O litoral de Búzios – Macaé – Cabo Frio – Baía da Guanabara na viagem do Mar Sem Fim
Diário de Bordo, quinta- feira, 11- 05- 2006: o litoral de Búzios – Macaé – Cabo Frio – Baía da Guanabara
Oba! Mais uma etapa está começando. Não sei o que vai ser de mim quando este projeto terminar. Poucas vezes trabalhei em algo de que gostei tanto, e olha que adorava o que fazia nos tempos de Rádio Eldorado. Além do prazer, do aprendizado dos macetes, linguagem e ritmo da TV, tenho aumentado demais meus conhecimentos sobre o mar e seus problemas com as entrevistas. Visitei lugares espetaculares e tenho certeza que outros ainda mais bonitos nos aguardam. E não passa um mês sem que reveja meu veleiro, onde me sinto melhor do que em minha própria casa. O que mais eu poderia querer?
Um avião em São Paulo: começa a etapa
Bem, pegamos um avião em São Paulo e voamos para o Rio de Janeiro. Às nove da manhã pousamos no Santos Dumont. Aluguei um carro e tocamos, eu, Paulina, e Cardozo, para o Campus da Universidade Federal para as duas primeiras entrevistas que havíamos agendado. Eu queria aprender sobre o fenômeno conhecido como “ressurgência”, que ocorre em Cabo Frio, para onde esta etapa vai nos levar.
Entrevistas com especialistas
Conversamos com o professor Jean Louis Valentin, do Instituto de Biologia da Universidade carioca. Desde 1972 ele se dedica ao tema. Em seguida, falamos com o geólogo Edson Farias Mello, que nos contou sobre as jazidas de minerais que se encontram nos oceanos. E ainda marcamos novas entrevistas com professores do departamento de Geologia, especializados em extração de petróleo, já que vamos navegar pela bacia de Campos.
Terminamos ali pelo meio- dia. Tocamos para Búzios onde chegamos no meio da tarde. Alonso, sempre ele, nos aguardava no Iate Clube. O Mar Sem Fim estava lindo, amarrado a uma das boias deste charmoso clube que fica na praia dos Ossos. Amanhã começamos a explorar as redondezas.
Sexta- feira, 12- 05- 2006.
Pela manhã, tivemos notícia de nova frente fria que estava subindo a costa brasileira, com previsão de chegar amanhã. Corremos para registrar suas belas praias ainda com céu azul. A partir de agora será uma constante nossa briga contra as frentes frias. Enquanto estávamos no Norte e Nordeste eu nem me preocupava. Elas raramente chegam até lá mas, no Sudeste, especialmente nesta época do ano (Outono e Inverno), não se pode brincar. Se forem apenas fracas prejudicam o colorido e a beleza dos programas. Mas, se forem fortes podem nos causar desde desconforto até problemas bem mais sérios.
No Outono e Inverno não há mais as massas de ar quente
No Outono e Inverno não há mais as massas de ar quente que ficam estacionadas sob o Brasil, que impedem ou, no mínimo, dificultam a penetração de frentes frias. Agora é diferente. Com a temperatura mais fria não há nenhuma barreira para estas frentes que sobem a partir da Antártica. E vem uma atrás da outra numa sucessão interminável.
Búzios; falta de infraestrutura
Búzios é um belíssimo balneário carioca que ganhou fama nacional e internacional quando Brigitte Bardot, nos anos sessenta, visitou e se encantou com o lugar. Depois disso o lugar parece que nunca mais saiu da moda. E “ferve” até hoje. Cresceu muito mais que sua infraestrutura, este o primeiro problema. Para se ter uma ideia, de acordo com dados do IBGE (ano 2000), a população é de 18.200 habitantes que moram em 5.340 domicílios particulares. Apenas 212 deles, ou 0,04 %, têm rede de esgotos! Como sempre os dejetos humanos vão pro mar.
Imagine este lugar em feriados e nas férias quando centenas de hotéis, pousadas, e condomínios ficam abarrotados de turistas. Preciso dizer o que acontece?
