raras exceções, ou compactua e faz coro com a indiferença pública, ou dela se aproveita.
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Ubatuba
De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano, IDH, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ubatuba ocupa o sétimo lugar entre os municípios do litoral paulista, com o IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) de 0,751 (O índice é baseado em três fatores: grau de educação, renda e saúde).
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Importante saber que a pontuação vai de 0 a 1, onde 0,800 a 1,000 – Muito Alto; 0,700 a 0,799 – Alto; 0,600 a 0,699 – Médio; 0,500 a 0,599 – Baixo; 0,000 a 0,499 – Muito Baixo. Portanto, de acordo com a ONU, Ubatuba tem um índice considerado ‘alto’.
E, segundo o ranking das estâncias turísticas de São Paulo que inclui 70 municípios, Ubatuba ocupa o primeiro lugar com 92 pontos. Ou seja, o turismo é o carro-chefe da economia.
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Também conhecida como “a Capital Paulista do Surfe”, Ubatuba tem quase 92 mil habitantes (pela contagem do IBGE de 2020). De acordo com o site do município, a cidade tem capacidade para receber um milhão de turistas somente para as festas de fim de ano.
Nem é preciso falar que os principais atrativos são a sua exuberante natureza, cercada pela Serra do Mar coberta de Mata Atlântica. Mais de 80% do município fica dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. Sem falar das 102 praias em quase 100 km de costa.
Importância do turismo
Pois bem, apesar da importância do turismo, a cidade é mal cuidada há muito tempo. A infraestrutura é pífia. O saneamento básico e a coleta de lixo são pra lá de capengas. Os rios que nascem na Serra do Mar, serpenteiam pela planície costeira e atravessam a cidade para desaguar no mar, são esgotos a céu aberto.
Os últimos três ou quatro prefeitos deixaram que bairros crescessem nas margens de rios. A mata ciliar foi cortada para dar lugar a casas que usam as calhas para escoamento de seus dejetos. Tudo absolutamente proibido pelo Código Florestal. Mas, quem se importa?
É sempre assim. Os mais pobres ocupam, com a leniência do poder público, áreas de risco proibidas criando dois problemas: um ambiental, outro social: o que fazer com esta gente depois de alguns anos? Não é possível despejá-las sem criar um tremendo problema social.
Litoral brasileiro e a praia mais poluída do litoral norte
O resultado do descaso é evidente e está registrado. Um relatório do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte (CBH-LN), classificou as condições do Rio Acaraú, em Ubatuba, como uma das mais graves da região. Outro triste recorde desta omissão criminosa veio em 2017 quando a praia do Itaguá foi considerada a mais poluída do litoral norte.
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Pudera, de um lado de Itaguá deságua o Acaraú, do outro, o rio Tavares, ainda mais poluído. Em apenas um ano, o grupo exemplo de cidadania Tamoio de Ubatuba, retirou por conta própria 18 toneladas de lixo de barragens que instalaram na calha do rio.
O que resta de mangue de Ubatuba é extirpado
O que sobra do mangue da região, conhecido mundialmente pela expressão Blue Carbon, ou Carbono Azul, hoje em evidência e replantado no mundo civilizado em razão da extraordinária capacidade de absorção de dióxido de carbono, um dos gases do efeito estufa; e além disso, protegido pela legislação no Brasil, é desmatado sem qualquer interferência (na verdade com apoio…) da prefeitura para o crescimento do bairro do Rio Escuro.
Enquanto o ativo ambiental da cidade, seu maior trunfo, é destruído com suporte dos sucessivos prefeitos, Ubatuba tem um único hospital que não consegue atender a população.
Litoral brasileiro e a praga da ‘verticalização’
Demonstrando total alheamento em relação ao ‘maior perigo que a humanidade enfrenta atualmente’, o aquecimento global, em vez de cuidar do que atrai o turismo e ameniza o cataclisma, a atual prefeitura propôs ‘rever o plano diretor’ para, mais uma vez, liberar a ‘verticalização’.
Não fosse a reação cidadã de parte dos habitantes, talvez os espigões estivessem liberados neste momento.
