lhas Argentinas, 65º 14” Sul, até Cuverville Island, 64º 41” Sul

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    A região das Ilhas Argentinas, local da antiga base inglesa Faraday, atualmente ocupada pela ucraniana Vernadsky, é espetacular. Este foi o ponto mais próximo do polo que decidimos atingir: 65 graus, com 14 minutos, de latitude Sul.

    O Mar Sem fim deixando Vernadsky
    O Mar Sem fim deixando Vernadsky

    O trajeto para chegar, ou sair, vale como prêmio. É preciso atravessar o estreito de Gerlache. Depois, o canal Lemaire, que tem cerca de 600 metros na parte mais estreita. Nas suas margens imensas montanhas disputam espaço, algumas com altura de mais de dois mil metros. Elas sobem verticalmente, como prédios de granito, a partir do nível do mar. É estonteante navegar ao lado delas. Dá medo.

    Enormes montanhas da margem do Lemaire
    Enormes montanhas da margem do Lemaire

    A neve acumulada nos picos e encostas forma imensas geleiras que despencam para o mar. Enquanto isto, no estreito, alguns icebergs velejam ao sabor dos ventos. Outros, encalhados, de perigo à navegação passam a ser a principal atração.

    Não parece um tubarão?
    Não parece um tubarão?

    A gente fica sem saber para qual lado olhar. A oferta de situações, paisagens, e sensações inusitadas, é gigantesca para um espaço nem tão grande assim: o Gerlache tem 90 milhas. O Lemaire não passa de sete.

    Cemitério de icebrgs na região de Vernadsky
    Cemitério de icebrgs na região de Vernadsky

    Quanto mais a navegação avança para o Sul, mais extraordinários ficam os cenários. É arrebatador. Foi preciso chegar até aqui para entender o fascínio que a Antártica desperta nos navegadores polares. Quando eu achava que nada mais poderia me surpreender, nova cadeia de montanhas com contornos dramáticos (tudo é superlativo), ou icebergs espalhados, com cores vibrantes e formas incomuns, tiravam o nosso fôlego.

    Elefante marinho...parece gente se coçando
    Elefante marinho…parece gente se coçando

    O colorido em dias de sol é outro atrativo. As tonalidades são especiais. Eu nunca tinha visto luz parecida. O ar é limpo, a poluição é próxima do zero, a vista alcança distâncias inimagináveis. Perde-se a referência pela falta de costume de enxergar tão longe e com tamanha claridade. No verão, nestas latitudes, não há mais noite. São 24 horas de ótima visibilidade em dias de céu aberto. O sol bate forte quase até às 23 horas. Depois ele some, ameniza, mas não chega a ficar escuro.

    Ao descer para o Sul, a partir das Shetlands, a coisa começa a ficar séria ao atravessar o estreito de Gerlache.

    Baleias no estreito de Gerlache
    Baleias no estreito de Gerlache

    Adrian de Gerlache foi o organizador da expedição belga de 1897- 1899, e o primeiro a invernar na Antártica. O Brasil deve a ele alguns nomes de topônimos na Antártica.

    O belga fez escala no Rio de Janeiro, antes de chegar na Antártica, e convidou pesquisadores brasileiros para se engajarem na viagem, sem sucesso. Mesmo assim Gerlache batizou acidentes geográficos com nomes tupiniquins, como as ilhas, na verdade penedos, Luis Krulls, que ficam na latitude 65º 13” S. Outro grupo de pequenas ilhas recebeu o nome Sampaio Ferraz (65º 08” S), em homenagem a Joaquim Sampaio Ferraz, na época chefe do serviço de meteorologia brasileiro.