Litoral de Búzios – Macaé – Cabo Frio – Baía da Guanabara: capa vegetal x cimento armado
Passeando por aqui pude ainda ver que a capa vegetal perde espaço para o cimento. Não há prédios, felizmente o plano diretor não permite e apenas isto merece um elogio, em compensação há casas nas encostas e no topo de quase todos os morros. Mas a beleza das praias e enseadas resiste. E a cor da água é especial, oscilando entre o verde e o azul escuro. O centro da cidade é muito charmoso, com lojas de grife, ruas estreitas calçadas com pedras, e restaurantes e bares de todo tipo. E ainda existe gente que vive apenas da pesca, poucos, em razão, provavelmente, da “ressurgência” que ocorre tão perto daqui.
Sábado, 13- 05- 2006.
Apesar de ontem o tempo estar arruinado, hoje amanheceu um dia cheio de azul no céu. Mas fazia frio. Descemos para procurar alguns pescadores e conversar. E não demorou nada encontrá-los. Ao lado de onde estamos há uma colônia de pesca, e na praia havia um grupo conversando. Pelo jeitão logo vimos que eram quem procurávamos. Nossa repórter, Paulina Chamorro, em poucos minutos estava íntima e no maior bate- papo com um deles. Seu nome era Tinho. Um cara forte, de seus 40 e poucos anos.
Búzios e a pesca
Como vai a pesca hoje em dia? , perguntou. Simpático e muito expansivo, Tinho deitou falação: não se pesca quase mais nada. Não há mais garoupas, nem badejos. A lagosta desapareceu, está cada vez mais difícil viver da profissão. Mal dá pra pagar os custos.
E o turismo?
E quanto ao turismo, não movimenta a economia? Que turismo que nada, desancou.
Apesar de termos visto vários argentinos, uns poucos ônibus de turistas, e alguns chilenos passeando, parece que esta atividade não tem sido forte o suficiente para gerar renda e criar novos postos de trabalho para a população, ao menos fora da temporada como agora. Tinho contou que a maioria dos pescadores vendeu suas casas em frente ao mar e se afastou, morando cada vez mais longe de onde tira seu sustento. Segundo ele não conseguiram outra fonte de renda. Continuam a depender dos humores do mar.
Embarcando no Mar Sem Fim
Enquanto Paulina e o cinegrafista Cardozo embarcavam no veleiro, lá fui eu, no escritório, dar conta da dolorosa. Mas… surpresa! O Comodoro foi gentil. “Me mandem uma cópia do programa e boa viagem”. Legal, nos livramos ao menos de uma.
O estrago cênico causado por construções irregulares
Embarquei e seguimos viagem. Antes de rumar para Macaé dei uma volta de barco por todo o cabo de Búzios, para podermos gravar sua ocupação da perspectiva do mar. Só assim as pessoas se dão conta do estrago cênico de casas nas encostas e em cima dos morros, da falta da vegetação causada pela ocupação desordenada. Ou da monotonia dos condomínios com suas casas normalmente sem charme ou graça, idênticas umas às outras, tal qual um imenso eucaliptal…
Deslizando para Macaé
Depois, colocamos 30 graus na bússola, levantamos a mezena (vela pequena de ré), abrimos a genoa (vela grande de proa), e fizemos uma deliciosa velejada empurrados pelo sudoeste, deslizando pelas ondas a mais de oito nós. Chegamos em Macaé no final do dia.
Durante o trajeto meu amigo Alonso se divertiu no leme com a força das vagas. Cardozo dormia na sala e Paulina na cabine. Eu matei a saudade de uma boa navegada e me dividi entre leituras no cockpit, fotos da tripulação, e a preparação do almoço. Queria que tudo estivesse pronto tão logo jogássemos a âncora em Macaé. E deu certo. Bastou aquele peso tocar o fundo de lama, e servi uma bela carne assada, guarnecida com arroz e batatas gratinadas. Para acompanhar, um bom vinho tinto. Estava bom pra dedéu. Comemos e fomos dormir.
Amanhã temos muito trabalho. Vamos de carro até a foz do Paraíba do Sul, cerca de cem quilômetros para o norte, quase na divisa com o Espírito Santo.
Domingo, 14 de Maio de 2006.