Para além da beleza paisagística e do valor ecológico Ubatuba é um sítio histórico, palco de importantes acontecimentos no primeiro século após a descoberta. Foi nas areias de uma de suas praias que o ‘Apóstolo do Brasil’, José de Anchieta, escreveu o ‘Poema à Virgem’, episódio que entrou para a história como a ‘Paz de Iperoig’.
Mas quem se importa com o que prega a Lei Maior?
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São Sebastião
Foi outro dos municípios visitados que, assim como Ubatuba, vive do turismo e tem mais ou menos a mesma população, ou 91.600 habitantes (2021, estimada pelo IBGE).
Cada novo prefeito que assume, muitas vezes sustentado pela indústria da construção civil, propõe a ‘revisão do plano diretor’ e a famigerada ‘verticalização’. Não basta o evidente superadensamento e a falta total de infraestrutura.
O evidente superadensamento
Para se ter uma ideia da superpopulação do município, saiba que a densidade demográfica no Brasil é de 24,57 hab/km2. Na região Sudeste, a mais populosa, a taxa é de 94,63 hab/km2. São Sebastião tem uma densidade demográfica de 185,00 hab/km².
O município tem 102 núcleos congelados com 22.800 pessoas em assentamentos precários, escalando as encostas da Serra do Mar, dependurando-se em qualquer área de risco proibida que esteja livre.
Os insaciáveis prefeitos
Mas os insaciáveis prefeitos querem mais. Será que nunca vão dizer chega; lotação esgotada, já não basta uma densidade demográfica de 185,00 hab/km²? A infraestrutra de São Sebastião mal dá conta de atender as necessidades de um terço da população nativa.
Esta ânsia pública por mais recursos do IPTU atrai os espertalhões, e os leigos que caem na lábia deles. E além dos mais pobres ocuparem áreas de risco, os privilegiados, aqueles que podem investir numa segunda residência, ocupam topos de morros, costões, praias, mangues que foram aterrados, etc.
Mas, a bem da verdade, informação não falta, a ‘paradisíaca paisagem’ perdeu quase todo o sentido da expressão depois do desordenamento explícito e suas consequências que são vistas nas imagens deste post.
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Ficha policial dos gestores cresce sem parar
Não por outro motivo, a ficha policial dos gestores cresce a cada nova legislatura. O atual prefeito, Felipe Augusto (PSDB) está na mira do Ministério Público que apura fraudes em licitação, corrupção, e lavagem de dinheiro. Não pense que é exceção. É quase a regra nos municípios costeiros fustigados pela chaga da especulação imobiliária.
Mas vamos nos lembrar que, para cada prefeito acusado de corrupção, há corruptores do outro lado. Este é um jogo de ao menos dois, se não, mais parceiros.
Assim, quem se mete com fogo corre o risco de se queimar. Em 2006, por exemplo, o então prefeito Juan Pons Garcia (PPS) foi emboscado quando voltava para casa em seu carro com a família numa vendetta típica de filme de Al Capone. Diversos tiros foram disparados, por sorte ninguém saiu ferido.
Corrupção coordenada pelo prefeito
Nada de novo. Em 2017 a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal deflagraram a Operação Torniquete para investigar desvios de recursos da saúde e obras públicas (um total de R$ 118 milhões teriam sido desviados por meio de superfaturamento) durante as duas gestões do prefeito Ernane Primazzi (PSC) que exerceu mandatos entre 2009 e 2016.
Na época a PF declarou que apurava um esquema de propina em contratos da prefeitura que envolviam o alto escalão do governo municipal ‘e eram coordenadas pelo então prefeito’.
‘Propinas coordenadas pelo prefeito’, para quem? Ganha um doce quem adivinhar.
Litoral brasileiro despreparado para os eventos extremos
Enquanto isso, não há uma única obra de adaptação da cidade para os eventos extremos que acabam de dar mais uma prova de sua violência descomunal destruindo a infraestrutura do Sul da Bahia, matando mais de 20 pessoas, ameaçando a vida de meio milhão de pessoas e deixando no rastro prejuízos bilionários.
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Também ignoram os inúmeros avisos de cientistas sobre a subida do nível do mar, como o último relatório do IPCC de 2021. Os gestores do litoral demonstram não ter noção do que dizem estes relatórios, infelizmente. A maioria, nem todos, não tem gabarito sequer para serem xerifes de quarteirão.
