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Ultimato do comprador do NAe São Paulo as autoridades

Ultimato  do comprador do NAe São Paulo as autoridades de Pindorama

Quem acompanha este site já sabe que esta história é digna do País de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade. A venda do NAe São Paulo, ex-nau capitânia da Marinha do Brasil, portanto ainda representa o País, é uma sucessão de equívocos e vexames internacionais. Começamos a contar a história em março de 2021, no post Porta-aviões São Paulo será sucateado. De lá, para cá, foram mais três posts para mostrar a total incapacidade das autoridades que tomaram parte nesta patacoada internacional. Ultimato do comprador do NAe São Paulo.

Comprador do Nae São Paulo quer devolvê-lo.
O Sucatão Indesejado. Imagem, www.cavok.com.br.

Renunciando à propriedade do casco em favor da União

Nesta terça-feira (10/01/2023), a MSK Maritime Services & Trading, empresa responsável pelo transporte e recebimento da embarcação, enviou uma carta advertência para as autoridades brasileiras renunciando à propriedade do casco em favor da União e estabelecendo um prazo de 12 horas para a solução do imbróglio.

Diga-se, de passagem, que todos os que se envolveram na compra, e posterior envio do casco para ser sucateado, se arrependeram amargamente. Pudera, eles se envolveram num cipoal de burocracia kafkaniano.

Desse modo, o primeiro deles, o  comprador brasileiro Jorge Wilson de Azevedo Cormack escreveu para este site quando contou sua saga:

Eu fui o arrematante deste Casco aos 12 de Março de 2021, por procuração, pela Sok – TURQUIA, porém, por desmerecerem os meus conselhos e inúmeras dores-de-cabeça as quais tive desde 2019 quando a MSK procurou-me para começar os preparativos para participar do leilão.

Azevedo Cormack diz que alertou a empresa turca:

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Após vencer o leilão, solicitei à SOK para fazer com uma empresa internacional uma vistoria adequada e minuciosa sobre o amianto que poderia ter a bordo, mas, a SOK nunca quis ouvir-me e quando neguei-me em seguida ser o exportador do casco por não cumprirem com o meu conselho de fazerem a tal inspecção, fui obrigado a colocar um advogado especialista em questões marítima e ambiental, e não um qualquer advogado.

A palavra da empresa encarregada do transporte

O Mar Sem Fim entrou em contato com o advogado da MSK Maritime Services & Trading, Zilan Costa e Silva especializado em Direito Naval, que explicou os detalhes da trama macabra.

Em primeiro lugar, diz ele, houve sim dois inventários por empresas internacionais certificadas, sobre a quantidade de amianto.

Zilan disse que uma destas empresas avaliou em 9.6 t, outra, em 9.2 t. Como é sabido, amianto é uma fibra de origem mineral amplamente utilizada no passado, porém, proibida a partir de 2017 no Brasil.

Trata-se de material tóxico responsável pela maioria dos cânceres de pulmão ocupacionais e por um terço de todos os cânceres relacionados ao trabalho. Por último, a utilização do amianto é hoje proibida em mais de 70 países.

De maneira idêntica, a Convenção de Basileia sobre controle de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito, considera os resíduos de amianto como perigosos e exige uma série de normas para sua exportação.

A venda do NAe São Paulo em março de 2021

Por este motivo, diz Zilan, a empresa adotou como número oficial 10 toneladas de amianto nos documentos oficiais. Assim, em 12 de março de 2021, o porta-aviões foi arrematado em leilão por R$ 10.550.000,00.

A compradora foi a empresa fluminense Cormack Marítima, que participou do certame representando o estaleiro turco Sok Denizcilikve Tic.

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Simultaneamente, houve uma tentativa de transformá-lo em museu flutuante. Até um instituto foi criado o Instituto saopaulofoch.org. Este instituto moveu ação contra a MB que preferia a venda.

Contudo, ao conseguir uma liminar para sustar o leilão era tarde demais.