    Ninho de skua
    Ninho de skua

    Apesar da homenagem, acredito que meia dúzia de pessoas conheçam esta história. Descobri por acaso ao entrevistar o professor, e decano dos brasileiros na Antártica, Rubens Junqueira Villela. Ele ainda lembrou que Jean Batiste Charcot, filho do famoso neurologista, organizador da expedição francesa de 1908/1910, fez igual e também batizou acidentes geográficos com nomes de brasileiros ilustres, entre eles o monte Rio Branco (latitude 65º 26” S). Em minhas pesquisas, antes da viagem, jamais achei qualquer referência nos muitos livros, folhetos, guias, sites, artigos, etc, editados pelo governo brasileiro. Nesta questão a omissão do poder público parece ser histórica. Sugere ignorância. Me pergunto se eles sabem…

    Chegamos na base ucraniana de Vernadsky, na madrugada do dia 3 de janeiro. Encontramos o Kotic na mesma baía. O veleiro de Oleg Belly, que faz expedições privadas na Antártica, tem entre os passageiros quatro brasileiros: dois paulistas e dois mineiros.

    Eu esperando minha vez para subir...
    Eu esperando minha vez para subir…

    No dia seguinte saímos juntos. Liderados por Igor Belly que, aos 26 anos, já veio mais de 20 vezes para a Antártica, fizemos uma excursão que terminou com todos escalando um paredão, até entrarmos numa gruta no gelo.

    Brincando de tatu polar...
    Brincando de tatu polar…

    De noite, convidados pelos ucranianos, visitamos Vernadsky. O lugar é emblemático para a Antártica. Foi aqui, nos anos 80, quando ainda era a base inglesa Faraday, que pesquisadores descobriram o buraco da camada de ozônio na atmosfera.

    Passamos a noite batendo papo, na verdade, tentando entender o enigmático inglês dos ucranianos. Foi divertido.

    Interior da base ucraniana de Vernadsky
    Interior da base ucraniana de Vernadsky

    Ao darmos uma garrafa de cachaça, a aguardente brasileira, eles desdenharam e perguntaram sobre o teor alcoólico. Olhei no rótulo e respondi: 34 graus.

    Humm, grunhiu um deles com indiferença, nossa vodka tem 47 . Só faltou dizer: crianças, tsk, tsk, tsk…

    Os discos estão novos em folha. Coisa de inglês...
    Os discos estão novos em folha. Coisa de inglês…

    No dia seguinte, antes de iniciarmos a navegacão para o norte, visitamos a antiga base inglesa, erguida em 1945, hoje um museu. Ela foi costruída em madeira, por isto, de tempos em tempos tem que ser reformada. Dois ingleses, de uma ONG que se ocupa dos sítios históricos da Antártica, estavam cuidando do trabalho, restaurando e mantendo o plano original.

    Das Ilhas Argentinas para Port Lockroy, um dos locais mais visitados na Antártica. Navios e barcos privados fazem fila para entrar.

    Nossa chegada foi nervosa. O Nordeste, o pior vento por aqui, soprava com força. Nas rajadas superava 50 nós. Foi um custo até chegarmos ao lugar ideal para soltar o ferro. Quando estávamos quase lá, entrava uma rajada que jogava a proa do Mar Sem Fim, como se fosse um brinquedinho, para o lado oposto. Então a manobra tinha que recomeçar. E tome vento! Conseguimos depois de várias tentativas.

    Valeu a pena. A baía onde fica esta base inglesa é muito bonita. Port Lockroy é outro sítio histórico da Antártica.

    Port Lockroy
    Port Lockroy

    Construída em 1945, ela hoje é mantida como museu. Lá você encontra jornais, ferramentas e instrumentos científicos usados pelos pesquisadores; comida, e até um gramofone de manivela, funcionando, com vários discos em 78 rotações à disposição.

    Ninho feito com pedras em Lockroy
    Ninho feito com pedras em Lockroy

    Aproveitei para mandar cartões postais para meus filhos Luis, e José. Já faz dois meses que não nos vemos. A saudade aperta…

    Antigo bar na base inglesa de Port Lockroy
    Antigo bar na base inglesa de Port Lockroy

    Port Lockroy funciona como posto de correio, desde que você não tenha pressa. Uma carta pode demorar até dois meses para ser enviada. Em compensação, o selo é uma bela imagem do Endurance, o navio da expedição de Ernest Shakleton, e o carimbo do correio, um charmoso grupo de orcas ou pinguins.