Veja este caso: em Boiçucanga flagramos uma imensa obra na Praça do Por do Sol, onde a areia essencial para a reposição daquela retirada pelas ressacas na praia, foi inteiramente cimentada pela Secretaria de Turismo da prefeitura em mais uma prova de que os atuais gestores vivem no mundo da lua.
São Sebastião e o litoral norte paulista seriam ainda muito piores não fosse a atuação exemplar de outra pequena ONG que não teme os poderosos e seus escusos interesses, e investe contra eles obtendo seguidas vitórias na Justiça. Me refiro ao Instituto de Conservação Costeira, o ICC, mais um dos raros exemplos a serem seguidos.
Ilhabela
Um dos locais mais lindos e ricos em biodiversidade da costa paulista, e com os terrenos mais valorizados do litoral, a ilha é coberta por Mata Atlântica, além de ter outros ecossistemas como costões rochosos, praias, e mata de restinga.
Pra ajudar, tem a menor população entre os três municípios destacados com apenas 36.100 habitantes (IBGE, estimada, 2021). O IDHM é similar, também considerado ‘alto’, com índice de 0,756 (IBGE, 2010).
Esta é uma enorme vantagem. Ilhabela é o único dos três municípios a escapar da superpopulação, nem por isso os nativos têm melhor qualidade de vida.
Maior PIB per capita com os royalties do petróleo
Mas Ilhabela ainda se destaca por ter o mais alto PIB per capita (2019, IBGE): R$ 428.020,22, contra apenas R$ 26.241,36, de Ubatuba; ou R$ 40.182,39, de São Sebastião. Note o privilégio, 100 porcento mais que São Sebastião, e quase o 80% a mais que Ubatuba com apenas um terço da população de ambos.
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Não é milagre. São os royalties do petróleo dos campos de Mexilhão e Sapinhoá, na Bacia de Santos. Entre 2009, e até 2016, o orçamento havia crescido seis vezes. A cidade era a terceira a receber mais royalties no Brasil.
Como cereja do bolo, a ilha ainda tem redutos caiçaras (que vivem uma miséria inadmissível para a terceira cidade a receber mais royalties no País) com talvez as mais lindas canoas da costa brasileira, entre as canoas de voga que fizeram e ainda fazem parte da história da ilha, ou as canoas do Bonete com suas imponentes proas lançadas, um bem cultural tombado pelo IPHAN.
No mesmo período em que seus cofres eram recheados pelos royalties, Ilhabela, ao contrário das outras cidades da região, não conseguia acompanhar a curva ascendente da meta do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Em 2013 o índice do município foi de 5,3, abaixo da projeção de 6,0.
Em 24 de setembro de 2017, o Estadão noticiou que…”a cidade recebe um terço dos recursos do petróleo de São Paulo; prefeitura ganhou sede nova, mas moradores reclamam de falta de infraestrutura.”
Falta infraestrutura, mas sobram casas de veraneio
Sim, falta infraestrutura, mas sobram casas de veraneio de segunda residência dos ricos, grande parte apática, de São Paulo. Entre as mansões, ‘1.600 deixaram de fazer a ligação de suas casas com a rede coletora que já existia’, segundo nos disse em entrevista o então presidente da Sabesp, Jerson Kelman (outubro 2017). Kelman insistiu: “não fazem porque não querem.”
Ou seja, o poder público havia feito sua parte e instalado a rede coletora. Mas 1.600 donos de mansões preferem continuar cagando fora do penico por puro comodismo, é mole? Com os ‘formadores de opinião’ tendo um um comportamento como este, não admira a farra, ou o ‘comportamento’, dos sucessivos políticos…
Concurso para escolher a Miss Brasil
Ainda em 2017, a prefeitura ocupada por Marcos Tenório organizou um concurso para escolher a Miss Brasil, em evento que custou R$ 2,4 milhões de reais, quase 10 vezes o investimento da cidade em saneamento básico. Por este motivo o TCE, Tribunal de Contas do Estado, desaprovou as contas daquele exercício.