Normas da Organização Marítima Mundial e a Convenção da Basileia

Segundo normas internacionais, o comprador deve garantir que a embarcação será reciclada de forma segura e ambientalmente adequada, respeitando as resoluções de ambas as organizações.

Sabendo disso, a empresa encarregada do transporte providenciou os dois inventários de que falamos e, ao mesmo tempo e ainda por normas internacionais, avisou tanto o governo turco, como os países de passagem da embarcação e, especialmente, a quantidade de amianto a bordo.

Para tanto, e fazendo jus ao País de Macunaíma, a MSK Maritime Services & Trading enviou para estes governos um calhamaço de 1.500 páginas demonstrando as suas providências.

Inicio da saga em 4 de agosto de 2021

Assim, o Ibama deu autorização para que o NAe São Paulo saísse do País rebocado pelo holandês ALP CENTER. Em 4 de agosto de 2022  iniciou-se o que viria a ser sua última jornada, uma longa viagem de seis mil milhas até a Turquia onde seria desmantelado no cemitério mais famoso de navios, em Aliaga.

Ocorre que o Greenpeace, uma multinacional das ONGs com força mundial, passou a divulgar que o porta-aviões São Paulo tinha em seu bojo 760 toneladas de amianto.

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Ao que parece, o Greenpeace desconsiderou que o porta-aviões, enquanto pertencia à Marinha Nacional Francesa (MNF), segundo nota da MB, realizou, na década de 1990, uma ampla desamiantação dos compartimentos da propulsão, catapulta, máquinas-auxiliares e diesel geradores, culminando com a retirada de aproximadamente 55 toneladas de amianto.

Começava a saga do navio fantasma, e a sucessão de vexames internacionais.

Barrado na entrada do Mediterrâneo em 26 de agosto

Por força da pressão internacional das ONGs, em 26 de agosto, às portas do Estreito de Gibraltar, o governo turco informou que não mais o receberia. Sem outra solução, o Ibama retirou a autorização que havia dado, ordenando que voltasse ao porto original, e pedindo novo relatório sobre o amianto a bordo.

Não restou ao rebocador se não dar uma volta de 180º iniciando o retorno ao Brasil, rumo ao Arsenal da Marinha no porto do Rio de Janeiro onde sempre esteve durante toda sua estadia no País.

Ibama foi claro no Ofício 69/2022:

“Entendemos que foi dada ordem ao comboio para retorno ao Brasil. De acordo com a legislação brasileira de comércio exterior, informamos que o retorno deverá ser ao porto de origem, que é o Porto do Rio de Janeiro, sendo dever da OCEANS PRIME/SOK DENIZCILIK confirmar o local preciso de atracamento junto à Capitania dos Portos do Rio de Janeiro.”

Barrado no Rio de Janeiro pela MB a poucas milhas de distância

Ocorre que, na altura do Espírito Santo, as patacoadas voltaram a engrossar a lista dos vexames. Para surpresa geral, a Marinha do Brasil, através da Diretoria de Portos e Costas, desconsiderou o Ibama e proibiu a atracação no Rio, determinando que o Sucatão fosse levado para Suape, Pernambuco, e ainda que ficasse fora do mar territorial brasileiro, ou seja, para além das 12 milhas.

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Nova meia-volta e chegada a Pernambuco em 5 de outubro

Mais uma vez o rebocador tornou a dar meia-volta, levando pelo ‘cabresto’ a pobre ex-capitania da MB onde está desde  5 de outubro, fora de águas territoriais, mas queimando borra de óleo bruto usado como combustível, o mais poluente que existe como já mostramos.

E nova patacoada aconteceu. Por imposição da Diretoria de Portos e Costas, a empresa teve que contratar um prático (?!) ao custo de US$ 12 mil dólares por hora para levar o navio para fora do mar territorial, o que totalizou mais US$ 156 mil dólares em custos!

A esta altura o dispêndio da empresa responsável pelo transporte, a MSK Maritime Services & Trading, já estava proibitivo, muito acima do esperado devido aos inúmeros pedágios do famigerado ‘custo Brasil’.