Logo cedo iniciamos nossa viagem. No caminho paramos no município Farol de São Tomé, na altura do cabo de mesmo nome, ponto mais que notável da costa brasileira.
Mudando o contorno da costa
É exatamente aqui que muda o contorno da costa do Brasil. Do Rio Grande do Norte até este ponto ela desce acompanhando a linha norte- sul, mas na altura do Cabo de São Tomé acontece a mudança, e ela passa a correr no sentido leste- oeste.
Já passei por aqui navegando um monte de vezes, e sempre fiquei curioso em saber como era a cidade e suas praias. Hoje eu iria descobrir.
Cidade de Macaé
A cidade em si não tem nada demais. Não é feia nem bonita. Mas simples. O Farol fica há uns 200 metros da praia, e também não é grande coisa. Finalmente a praia, enorme, super comprida, com ondas fortes estourando, e águas de cor marrom. Este tom vem do fato da região ser de pouca profundidade, e sempre assolada por ventos fortes. Isto faz com que a agitação revolva o fundo do mar gerando este colorido. O curioso é que os barcos de pesca “estacionam” na praia. Isto mesmo. Como não há nenhum abrigo e a frota é grande, todo dia os pescadores têm o trabalho de recolherem os barcos com tratores e sem carretas.
Arrastando os cascos por cima da areia
Eles arrastam os cascos por cima da areia mesmo. Este é o único modo de ficarem a salvo. Imagino o trabalho insano, diário, ao terem de puxar dezenas de barcos, alguns com 40 ou 50 pés, com correntes atadas a tratores. Fora o custo da pescaria que acaba aumentando muito. Gostaria de ficar aqui alguns dias para gravarmos esta faina, mas, como sempre, estamos com pressa.
Atafona e a foz do Paraíba do Sul
Às três da tarde chegamos no município de Atafona, onde fica a foz do Paraíba do Sul, uma beleza de lugar. Pouco adiante está a fronteira com o Espírito Santo. Este rio nasce em São Paulo, é um dos afluentes do Paraibuna. Ele cruza o sudoeste de Minas Gerais e entra pelo Rio de Janeiro. Na região metropolitana carioca, abastece dez milhões de pessoas. Ao longo de seus 1.150 quilômetros recebe UM Bilhão de litros de esgoto doméstico (fonte: SEIVAP, Comitê de Integração do Paraíba do Sul) todos os dias, por causa da falta de saneamento básico das cidades ribeirinhas. Do total de sua mata ciliar, restam apenas onze por cento.
Assoreamento e erosão
O rio está assoreado. Suas águas já não trazem sedimentos e provocam erosão nas praias. Ela é tão forte que destruiu muitas casas de veraneio que haviam sido construídas próximas demais do mar. A história se repete de novo, insistimos em não aprender com os erros já cometidos…Mas o lugar é de uma beleza paradisíaca, isto não tenho dúvidas.
Retornamos já de noite para Macaé. Amanhã vamos entrevistar o secretário municipal Alexandre Gurgel.
Segunda- feira, 15- 05- 2006, ainda em Macaé
Macaé é uma cidade sem graça. Suas praias também deixam a desejar. De qualquer modo, não foi por este motivo, beleza natural, que quisemos conhecê-la. Viemos para ver como são aplicados os royalties. Para quem não sabe: a Petrobrás paga este tipo de imposto desde 1997, como uma medida compensatória da atividade de extração. A Bacia de Campos, de onde a companhia extrai a maior parte do petróleo no Brasil, fica nesta região. Em 2006 serão 350 milhões de reais para Macaé, o que representa mais ou menos metade da arrecadação do município. O volume de dinheiro é regulado pela ANP (Agência Nacional de Petróleo).
Macaé tem 124 mil habitantes, distribuídos em 38 mil domicílios particulares. Destes, 66,5% contam com esgotos tratados, e 94% têm coleta de lixo. É quase um recorde. Até agora só Salvador tem índices mais elevados (68%), e a cidade é uma capital, não um município.