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Por estas e outras, Ilhabela caminha célere para se tornar um cortiço de ricos, superadensada, em meio a uma população de classe média baixa e sem perspectivas de ascensão social, que pouco aproveitou a fartura de royalties.
Foi o único local da costa paulista em que vi ‘costões à venda’. Eu disse ‘costões com placas de vende-se’! E quem compra costões?
Promiscuidade
Esta promiscuidade entre a super ocupação em locais protegidos legalmente, e os agentes públicos encarregados da ordenação, faz a ficha criminal dos últimos, incluso o atual prefeito (pela terceira vez!), crescer tanto quanto o preço do metro quadrado (E atingiu o ápice do absurdo em Itajaí, onde um conluio do prefeito Volnei Morastoni (MDB) com a indústria da construção civil tomou posse da prefeitura e ameaça a integridade do município provando que a especulação é quem manda no litoral do Brasil).
Inúmeros foram os que criaram imobiliárias em nome de laranjas para, aos poucos, avançarem sobre as áreas já protegidas pela criação do Parque Estadual de Ilhabela em 1977 ou, mais recentemente, um dos derradeiros redutos caiçaras, a praia e baía dos Castelhanos.
Mais uma vez, não era para os nativos que o prefeito vendia seus lotes.
Mudança do zoneamento para transformar áreas ocupadas por caiçaras
Em vez da famigerada verticalização, prefeitos especuladores da ilha modificaram o zoneamento de praias, entre elas as do Bonete, Castelhanos e Jabaquara, para transformá-las em zonas urbanas, o que permitiria a construção de casas, hotéis, condomínios e resorts.
Prefeito Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB), assumiu em 2001, inelegível em 2005
Ele ficou famoso em 2005 quando mandou comprar todos os exemplares do jornal O Estado de S. Paulo que trazia reportagem “Prefeito avança na mata”, sobre irregularidades cometidas na venda de terrenos loteados em áreas de reserva ambiental.
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A mesma negociata foi denunciada pelo jornalista Fernando de Santis, morador do litoral norte. De Santis foi demitido de dois jornais da região, o Imprensa Livre e o Correio do Litoral.
E sofreu ameaças de morte por telefone, por três vezes. Mas ele denunciou ao Portal da Imprensa a falcatrua: “Ilhabela tem uma máfia de registro de terra, uma máfia ligada a acertos fundiários. E essa máfia tem um braço dentro da prefeitura. O prefeito Manoel Marcos Ferreira (PTB), que foi reeleito, tem uma imobiliária que foi aberta 43 dias depois da posse dele em 2001…”
Em 2005 a Justiça Eleitoral tornou Manoel Marcos inelegível por três anos a partir das eleições de 2004, em razão de irregularidades nos Loteamentos Siriúba 1 e 2, alguns comercializados pela Imobiliária Ilhabela Imóveis, da qual era sócio.
Prefeito Márcio Tenório: eleito em 2016, cassado em 2019
Em 2018 os problemas na comunidade do Bonete vieram mais uma vez à tona. O então prefeito, Márcio Tenório (MDB), tentou mudar o zoneamento da região caiçara escorado pelo discurso fajuto de ‘trazer melhorias’ aos moradores…
Na época o Ministério Público Federal (MPF) do litoral norte instaurou um inquérito civil público, enquanto a parcela da sociedade que se preocupa com a questão ambiental entrou em campo. Depois de muita polêmica, as tais ‘melhorias’ foram deixadas de lado.
Márcio Tenório (PMDB) foi eleito em 2016, mas cassado em 2019 por, segundo a Polícia Federal, ‘fraude à licitação, superfaturamento de preços, corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais e associação criminosa’.
Assumiu a vice, Gracinha Ferreira (PSD) que ficou um ano e meio no cargo.
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Gracinha Ferreira (PSD), 2019-2021, e bens bloqueados por improbidade
Pouco tempo. Mas suficiente para que em 2021 Gracinha tivesse seus bens bloqueados pela Justiça por suspeita de improbidade e enriquecimento ilícito.
Nada de novo no front…Um cassado, outro declarado inelegível; um terceiro com bens bloqueados pela Justiça. É o resultado da especulação nos balneários mais visados litoral afora. Significa também, corruptos, e corruptores, à beça.