    O habitante e os visitantes...
    O habitante e os visitantes…

    De Locroy fomos para a base Palmer, dos Estados Unidos, e reencontramos o Kotic.

    Eu, Pedrão e Oleg Belly
    Eu, Pedrão e Oleg Belly

    Dois dias depois navegamos para a baía Dorian, local escolhido por Amyr Klink para uma invernagem que o consagrou como navegador polar.

    O Mar Sem Fim fundeado na baía Dorian
    O Mar Sem Fim fundeado na baía Dorian

    Descobri que além de competente, ele tem bom gosto. A baía é magnífica.

    Por falar no Amyr, ele está chegando. Temos trocado e-mails. Há uma boa possibilidade do Mar Sem Fim e o Parati se encontrarem em Melchior (latitude 64º 20” S), dentro de dois a três dias. Estamos torcendo.

    Em Dorian fiz uma graça. Ali há um refúgio. Mais uma obra dos ingleses para exploradores ou navegadores em situação de dificuldade. Uma casinha bem construída, com comida, roupas, livros, enfim, algumas necessidades básicas. Como as outras do tipo, ela fica sempre aberta. Os visitantes às vezes deixam recordações. Na parede há uma foto do Parati com uma dedicatória do Amyr. Beto Pandiani colocou um de seus livros nas prateleiras.

    Contribuição do Mar Sem Fim para o refúgio em Dorian: água!
    Contribuição do Mar Sem Fim para o refúgio em Dorian: água!

    O Mar Sem Fim seguiu estes exemplos. Deixamos uma caixa de água potável, da SABESP, nosso patrocinador, e um suplemento do Estadão sobre meio ambiente, cujo título remete à necessidade de cortes de emissões de dióxido de carbono, o gás causador do efeito estufa, que produz o aquecimento global ( não me incomoda o fato do Mar Sem Fim chegar aqui queimando diesel. Não me cobrem isto. Para mostrar a Antártica na TV eu não tinha outro modo. E para minimizar o impacto, a Mar Sem Fim Comunicações vai plantar mais de mil árvores para compensar a pegada).

    Cenários que valem a pena
    Cenários que valem a pena

    De Dorian para Paradise Harbor, outra linda baía. Já não sei que adjetivos usar. Esgotei o estoque. Eles se desgastam. Basta mudar de lugar. É só navegar 15, 20 milhas. Pronto: uma sucessão de paisagens soberbas te obrigam a vasculhar os superlativos. Acredite, o litoral da Antártica é obra de gênio. E gênio muito inspirado.

    Base argentina Brawn, mais um lugar espetacular
    Base argentina Brawn, mais um lugar espetacular

    Quando penso nisto fico ainda mais feliz pela obra ousada. Nunca senti tantas, e tão fortes emoções. E, ao contrário daquelas do Drake, estas são deliciosas. Fazem acreditar que o esforço é grande, e o homem, pequeno. Que um ambiente semi-virgem, como este, desenhado com capricho pela geologia, através das eras, povoado por uma resistente fauna de mamíferos marinhos quase levada à extinção pela insensibilidade humana, hoje te perdoa, acolhe e convida. A alma é divina e a obra imperfeita, acertou Fernando Pessoa. Cada segundo aqui vale uma hora. Cada hora um dia. Cada dia uma semana. Lá vem os superlativos de novo…

    Jubarte mostra a cauda
    Jubarte mostra a cauda

    Estamos fundeados em Cuverville Island, cercados por montanhas nevadas, com diversos icebergs encalhados no entorno.

    Nos morros em volta, uma pinguineira, e uma infinidade de pássaros em permanente algazarra.

    Agora a cabeça...
    Agora a cabeça…

    O tempo continua espetacular. Desde que saímos das Ilhas Argentinas só tivemos dias esplêndidos, com sol, céu azul, e pouco vento.

    O que mais eu poderia querer?