A questão do meio ambiente

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    Hoje, no Brasil, a questão do meio ambiente está muito presente no dia-a-dia. Mas não pela convicção de que é possível um crescimento sustentável. Os motivos são os mais diversos. E às vezes, bizarros.

    O ministro do meio ambiente vive às turras com o da agricultura. As agressões de aliados, de um ou outro lado, enchem páginas de jornal.

    No Congresso Nacional, o Código Florestal passa por uma revisão, com muitas de suas leis sendo questionadas, e mudadas, depois de quase nunca terem sido observadas…

    Alguns estados, como Santa Catarina, campeão em desmatamento recente da Mata Atlântica, se rebelam, e decretam novas leis ambientais, contrariando o que está na lei maior, o Código Florestal. Enquanto isto, os eventos climáticos extremos perdem a timidez, e nos enchem de avisos: inundações, ondas de calor e frio, tufões. O arsenal é variado. E o custo, em vidas humanas, sofrimento e pecuniários, é altíssimo. E isto é só a introdução deste assunto, na terra do samba do crioulo doido.

    De tempos em tempos o presidente Lula mete a colher, então o tema ganha todas as manchetes. Uma hora sua excelência protesta pela atenção que se dá aos bagres neste país.

    Parece que peixe é uma especialidade. Tanto assim que, em agosto deste ano, Lula criou mais um ministério: o da pesca. E prometeu uma reforma aquária sem precedentes, dobrando a produção e gerando mais de um milhão de empregos. E isto tudo logo depois dos dados do REVIZEE (Programa de Avaliação Sustentável dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva Brasileira) terem sido divulgados, informando que 80% dos nossos cardumes estão superexplorados.

    E assim chegamos às vésperas da convenção do Clima, da ONU, em Copenhague. Por falar nela, a posição do Brasil muda a cada semana. Até bem pouco não aceitávamos metas de redução de nossas emissões. Agora, depois do efeito Marina Silva, nossa diplomacia mudou. Na cúpula de Roma, este mês, Lula afirmou que todos terão que apresentar números, quando se referia às metas de redução de emissões.

    E na Argentina, será que o tango deles é tão doido quanto o nosso samba?

    Aproveitei a estadia em Puerto Madryn, para conversar com ambientalistas da Fundação Patagônia Natural, e pesquisadores do Centro Nacional Patagônico, CONICET.

    Eu queria saber como funcionam as reservas e parques daqui, e qual a responsabilidade de cada setor envolvido. Quem financia isto tudo? Também me interessava conhecer as maiores pressões sobre o mar patagônico, e como os argentinos se relacionam com o espaço marítimo.

    O biólogo Pablo Yorio, do CONICET, disse que, hoje, na Argentina, há poucas áreas marinhas protegidas, a maioria de responsabilidade das províncias (corresponde ao estado, no caso brasileiro).

    A respeito das pressões sobre o mar, Pablo menciona a sobrepesca, e o petróleo.

    Na Argentina, do total de petróleo produzido, 2,6% vêm da exploração offshore. E petróleo bruto é um dos principais produtos transportados por mar, ao largo da costa. Caso haja um acidente, as consequências serão muito sérias.

    Em setembro de 1991, pelo menos 17 mil pinguins de Magalhães, morreram por contaminação de hidrocarbonos, de origem desconhecida.

    Pablo ainda citou a contaminação por metais pesados, geralmente oriunda de poluição industrial, e áreas portuárias. Por último, mencionou a introdução de animais exóticos. E contou da contaminação da baía de Puerto Madryn, via água de lastro, por uma alga de origem asiática. A batalha está perdida, não há controle. A alga estranha já colonizou grandes áreas.

    Também conversei com o biólogo Ricardo Delfino Shencke, da Fundação Patagônia Natural.

    A sobrepesca o preocupa, e ele cita o caso mais notório que aconteceu com a merluza comum, uma das espécies mais pescadas. Seus cardumes entraram em colapso devido aos excessos, entre 1993 e 2004. A biomassa de adultos reprodutores diminuiu em 70%, no período 1987- 2006.

    Outra espécie que corre este risco, é a corvina, em vias de ser considerada superexplorada.

    Pergunto sobre fiscalização da atividade. Ricardo diz que todos da cadeia produtiva participam: armadores, pescadores, governo, mas não citou como é feito o controle. Aparentemente, as áreas envolvidas conversam, e fazem acordos quanto ao tamanho mínimo de cada espécie, defeso, etc.

    O litoral portenho é grande, tem cerca de 4 mil km de extensão. Segundo o estudo Síntesis del estado de conservacion del Mar Patagônico, de autoria de mais de 80 especialistas, do Foro para la Conservacion del Mar Patagônico, esta é uma das áreas marinhas mais produtivas do Hemisfério, apresentando uma concentração de fitoplâncton, base da cadeia alimentar, três vezes maior que em outros mares e oceanos.

    E mais: ao contrário de outros mares, no patagônico ainda não se registra nenhuma extinção de espécies, e conclui: caminhamos para o colapso de algumas populações, outras estão diminuindo seu tamanho de forma considerável, mas não temos extinções. O estudo afirma que ainda há condições de sustentar a integridade ecológica, e o potencial produtivo deste ecossistema com três milhões de quilômetros quadrados.

    Como problemas sérios, ele aponta 20 cidades, argentinas e uruguaias, que despejam esgotos sem tratamento no mar. A pesca ilegal é outra ameaça em toda a região.