O prefeito Toninho Colucci entre 2009 e 2016
Sua primeira gestão à frente da prefeitura não deixou saudades ao menos para este site. Toninho tentou mudar o zoneamento de praias distantes onde vivem caiçaras, desapropriou áreas enormes que até hoje não têm sua função pública definida.
Em 2013 novo ataque aos redutos caiçaras. Colucci propôs alterar o plano de gerenciamento costeiro. Pelo projeto, as comunidades de Bonete e Castelhanos seriam classificadas como Z4, o que as enquadraria como ‘áreas urbanas’.
Mas não foi tudo. Enquanto prefeito, doou um milhão para uma escola de samba quando a cidade não tinha sequer saneamento. Ou ameaçou a beleza natural com obras faraônicas e de mau gosto, como um mirante previsto para um dos lugares mais bonitos da região.
Toninho responde a dezenas de procedimentos por improbidade. Em 2020, de acordo com o g1,”Toninho Colucci e a esposa Lúcia Colucci foram sentenciados a cumprir penas em regime semiaberto, a perda de cargos públicos e ressarcimento de R$ 156 mil aos cofres públicos’.
E a ‘excentricidade’ que queria construir como mirante foi suspensa pela Justiça.
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Jogando dinheiro público no lixo ao ‘disponibilizar’ hidroxicloroquina e ivermectina contra a Covid-19
Esta terceira gestão ainda está no início, mas já foi suficiente para demonstrar o que mais pode vir pela frente. Em fevereiro de 2021, no auge da mortal Covid-19,o blog da cidadania informava que ‘Toninho Colucci decidiu comprar e disponibilizar o chamado “kit Covid”, formado por medicações sem efeito contra a praga como hidroxicloroquina e ivermectina’.
‘Colucci afirmou que a cidade já estava com hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina na rede, e que talvez tivesse que comprar apenas vitamina D e zinco’.
Em 2022 aumento de salários do prefeito, do vice, e dos secretários municipais
Em janeiro deste ano nova baixaria. Enquanto mais de 116 milhões de brasileiros passavam fome, segundo pesquisa feita em dezembro de 2020 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), a Câmara Municipal de Ilhabela aprovou um aumento nos salários do prefeito, do vice, e secretários municipais.
Com a benesse, o salário de Toninho passou dos atuais R$ 24 mil para R$ 30,5 mil, enquanto os ganhos do vice e dos secretários municipais subiram de R$ 14 mil para R$ 17,8 mil. Nepotismo?
Na ocasião os vereadores aprovaram aumento de 14,19% para os demais servidores do município afinal, dinheiro não falta, sobra nos cofres de Ilhabela!
Beneficiados com o reajuste de 27,22%
Segundo a ISTOÉ Dinheiro, ‘além do prefeito, dois familiares diretos do mandatário – sua mulher, Lucia Heidorn Colucci, secretária municipal de Saúde, e o filho, João Pedro Reale Colucci, vice-prefeito -, foram beneficiados com o reajuste de 27,22% – quase três vezes o índice de inflação’.
A revista informa que o reajuste foi aprovado mesmo com parecer contrário da procuradoria jurídica da Câmara que entendeu “não ser possível a reposição inflacionária, durante o mandato, aos subsídios dos agentes políticos, sejam eles do Poder Executivo (prefeito, vice-prefeito e secretários municipais) ou do Poder Legislativo (vereadores)” e “…sob pena de ofensa aos princípios da moralidade, conforme já decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo”.
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Litoral brasileiro e a engorda de praias
Mas não é tudo. Toninho Colucci se mostra encantado com a engorda de praia do suprassumo do absurdo, conhecido como Balneário de Camboriú (SC), a ‘Dubai brasileira’. E promete fazer o mesmo em seis praias da ilha.
A ver…
Resort em Castelhanos
Esta é outra ameaça para a integridade de Ilhabela. E, mais uma vez, o algoz está na prefeitura. A esposa de Toninho Colucci, de família tradicional da ilha, se diz ‘dona’ de Castelhanos onde pretende construir um resort. Como assim, proprietária de área ocupada há gerações por caiçaras?
Em razão da ameaça surgiu um movimento para a criação de uma reserva extrativista municipal, ou Resex, o que de fato aconteceu em janeiro de 2021.