Entrevistamos o secretário Alexandre Gurgel
Entrevistamos o secretário Alexandre Gurgel. Ele nos explicou que dentro de dois anos, antes do fim do mandato do prefeito atual, a cidade terá cem por cento de esgoto tratado. Bravos! Ao menos um dos municípios da costa não estará mais usando o mar como local de despejo. Só isto já valeu a viagem. Mas não é só. Os royalties fizeram com que nenhuma criança em idade escolar esteja hoje sem estudar. E o Hospital Municipal é um dos orgulhos do secretário. É um hospital modelo, onde os remédios são enviados para os quartos dos pacientes através de uma linha pneumática. Macaé recebeu um prêmio da ONU pela educação proporcionada aos habitantes, e hoje é o terceiro município brasileiro em qualidade de vida. E tudo isto graças ao petróleo.
Macaé: “milagre não existe”
Não há, então, nenhum problema? “Claro que sim”, diz o secretário, “milagre não existe”. Em 20 anos dobrou a população, especialmente pela migração, justamente por causa desta melhor qualidade de vida. Com o crescimento veio o crime, o tráfico de drogas, e até favelas. Ainda assim Macaé se destaca no cenário nacional.
Hora de ir embora
Missão cumprida. Vimos o que uma das riquezas do mar pode gerar para as cidades atingidas. Hora de ir embora. Felizmente hoje temos uma janela de tempo, o vento está fraco, e oscila entre leste e sul. Corremos para o porto onde estava o Mar Sem Fim. Embarcamos sem perda de tempo e rumamos para Cabo Frio, nossa próxima parada.
Nuvens escuras, carregadas, se aproximavam perigosamente
Aproveitei para descansar. Fui para o conforto da cabine de popa e dormi profundamente. Acordei horas mais tarde, com o balanço do mar bem mais forte que no início. Saí lá fora e me espantei com a violência das ondas e a negritude do horizonte. Nuvens escuras, carregadas, se aproximavam perigosamente. Mais uma frente estava entrando. Felizmente estávamos na altura de Búzios, onde arribamos para nos abrigar esta noite. Enfrentar as forças da Natureza só em último caso.
Baía da praia dos Ossos
Desviamos nossa rota e em meia-hora estávamos de novo na baía da praia dos Ossos, na mesma poita do Iate Clube onde havíamos ficado. Eram sete da noite. Pelo telefone fomos informados da guerra civil em São Paulo decretada pelo PCC, porque um de seus líderes, o conhecido Marcola, havia sido transferido para uma prisão de segurança máxima. É muito triste se dar conta que uma cidade como São Paulo, a maior do Brasil, se transforma em campo de guerra por tão pouco. É mais uma prova da falência do Estado.
Terça- feira, 16- 05- 2006: Cabo Frio
Tão logo nasceu o dia iniciamos nossa navegação para Cabo Frio. Apenas 14 milhas nos separam. Em pouco mais de duas horas estaremos lá.
Senti um tranco vindo por baixo do casco…
Acordei com o barulho do motor. Fui para fora sentir a brisa e olhar a paisagem. Diversas ilhas estão em nosso caminho. Navegamos próximos o suficiente da costa para podermos ver nitidamente seus contornos. Estávamos curtindo aquela beleza, em pleno devaneio, quando subitamente senti um tranco vindo por baixo do casco. O motor do barco parou em seguida. Gelei. O que será? Travou o motor? Alonso largou o leme e foi verificar a casa de máquinas, enquanto eu, depois de pensar um pouco, fui olhar a popa imaginando que talvez tivéssemos enroscado nossa hélice em alguma rede.
Um cabo preso na hélice…
Na primeira visada parecia não haver nada. Voltei ao cockpit e esperei o Alonso . Nada de anormal na casa de máquinas, disse ele. Então tornei a olhar pela bandeja de popa. Ajoelhei no tablado, me equilibrei, e estiquei o pescoço até quase dentro dágua. Agora sim dava pra ver. Pegamos um cabo grosso, da espessura de meu braço ou ainda maior. Pelas barbas do profeta! Vou ter que mergulhar. Ai de mim. Cabo Frio tem este nome justamente pela temperatura de suas águas, fruto da “ressurgência”. Meti o pé no mar, a guisa de termômetro, devagar, com medo da sensação. Mas não, estava até quente. Então lembrei do que disse o professor Jean Valentin. Quando venta o sudoeste as águas da região tornam a ser quentes. Elas ficam frias somente quando sopra o nordeste. Ainda bem. Coloquei a máscara, mergulhei e fui verificar nosso eixo. Caramba, o cabo era super- espesso, daqueles que navios usam para atracar no cais. Se pudesse matava o desgraçado que o deixou à deriva.