Eles mal sabiam o que ainda viria pela proa. Enquanto consultavam todos os estaleiros brasileiros com capacidade para receberem um porta-aviões, o rebocador ALP CENTER teve que reabastecer em Suape.

Mais uma vez, por imposição da Marinha do Brasil através da Diretoria de Portos e Costas, tiveram que alugar DOIS rebocadores do Rio de Janeiro para darem sustentação ao Sucatão Indesejado, pelo módico custo de US$ 700 mil dólares!

Simultaneamente, diz o advogado Zilan Costa e Silva, a empresa pediu auxílio à Marinha do Brasil que, entretanto, ‘cruzou os braços’.

Em Pernambuco exame e vistoria de coral-sol

Enquanto se discutia se o navio iria atracar em Suape, nova bobagem na lista já imensa. Segundo Zilan, autoridades de Pernambuco pediram que a empresa fizesse um exame de coral-sol, uma espécie invasiva, no casco para que pudesse atracar.

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Ora, imagine se todos os navios que chegassem aos portos brasileiros recebessem o mesmo tratamento. Na verdade, esta deveria ser uma exigência comum para evitar a bioinvasão.

Mas as leis de Pindorama se eximiram desta questão. Não impedem sequer o despejo de água de lastro, lançada em todos os portos brasileiros na cara das autoridades. Por que, agora, um pedido destes para um navio que passou parte de sua vida em águas brasileiras?

Só Macunaíma para explicar.

Terminal de Angra dos Reis aceita recebê-lo para desistir em seguida

Contudo, durante a procura, finalmente o terminal de Angra aceitou recebê-lo. Enquanto preparavam o contrato, e nova meia-volta do comboio, o noticiário no Rio, onde o sucatão passou a vida, assustou de tal forma os responsáveis pelo terminal de Angra que eles desistiram do negócio.

O kafkaniano imbróglio crescia…Ocorre que o NAe São Paulo precisa, necessariamente, atracar seja onde for porque há reparos a fazer.

Zilan Costa e Silva explicou que o casco de uma belonave como o São Paulo é triplo, feito assim para enfrentar bombas e ainda navegar. Ocorre que uma das placas de aço exteriores, de 12 metros quadrados, ‘sofreu corrosão pelos anos seguidos em que ficou no Arsenal da Marinha no Rio, tomando sol por bombordo. E esta placa deslocou-se durante a viagem exigindo reparos para voltar a navegar.’

Governo de Pernambuco e Porto de Suape em ação contra a MB

Contudo, enquanto a empresa lutava contra a maré, a estúpida burocracia, e o corpo  fora da MB, o Governo de Pernambuco e o Porto de Suape decidiram-se por entrar com ação contra a Marinha do Brasil para impedir que o São Paulo atracasse.

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Ultimato em 10 de janeiro de 2003

Desse forma, depois de um gasto até o momento de US$ 10 milhões de dólares pela insensatez de negociar com o Brasil, na iminência de falência da empresa, e com os ‘braços cruzados’ de quem não deveria fazê-lo, não restou alternativa a não ser o ultimato desta terça-feira, 10 de janeiro.

Questionei o advogado Zilan Costa e Silva, se no contrato há esta previsão. A resposta foi simples e direta: “Renúncia é um ato unilateral, não temos como persistir. A obrigação da empresa era levar o lixo para fora do País. Como as autoridades envolvidas não permitem, o Governo tem a obrigação de receber o lixo que era dele (e arcar com o desastre ambiental que se avizinha, dizemos nós).”

Entretanto, será que apenas a burocracia justifica sucessivos vexames internacionais? Algo me diz que não. Suspeito que talvez tenha a ver com um contrato milionário para o descomissionamento de plataformas da Petrobras e o alijamento de empresas capazes de fazê-lo, como a turca Sok Denizcilikve Tic.

Mas isto é assunto para outro dia.

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