Reservas extrativistas
Estas unidades de conservação são úteis ao menos para garantir que os nativos possam nelas permanecer. Como são áreas públicas não utilizadas pelo Estado, onde famílias vivem há gerações, ‘reservá-las’ (e protegê-las) para este contingente é pertinente, foi por isso que nasceram as Resex.
Sem título de posse ou recursos, famílias sujeitas a intempéries da praga-mor do litoral, a especulação, são aliciadas há gerações pelo carapálida.
Neste sentido, a garantia de posse, as Resex podem funcionar, embora ao nosso ver não sejam eficientes em termos de conservação.
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E, agora, o que mais virá pela frente?
Veredito: tudo errado, e todos têm parte da culpa – opinião do Mar Sem Fim
Até este derradeiro sub-título, o texto relatou fatos concretos denunciados por inúmeras fontes, processos públicos, acusações judiciais, imagens contundentes, e depoimentos.
Um relato propositalmente adjetivado para infundir ao leitor o mesmo e desestabilizador efeito que sentimos ao revisitar locais que tivemos o privilégio de conhecer mais de 50 anos atrás.
E também porque este escriba nunca escondeu ser um ‘expectador engajado’, e se recusa aceitar que a sua geração deforme uma belíssima paisagem de um planeta com mais de 4,5 bilhões de anos, em apenas 60 anos!
Não é possível que nossa herança seja apenas esta banalização das paisagens litorâneas. E é ainda mais dramático que isso aconteça num País carente de recursos, que precisa investimentos mas ignora a evidente oportunidade que o litoral oferece.
Com natural vocação para o turismo, e imenso potencial para transformar a zona costeira numa das áreas mais ricas do país com forte geração de empregos, aumento de renda e consequente melhora do padrão de vida, o setor do turismo talvez seja o único capaz de prover o que até hoje não se conseguiu: a sustentabilidade, tão falada e decantada, do litoral.
Mudar nosso olhar, difícil; mas possível
É forçoso ter um olhar crítico para o nosso modelo de ocupação por quem, como eu, frequenta o espaço há tanto tempo.
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Não tenho dúvidas de que este modelo, que quase sempre destrói a paisagem, eterniza a pobreza, e muitas vezes leva junto a biodiversidade, está mais que na hora de ser rediscutido pela sociedade.
Os problemas são muitos. A queda da biodiversidade em escala global e com a rapidez atual, já levou muitos pesquisadores a se perguntarem se já não vivemos a sexta extinção em massa.
Se ainda não há consenso sobre isso, ninguém questiona que vivemos uma nova era geológica: o Antropoceno. Em outras palavras, a influência humana sobre o planeta é de tal forma violenta que justifica uma nova era geológica.
Não seria este o momento?
Não seria o momento de repensar a ocupação do litoral, que traz poucos recursos, mantém a população nativa refém e sem possibilidade de ascensão social; destrói a paisagem e a biodiversidade e, em grande parte dos casos, promove a corrupção?
Enfim, não terá chegado o momento de repensarmos o modelo?
Image de abertura: Arquivo MSF
Fontes: https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2021/08/31/prefeitura-de-sao-sebastiao-e-casa-do-prefeito-sao-alvos-de-operacao-do-mp-contra-corrupcao.ghtml; https://exame.com/brasil/ilhabela-estuda-alargar-seis-praias-como-fez-balneario-camboriu/; https://lugaresperfeitos.com.br/top-7-melhores-cidades-do-litoral-de-sao-paulo-para-se-viver/; https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1707200601.htm; https://veja.abril.com.br/brasil/operacao-da-pf-mira-desvios-milionarios-em-sao-sebastiao-sp/; https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/sp/sao-sebastiao.html; http://www.broadcast.com.br/cadernos/politico/?id=M0tPNndDOWVaNi9HcHpZMkVJSm1ZZz09; https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2021/06/16/justica-bloqueia-bens-de-ex-prefeita-de-ilhabela-por-suspeita-de-improbidade-e-enriquecimento-ilicito.ghtml; https://www.istoedinheiro.com.br/camara-de-ilhabela-aprova-aumento-de-27-e-prefeito-vai-ganhar-r-30-mil/.