Com uma faca tornei a mergulhar
Com uma faca tornei a mergulhar e, lá embaixo, me pus a cortá-lo. Mas este seria um trabalho duro e cansativo. Custou uma hora e meia entre mergulhos seguidos de descanso. Finalmente, com meu pulmão quase estourando, terminei.
Retomamos a viagem trazendo no convés o peso extra do cabo extraviado (vide fotos) e ao meio- dia, mais ou menos, atracamos no Iate Clube.
Não perdemos tempo. Descemos rapidinho para gravar cenas da cidade. Antes, ficamos felizes: o pessoal de serviço, tanto os marinheiros como os funcionários da bomba de diesel, já nos conhecia da TV. Fomos efusivamente cumprimentados e recebemos parabéns pelo programa. Todos receberam bonés e adesivos do Mar Sem Fim.
Ganhamos a rua em seguida. Minutos depois um taxi nos levava para rodar de um lado ao outro.
A cidade de Cabo Frio
Cabo Frio é mais uma cidade balneário da costa do Rio de Janeiro, Região dos Lagos. No passado a economia era puxada pela extração de sal, especialmente da lagoa de Araruama. Era a época em que o Rio de Janeiro era a Capital Federal, e o sal era escoado para os Estados do Sul, e do Centro. Nos anos 60, do século passado, usinas de beneficiamento foram instaladas, o que turbinou ainda mais a economia. Mas não durou muito. Aos poucos as salinas de Cabo Frio, de métodos antiquados, foram perdendo importância para o sal extraído do Nordeste. A competição foi dramática. Empresas fecharam e o desemprego explodiu. Hoje quase não existe mais nenhuma em operação.
Salinas x loteamentos
As antigas deram lugar a loteamentos, condomínios. Aos poucos o turismo passou a ser o motor da economia. Como em quase todos os municípios costeiros, o saneamento anda em baixa. Cabo Frio tem uma população de 127 mil habitantes que moram em 36 mil domicílios. Destes, apenas 27% têm seus esgotos tratados, enquanto 93% contam com coleta de lixo. Mais uma vez o mar daqui não tem sido bem usado por parte considerável dos habitantes e turistas.
Capela Nossa Senhora da Guia, do século 18
Nosso giro pela cidade nos levou a alguns sítios históricos, como a Capela Nossa Senhora da Guia, do século 18, que fica no topo do morro de mesmo nome, e que tem uma linda vista panorâmica. De um lado fica o mar e algumas praias, sempre com areias muito brancas, e dunas ao fundo. Do outro, a cidade propriamente, e parte da imensa lagoa de Araruama, com seus 35 quilômetros de comprimento por 20 de largura, sempre se estendendo paralelamente à costa. Na descida gravamos ainda o belo Convento Nossa Senhora dos Anjos, na base do morro, cuja construção terminou em 1696.
Voltamos ao veleiro no final da tarde e não perdemos tempo: Soltamos as amarras e navegamos até o Boqueirão, poucas milhas ao sul, onde pretendemos dormir.
Amanhã cedo vamos descer em Arraial do Cabo para entrevistar alguns especialistas do Instituto de Estudos do Mar, Almirante Paulo Moreira, da Marinha do Brasil.
Quarta-feira, 17- 05- 2006: animais exóticos via água de lastro dos navios
Nós queríamos aprender mais sobre a inclusão de animais exóticos via água de lastro dos navios. Nada melhor que conversar com os pesquisadores deste Instituto, que há anos se dedicam a esta questão. O primeiro bate-papo foi com o oceanógrafo Rogério Candella, que estuda a “ressurgência”, e desenvolve estudos para a Petrobrás sobre recifes artificiais usando partes de antigas plataformas.
