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Motim no Bounty: a queda do capitão Bligh

Motim no Bounty: a queda do capitão Bligh

William Bligh nasceu em Plymouth, em 1754. Iniciou a vida no mar como aprendiz e logo teve uma oportunidade rara: navegar com James Cook. O próprio Cook o escolheu para ajudá-lo a mapear o ainda desconhecido Pacífico. Bligh se destacou e entrou para a história como um dos maiores navegadores britânicos. Anos depois, assumiu o comando do H.M.S Bounty, navio que ficaria famoso no cinema com o filme O Grande Motim.

O Bounty no Taiti.

A primeira versão do filme é de 1935. Charles Laughton interpreta o tirano Bligh, e Clark Gable vive Fletcher Christian, o amotinado. Em 1962, veio uma nova adaptação, com Marlon Brando no papel de Christian e Trevor Howard como Bligh. Nos anos 80, o Bounty voltou às telas com Mel Gibson e Anthony Hopkins. A trilha sonora ficou por conta de Vangelis.

William Bligh um dos grandes navegadores da história (Ilustração: wikipedia)

A história e o navio de William Bligh

Mercadores e aventureiros ingleses pediram ao rei que levasse a fruta-pão para as colônias do Caribe, onde faltava alimento de qualidade. Em resposta, prepararam um navio para a missão: o Bounty. O comando ficou com William Bligh, nomeado em abril de 1787.

Gravura da fruta-pão.

O Bounty deslocava 215 toneladas, media 28 metros de comprimento e tinha 8 metros de boca. Levava uma tripulação de 44 homens. Em dezembro de 1787, partiu rumo ao Cabo Horn. O destino final era o Taiti, onde buscariam mudas de fruta-pão.

Chibatas na marujada, ordenava William Bligh

Três meses após a partida, a vida a bordo já era um tormento. O próprio Bligh escreveu:

“…Atendendo a uma queixa, julguei necessário castigar um marinheiro com duas dezenas de chibatadas por comportamento insolente e rebelde…”

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Vinte chibatadas por insolência? A rotina sob seu comando era marcada por punições severas e tensão crescente.

No século 18 era assim pra quem saía da linha.

Naquela época, era assim que funcionavam as marinhas. Quem desagradasse o comandante levava chibatadas no lombo — sem direito a defesa ou apelação.

Tempestade sem fim no Cabo Horn

Em março de 1788, ao se aproximarem do Cabo Horn, enfrentaram 30 dias seguidos de tempestades. Mais uma vez, Bligh descreveu o drama:

“…às 6h da manhã a tempestade excedeu tudo que eu conheça antes, e o mar, tangido por mudanças frequentes, tornou-se extremamente alto…”

O Bounty lutava contra a fúria do sul, onde poucos navios passavam impunes.

Mudança de rota: da fúria do Horn à esperança do sul

Após um mês de tempestades, frio intenso e nenhum progresso, Bligh decidiu mudar a rota. Se o Pacífico não podia ser alcançado pelo Horn, seria pelo Cabo da Boa Esperança. Ele mesmo registrou:

“…às 5h da tarde de 22 de abril, soprando forte o vento de oeste, ordenei guinada no leme a favor do tempo, com grande alegria de todos a bordo. Nossa lista de doentes subira para oito pessoas nesta ocasião…”

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A decisão salvou a missão — e a saúde da tripulação.

Cidade do Cabo

Um mês depois da mudança de rota, o Bounty avistou o Cabo da Boa Esperança. Na Cidade do Cabo, então domínio britânico, fizeram uma parada para reparos. Bligh registrou:

“…o navio precisava ser calafetado por toda parte, uma vez que se tornara tão mal vedado que fôramos obrigados a usar bombas durante todo o tempo desde a partida do cabo Horn…”

Depois seguiram rumo ao Taiti, parando em várias ilhas — e descobrindo outras pelo caminho. No Taiti, passaram cinco meses.

Os marinheiros aproveitaram ao máximo: terra firme, clima tropical e a companhia das nativas foram um alívio após mais de um ano sob as ordens rígidas de Bligh.

Foi então, pouco depois de zarparem, que o motim explodiu.

O motim do Bounty

Era abril de 1789. Quantas chibatadas ecoaram até aquele ponto? Bligh não diz. Mas descreveu a rebelião com detalhes:

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“…pouco antes do amanhecer, em 28 de abril de 1789, o sr. Christian, o chefe da disciplina, o ajudante do artilheiro e Thomas Burkitt, marinheiro, entraram em meu camarote e me dominaram… Christian estava armado com um alfanje… Fui arrastado da cama e obrigado a subir ao convés…”

Bligh colocou 18 homens num bote de apenas sete metros. Antes de deixá-los à deriva, os amotinados entregaram lonas, cordas, velas, 20 galões de água, 76 quilos de pão e alguns pedaços de carne de porco.

Um quadrante e uma bússola também foram entregues — mas nada de cartas náuticas. Pouco depois, o Bounty desapareceu no horizonte.

Motins parecem até enredo de cinema, contudo, naquela época era comum. Este site já contou a história de uma capitão de um Clipper que enfrentou um motim em plena travessia do Cabo Horn, e grávida, esta é a história de Mary Ann Patten.