    O estudo ainda considera preocupante a degradação dos ambientes marinhos, o turismo de massa, o desenvolvimento desordenado de cidades litorâneas, a pesca de arrasto de fundo, e o descarte da fauna acompanhante.

    A respeito da sobrepesca há dados alarmantes. Por exemplo, em 1994, a pescaria de centolla, no canal de Beagle, teve que ser interrompida devido ao colapso da espécie no local.

    Problema igual ao dos bancos de almeja amarela, da província de Buenos Aires.

    O estudo ainda ilustra algumas das consequências da introdução de espécies. E cita o caso de salmonídeos introduzidos, como a truta arco iris, e o salmom Chinok, cujas presas são as mesmas dos pinguins nativos destas águas (pinguim de magalhães, e de penacho amarelo). E alerta: um aumento no tamanho da população destes salmões poderia mudar sua situação, passando de espécies invasoras, a transformadoras do ecossistema, já que começariam efetivamente a competir com os pinguins em busca de alimento.

    Na costa do Mar Patagônico (que inclui o Sul do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile), o estudo contabiliza 95 áreas protegidas, várias delas criadas nos últimos anos. Na costa argentina existem 45 áreas protegidas, 36 das quais sob jurisdição provincial.

    Segundo os pesquisadores que entrevistamos, estas áreas são basicamente continentais. No máximo, em algumas, parte de seus limites são marinhos.

    Voltando ao estudo, ele informa que somente 0,5% do mar patagônico está protegido sob alguma forma de reserva. No caso argentino, a cifra é de 0,7%. O estudo diz ainda, que o Chile é o país com mais antecedentes na criação de áreas marinhas protegidas, mas na zona austral estas áreas são muito escassas.

    Um caso emblemático, e recente, que está monopolizando a atenção dos ambientalistas, é a tentativa de se criar o primeiro parque marinho e costeiro da Argentina, justamente para proteger a diversidade da fauna e flora do golfo de San Jorge, um pouco abaixo da Península Valdes.

    Este parque nacional seria de responsabilidade federal, o que criou um conflito com a província de Chubut, que até agora era a única responsável pela exploração de seus recursos vivos. Pelo receio de perder o privilégio, receita e empregos, com possíveis restrições à pesca, o parque só saiu do papel muito recentemente. Está em vias de ser implantado.

    Na seção generalidades, o estudo mostra dados interessantes para o problema da nova governança marítima que se impõe.

    Para começar, diz que historicamente a Argentina se desenvolveu de costas para o mar e ao aproveitamento de seus recursos. Só nas últimas décadas houve um esforço maior, que incrementou as capturas em 150% acima dos números das décadas de 70 e 80.

    A pesca para a Argentina, Brasil, e Uruguai, tem uma importância relativa baixa. Representa 0,8% dos bens produzidos anualmente pelo Brasil. 0,3% do PIB argentino em 2006, e 0,1% da produção total do Uruguai.

    Na Argentina a atividade pesqueira produziu 18 mil postos de trabalho formais em 2006. As vendas atingiram 1.200 milhões de dólares, e o setor ocupou o quarto lugar nas exportações de alimentos.

    As capturas de pescado giram ao redor de 1 milhão de toneladas/ano. Os números estão estabilizados, são ligeiramente declinantes, nos últimos cinco anos.

    Enquanto isto, entre 1990 e 1999, a tonelagem da frota pesqueira de alto mar, se multiplicou em mais de cinco vezes!

    O país fez um acordo com a União Europeia, que permitiu ao bloco econômico, especialmente, Espanha, criar empresas mistas de pesca, e deslocar parte de seus barcos que agora atuam por aqui, com bandeiras argentinas.

    Comparando com o que vimos na viagem pela costa brasileira, a Argentina só está melhor no quesito destruição da paisagem. Por seu clima severo, o litoral portenho quase não abriga resorts em estilo neo clássico (como os que arrebentam a paisagem do nordeste brasileiro), muito menos a quantidade de condomínios, casas de veraneio, prédios e mansões de seu vizinho tropical.

    Oportunamente, volto ao tema ambiental.

    No momento estamos quase concluindo a travessia do golfo de San Jorge. Dizemos os mareantes daqui, que quando o tempo fecha, a coisa fica feia, bate que nem Santa Catarina.

    E nossa previsão meteorológica indica que vem aí um centro de baixa pressão, parrudo. Não é bom brincar nas altas latitudes. A caleta Sur, onde estamos chegando, fica nos 47 S…

    Para evitar a frente, saímos cedo, de madrugada, da caleta Hornos, na extremidade norte do golfo San Jorge.

    Das 120 milhas do percurso, já cumprimos 90. Durante este trecho os ventos foram de Noroeste, com mar de Oeste. Vagas de 1,5 até 2 metros. Não faz muito tempo, o vento rondou para Oeste, e subiu de intensidade. Nas rajadas chegava aos 30 nós. Há pouco rondou de novo, desta vez para Sudoeste. Justamente de onde vinha o centro de baixa pressão, informado por nossa meteo.

    Por causa destas condições, o Mar Sem Fim joga de lado. Às vezes, quando a onda é maior, sou obrigado a me debruçar sobre o computador, para segurá-lo. Na volta do balanço, é preciso ficar atento para não cair para trás.

    No meio do exercício de equilíbrio, um enorme albatroz sai do cavado de uma onda, e passa rente à nossa janela, bem na minha frente, contra o azul escuro do mar, e o azul claro, do céu, no horizonte.

    É uma cena inusitada e bonita.

    Por hoje é só.