Rogério contou que aqui existem diversas espécies exóticas trazidas por plataformas.
Não são apenas os navios que contribuem para a entrada destes animais e vegetais em nosso ecossistema
Mas, seguramente, eles são os principais meios para sua proliferação. Segundo Rogério o mexilhão dourado que hoje comemos veio para o Brasil de carona, desde a África, provavelmente grudado nos cascos dos navios negreiros.
Projeto Água de Lastro
Sobre animais exóticos Rogério explicou que a Marinha do Brasil desenvolve estudos através do Projeto Água de Lastro. E sobre a “ressurgência” contou que Cabo Frio ainda tem a vantagem de ser um dos locais cuja costa registra as maiores profundidades próximas de terra, de todo o litoral brasileiro. “Há paredões onde a profundidade chega a 50 metros ou mais”, informa, e isto, mais o vento nordeste, contribui para a afloração da água fria tão típica, criando condições excepcionais para o fenômeno.
Subir o morro da ilha de Cabo Frio
Pedimos a ele que conseguisse uma autorização para que nossa equipe possa subir o morro da ilha de Cabo Frio, até o seu topo, de modo a gravarmos cenas dos enormes costões rochosos que ficam do outro lado. Como sempre há certa burocracia, o responsável estava ocupado, mas enquanto fazíamos outras entrevistas ele iria tentar.
Em seguida fomos conversar com a bióloga e pesquisadora Karen Tereza Sampaio Larsen, envolvida com a questão da água de lastro dos navios que procuram nossos portos.
Navios despejando tranquilamente água de lastro captada no estrangeiro
E foi uma conversa altamente esclarecedora. Faz tempo que acompanhamos o problema e em nossa viagem, a cada parada, sempre flagramos navios despejando tranquilamente água de lastro captada no estrangeiro. Queríamos saber qual a legislação que previne esta contaminação tão indesejada, prejudicial, e cara ( De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica, da ONU, só nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, África do Sul e Brasil, o prejuízo é de 300 bilhões de dólares por ano).
Este problema sempre foi crítico mas acentuou-se depois do fim da Segunda Guerra Mundial com navios maiores e o incremento do comércio. Apesar de vivermos numa época de tecnologia extremamente desenvolvida, hoje três quartos do intercâmbio entre as nações é feito por navios mercantes. Em nosso caso 95% das mercadorias exportadas ou importadas dependem do mar para saírem ou chegarem ao país.
Água de lastro: a questão aqui é regulamentada pelo DPC
A questão aqui é regulamentada pelo DPC- Diretoria de Portos e Costas, órgão vinculado à Marinha do Brasil, que a partir de 15 de outubro de 2005 editou o NORMAM-20, estabelecendo que “as embarcações deverão realizar a troca de água de lastro a pelo menos 200 milhas náuticas de terra mais próxima, com pelo menos 200 metros de profundidade” .Como nem sempre isto é possível, pelos motivos já explicados, “deverão preencher (os comandantes dos navios), o formulário para informações relativas à água utilizada como lastro”. Estes formulários são, em seguida, enviados justamente para cá, o Instituto Almirante Paulo Moreira, onde são analisados. Ao detectar qualquer ameaça mais grave, os pesquisadores entram em contato com o porto onde o navio vai atracar a fim de dar instruções, e por vezes impedir seu deslastreamento.
Segundo Karen não existe uma regra geral no tratamento da catástrofe. Há países que jogam cloro nos porões antes da troca de água, mas este é um procedimento por si prejudicial ao meio-ambiente. Outros estudam o seu aquecimento, ou a aplicação de raios ultrassom.
Três mil espécies de animais e vegetais são transportadas todos os dias
O fato é que a introdução de animais exóticos não pode ser minimizada. Algo como três mil espécies de animais e vegetais são transportadas todos os dias. E estima-se que 10 bilhões de litros de água de lastro sejam transferidas de local todos os anos.