William Bligh e a travessia impossível

Largado à deriva perto da ilha de Tofua, em pleno Pacífico, Bligh provou ser, apesar de tirano, um marinheiro excepcional. Ele e seus 18 companheiros enfrentaram tempestades violentas, fome, sede e até ataques de nativos nas paradas para reabastecimento.

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Uma das borrascas que enfrentaram foi assim descrita por Bligh:

“…às 9h da manhã caiu uma tempestade violenta. O mar ficou muito encapelado, de modo que no fosso das ondas, a vela era inútil e, na crista, havia pano demais. Mas não podíamos nos arriscar a recolhê-las completamente, pois estávamos numa situação muito perigosa e difícil, o mar entrando pela popa do barco…”

Uma odisseia de 5.800 km pelos Mares do Sul

Foram quase seis mil quilômetros até chegarem a Coupang, no atual Timor Leste. No trajeto, descobriram ilhas que ainda não apareciam nos mapas. Apenas um homem não sobreviveu: John Norton foi apedrejado até a morte por nativos, ao tentar buscar provisões na remota ilha de Tofua.

Apesar das perdas, a travessia liderada por Bligh entrou para a história como um dos maiores feitos da navegação — comparável à travessia do Drake feita por Ernest Shackleton  a bordo de um simples caíque reforçado

A façanha de William Bligh um dos grandes navegadores da história. Em verde a rota do bote, em amarelo, a do Bounty.

O Bounty em Pitcairn

Enquanto Bligh seguia para o leste, Fletcher Christian levou o Bounty rumo ao oeste em busca de um refúgio seguro. Partiu do Taiti em 29 de setembro de 1789, acompanhado pelos amotinados e várias taitianas.

Seu destino foi a Ilha Pitcairn, registrada pela primeira vez em 1767, mas com localização ainda incerta. Em 15 de janeiro de 1790, Christian a redescobriu — e ali fincou seu último porto.

O fim do HMS Bounty em Pitcairn.

Ali, os amotinados incendiaram o Bounty para apagar os próprios rastros. Fletcher Christian se estabeleceu com Isabella, teve um filho — Thursday October Christian — e outras crianças.

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Mas a paz durou pouco. Em setembro de 1793, a tensão com os taitianos virou violência. Em ataques coordenados, cinco amotinados — Christian, Williams, Martin, Mills e Brown — foram mortos.

Christian caiu enquanto trabalhava na plantação: levou um tiro e, em seguida, foi executado com um machado. Em 1794, todos os homens estavam mortos.

Dezoito anos depois, quando o navio Topaz reencontrou Pitcairn, apenas um dos amotinados seguia vivo.

O regresso de Bligh para a Inglaterra

Bligh voltou à Inglaterra em 1790. Inicialmente, foi tratado como herói. Mas durante o julgamento dos amotinados, surgiram críticas duras ao seu comportamento — e a opinião pública começou a se voltar contra ele.

Gravura alusiva a William Bligh em Londres.

Morreu em 1817, aos 63 anos, e foi enterrado em Londres. Seu túmulo, decorado com uma escultura de fruta-pão, virou ponto turístico.

Em 1957, o fotógrafo e explorador Louis Marden fez uma descoberta notável: os restos do Bounty, ainda visíveis nas águas rasas de Pitcairn, praticamente intocados após mais de 150 anos.

H.M.S Pandora

O Almirantado britânico não deixou o motim impune. Enviou a fragata HMS Pandora, sob o comando do capitão Edward Edwards, com a missão de capturar os amotinados e levá-los a julgamento.

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A Pandora chegou ao Taiti em 23 de março de 1791. Poucos dias depois, os 14 sobreviventes ligados ao Bounty foram localizados — alguns se renderam, outros foram presos.

O HMS Pandora em 1833.

“Caixa de Pandora”

O capitão Edwards ignorou quem era culpado ou inocente. Trancou os 14 homens numa prisão improvisada no convés superior do Pandora, apelidada pela tripulação de “Caixa de Pandora”, em alusão ao mito grego.

Na viagem de volta à Inglaterra, o navio encalhou na Grande Barreira de Corais.

Gravua de Oswald Brett.

A tripulação ignorou os prisioneiros da “Caixa de Pandora” enquanto tentava salvar o navio. Só após a ordem de abandono, o armeiro começou a soltar os grilhões. Mas não houve tempo — a Pandora afundou antes que todos escapassem.

Apenas seis prisioneiros sobreviveram. Julgados na Inglaterra, receberam sentença de morte por enforcamento.

A travessia de Bligh no bote superlotado entrou para a história como uma das maiores façanhas da navegação.

Só encontrou paralelo 126 anos depois, quando Sir Ernest Shackleton cruzou o temido estreito de Drake, também em um bote — o James Caird — sob condições igualmente extremas.

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Assista ao vídeo da redesconta do HMS Bounty por Louis Marden

Fonte principal: William Bligh, O Motim a Bordo do H.M.S Bounty, Ediouro.

Fonte secundária: https://pt.wikipedia.org/wiki/Motim_do_HMS_Bounty

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