Retorno ao Mar Sem Fim
Foram duas entrevistas bastante ricas. Eram 11 horas da manhã quando terminamos. Retornamos ao Mar Sem Fim, fundeado em frente à praia do Arraial do Cabo, e rumamos para o boqueirão, entre a Ilha Cabo Frio e o continente, para podermos fotografar seus costões. No caminho flagramos barcos de pesca em plena atividade, pescando peixes pequenos que mais tarde seriam usados como isca para atuns e outras espécies maiores. Estavam em plena faina quando passamos, e nem se incomodaram por termos nos aproximado tanto, parando a cerca de 5 metros deles, a fim de registrar em vídeo seu trabalho.
Em seguida fundeamos em frente à praia da ilha Cabo Frio, virada para o continente, à espera da autorização que custava para chegar. Depois de muitas ligações conseguimos contato com o pessoal da Marinha. Eles nos autorizaram a subir “apenas até metade do morro”, não mais. Com a breca ! Eu só queria filmar e tirar umas fotos lá de cima. Alguém pode me explicar a diferença entre subir meio morro ou galgá-lo por inteiro?
Golfinhos na proa…
Não havíamos feito nem 10 milhas quando um grupo de golfinhos se aproximou de nossa proa. Pouco antes ouvi uma barulheira lá fora, Alonso esticou o corpo para dentro da cabine para dar o alerta: “Golfinhos, venham ver”!
Algumas pessoas acham que estes mamíferos gostam de se divertir com as ondas levantadas pela proa dos barcos, mas segundo pesquisadores do Projeto Golfinho Rotador, de Fernando de Noronha, não é bem assim. Na verdade quando há uma movimentação do grupo e algum barco está na área, apenas uns pares deles vêm à frente destes barcos numa manobra divisionista, inteligente e avançada, executada para despistar. Agindo assim os “líderes do grupo” protegem o contingente que se desloca pelas redondezas, mas em outra direção.
Pouco depois caía a noite. As primeiras estrelas surgiam no céu.
A ressurgência, saiba o que é e sua importância
Aproveito este momento especial da navegada para falar da “ressurgência”, fenômeno típico, notável, que nos trouxe até aqui.
Em nossa passagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro tivemos uma bela aula particular sobre o mar, e este tema em especial, ministrada pelo professor francês Jean Louis Valentim, conforme informei no início deste diário. E de tão boas, suas informações merecem ser divididas.
Jean Louis veio ao Brasil para trabalhar justamente em Cabo Frio quando o almirante Paulo de Castro Moreira da Silva, pioneiro da oceanografia, idealizou e implantou o Projeto Cabo Frio (anos 60) com esta finalidade: estudar a ressurgência.
Por que, no Brasil, a biomassa pesqueira é tão pequena?
Ele começou sua aula explicando por que no Brasil a biomassa pesqueira é tão pequena. Esta característica não é só nossa, mas de todos os mares tropicais “que apesar da intensa luminosidade têm suas águas quentes de superfície muito pobres em fitoplâncton. Faltam nelas sais minerais- abundantes nas camadas profundas”.
O fenômeno da ressurgência
Para entender bem a questão é preciso saber qual a função de cada uma das peças deste enorme quebra-cabeça: o ecossistema marinho.
Talvez o passo número um seja ter em mente que na superfície da água do mar vivem os organismos do plâncton, que flutuam ao sabor das correntes e são formados por algas microscópicas, ínfimos crustáceos, medusas e larvas de peixes. Os vegetais desta massa de organismos vivos, invisíveis a olho nu, são conhecidos pelos cientistas como fitoplâncton (existem milhares deles numa gota d’água). Os animais, como zooplâncton. Estes seres dão início à cadeia alimentar dos oceanos, entre muitas outras funções importantes. E nos mares tropicais, frisou Valentin, a quantidade de fitoplâncton é pequena, só isto já justifica a pouca densidade de biomassa pesqueira.
Segundo ele, “este foi o nome dado pelos oceanógrafos para designar um movimento ascendente das águas marinhas”, e para compreendê-lo em toda sua plenitude é importante ter algumas noções sobre oceanografia física.
Ressurgência e a força Coriolis, causada pela rotação da Terra
Com a palavra o professor: “O vento que sopra na superfície do mar provoca além de ondas, uma corrente de deriva de águas superficiais. A direção desta corrente sofre a influência da chamada força Coriolis, causada pela rotação da Terra. O movimento de conjunto desta massa deslocada apresenta um ângulo de 90 graus em relação à direção do vento, para a direita no hemisfério norte, e para a esquerda no hemisfério sul. Assim, prossegue ele, um vento de direção norte norte- sul soprando paralelamente à costa brasileira provocará um deslocamento de águas superficiais para o largo. Esta corrente de deriva será compensada por uma corrente de água profunda em direção à costa”. Ou seja, “o volume de água empurrado para fora da costa pelo vento é substituído por um volume semelhante carregado do fundo para a superfície. O cálculo deste volume transportado representa o índice de ressurgência, que estima a amplitude do fenômeno”.
Ressurgência em Cabo Frio, amplitude é de pequenas proporções
Tão simples como isto. Em nosso caso, Cabo Frio, a amplitude é de pequenas proporções. As maiores ocorrem no oceano Pacífico, na costa do Peru e da Califórnia, e no Atlântico nas costas da África do Norte, do Marrocos ao Senegal, e no Atlântico Sul, na região do Cabo; no Índico ele está presente na costa da Somália.
O professor explica que também existem casos de ressurgência no meio dos oceanos, “causadas pela divergência de corrente de deriva”.
Ressurgência, qual a importância ?
Bem, segundo Jean Louis Valentin, “entre todos os fenômenos oceânicos, o de maior impacto sobre a situação socioeconômica do homem é justamente a subida, para a superfície, de uma massa de águas profundas. Elas não se caracterizam apenas pelas baixas temperaturas, mas também- e sobretudo- por seu elevado teor em sais minerais oriundos da remineralização dos detritos orgânicos pelas bactérias”.
Ele arremata ensinando: “No mar, assim como na terra, a cadeia alimentar inicia-se pelos vegetais que sintetizam sua matéria orgânica a partir de energia solar e assimilação de nutrientes. Está neste caso o fitoplâncton. Os animais herbívoros, que se alimentam destas algas representam o segundo nível da cadeia. Nos níveis superiores eles são predados por peixes numa sucessão que pode chegar ao homem”. Em resumo, “com o afloramento das águas profundas, ricas em nutrientes, são preenchidas todas as condições para que haja a produção biológica que se traduz por uma maior biomassa pesqueira”. Não é por outro motivo que o pequeno Peru está entre os três maiores países produtores de pescado do mundo.
E é justamente por este motivo que no verão (época do vento nordeste) os turistas que vêm para esta região se espantam, por vezes, com a temperatura da água, que ao invés dos tradicionais 24°C, varia entre 15° E 18°C.
Finalmente, Jean Valentin explica que no Brasil a ressurgência é mais forte em Cabo Frio (mas ocorre com menor intensidade do Rio de Janeiro até Vitória, ES), em função da topografia (mudança da linha da costa que vinha no sentido norte-sul para leste-oeste), e também pela profundidade da plataforma na região.
Produção de pescado turbinada pela ressurgência
Perguntamos como anda hoje a produção de pescado, turbinada pela ressurgência. Um tanto preocupado, o professor explica: “a cadeia alimentar nascida do enriquecimento das águas em nutrientes leva a uma intensa produção de sardinhas (sardinella brasiliensis), que vem declinando de forma significativa, sem sinais de recuperação, não se sabe se por causa da pesca excessiva, da poluição, do enfraquecimento do fenômeno, ou da combinação de todos estes fatores”.
Eis aí, mais uma vez, a ação do homem prejudicando o curso natural.
Nossa “mão” tem sido tão perniciosa que não se contenta em só ameaçar ecossistemas, ou introduzir animais exóticos. Agora impede ou enfraquece fenômenos físicos.
E você, o que tem feito para contribuir ou preservar? Pense na importância dos oceanos e nas aflições por que ele passa, e faça sua parte. Não jogue nada no mar. Modifique seus hábitos, se for possível, e denuncie a destruição de áreas de preservação, ou ajude a difundir estas informações.
Só conhecendo e respeitando, os brasileiros terão o domínio de seu imenso mar territorial.
Chegamos à Marina da Glória, na baía da Guanabara, às duas da manhã.
Na próxima etapa tem mais.