Rio Jaguaribe, que abastece Fortaleza, agoniza
No Brasil cerca de metade da população, quase 100 milhões de pessoas, não têm saneamento básico apesar do serviço ser ‘garantido’ pela Constituição. Só isto já é motivo suficiente para matar um bocado de rios. Não por outro motivo, a grande maioria dos rios (que deságuam na costa, mas não só eles) estão na UTI. Com 630 km de extensão, o rio Jaguaribe, um rio temporário, possivelmente o maior do globo, é mais um que deu entrada no hospital. Seu nome significa rio das onças, em tupi. Mas é claro que a espécie deve ter dado o fora já faz tempo. Com barragens para a construção de grandes açudes, Orós, Castanhão e outros menores, suas margens há muito foram decepadas da vegetação nativa apesar da proibição que data de 1965 quando da publicação do Código Florestal. Mas este é apenas um dos muitos outros problemas…
A nascente em Tauá, na Serra Joanina
Ele nasce em Tauá, na Serra da Joanina, região da caatinga. Outras fontes, como a Expedição Científica ao Alto Curso do Rio Jaguaribe, da Universidade Estadual do Ceará, apontam que ele nasce na Serra das Pipocas, a partir da nascente do Riacho Carrapateiras. Sua bacia hidrográfica está quase totalmente dentro do Estado, mas uma parte menor fica em Pernambuco.
No Ceará, onde ocupa a posição de maior rio do Estado, por muitos anos o rio teve a alcunha de ‘maior rio seco do mundo’. Ele atravessa toda a região conhecida como Vale do Jaguaribe, composta por 15 municípios.
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Região do Semiárido (ou Domínio da Caatinga), conheça
Transcrevemos a explicação de Ferdinando de Souza: ‘A Região do Semiárido (ou Domínio da Caatinga) compreende 925.043 km², ou seja, 55,6% do Nordeste brasileiro. Estima-se que uma população de 23,5 milhões habite a região (dados de 2014)’.
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‘A Caatinga é uma região semiárida única no mundo, sendo, provavelmente, o bioma brasileiro mais ameaçado e já transformado pela ação humana. Engloba áreas dos estados nordestinos do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia, possuindo o mais baixo índice pluviométrico do território brasileiro’.
‘Uma microrregião do Norte do estado de Minas Gerais, também de clima semiárido, é associada ao sertão Nordestino numa conceituação geográfica conhecida como Polígono das Secas’.
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Por passar por 81 municípios, muitos no sertão cearense, a poluição é imensa. Como dissemos no início, cerca de 100 milhões de brasileiros usam os rios para descarregarem seus dejetos.
A mata ciliar foi tragada pela imprudência, e falta de fiscalização da legislação ambiental, especialmente no litoral, mas não apenas, é outro cacoete tupiniquim. Além disso, grande parte de suas areias foram escamoteadas pela mais perniciosa e maior indústria de mineração do mundo em volume, talvez a mais perigosa, a mineração de areia usada em larga escala na construção civil.
Mineração de areia no Jaguaribe ocorre há 20 anos!
Ela ocorre nas cidades de Russas, Timbaúba, Chácara Carnaubeiras, e sítio Carnaubal, em Tabuleiro do Norte. A Secretaria do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Proteção Animal de Iguatu informou que ‘uma área de mata ciliar, na margem direita do curso do rio (Em Igatu), na localidade de Tambiá, teve mais de dois hectares destruídos. Plantas nativas foram arrancadas pelo tronco. Raízes expostas denunciam o rastro da degradação’.
O rio Jaguaribe, no município de Iguatu, tem 46 km de extensão. Apenas 4% dessa área é preservada com mata nativa, segundo levantamento feito pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), campus de Iguatu, em 2020.
O objetivo era a extração de areia. Imagine um rio que serpenteia pelo semiárido, tendo suas matas ciliares decepadas, e a areia extraída, não tem como resistir. Mesmo sem estas alterações, por estar onde está, é um rio temporário, ou seja, que depende das chuvas.
Para Paulo Maciel, diretor-presidente da ONG Instituto Rio Jaguaribe, “Regiões que antes não sofriam ameaça de inundação, agora já vivenciam esse problema. A ampla e desenfreada retirada de areia causou o assoreamento do leito, deixando-o mais nivelado e mais suscetível a transbordos.”
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Atualmente, o Projeto Cílios do Jaguaribe pretende realizar a recuperação de 32 hectares (sendo 20 ha em Iguatu e 12 ha em Quixelô) de áreas degradadas na bacia hidrográfica do rio Jaguaribe com o plantio e manutenção de mudas nativas. É um começo, mas não basta.
O maior rio seco do mundo
Por ter seus braços e calhas principais sem água por longo período, e devido à sua grande extensão, o Rio Jaguaribe ficou conhecido durante muito tempo como o maior rio seco do mundo, hoje perenizado em função da construção de sucessivas barragens no seu leito.
A bacia do Jaguaribe, onde começam os problemas
De acordo com o estudo DIAGNÓSTICO AMBIENTAL DA BACIA DO RIO JAGUARIBE, de autoria de LUIZ CARLOS SOARES GATTO, ‘a bacia do Jaguaribe abastece 430.678 domicílios sendo que, destes, 32,49% apresentam canalização interna e 67,50% não apresentam canalização interna. Estes percentuais indicam uma infraestrutura ainda deficitária‘.
Coleta insuficiente de lixo na bacia do Jaguaribe
Segundo a mesma fonte, ‘A coleta de lixo também é um serviço deficitário nos centros urbanos. Dos 421.648 domicílios pesquisados na bacia do rio Jaguaribe em seus diversos municípios, 24,08% tem o seu lixo coletado diretamente, enquanto 49,55% jogam o lixo em terrenos baldios, rio, lagos e mar‘.
‘O sistema de esgotamento sanitário é muito deficitário na bacia do rio Jaguaribe, sendo que um grande percentual dos domicílios existentes nos diversos municípios da bacia não apresentam qualquer tipo de escoadouro e instalações sanitárias.’
E, finaliza o estudo: ‘Ao analisar-se os dados do Censo Demográfico de 1991 constata-se que a quase totalidade da bacia não apresenta qualquer tipo de tratamento dos dejetos nem escoadouro de instalação sanitária no domicílio. Dos poucos domicílios que apresentam estas instalações o maior percentual possui fossa rudimentar e fossa séptica sem escoadouro, sendo a maior concentração no primeiro tipo’.
Açude de Castanhão abastece Fortaleza
O Castanhão, maior açude do Ceará, abastecido pelos rios Salgado e Jaguaribe, é igualmente a fonte de água para os moradores de Fortaleza e Região Metropolitana.
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Mas, por incrível que pareça, poucos moradores sabem a origem da água que lhes permite viverem. Quem explicou foi José Ulisses de Souza, Coordenador da Barragem Castanhão, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS.
Entrevistado em 2015 pelo O Povo, Ulisses temia pela pouca água do açude, problema recorrente no Nordeste. “Estamos mandando hoje para Fortaleza, pelo Eixão das Águas, em torno de 8,5 a 9 metros cúbicos por segundo bombeados. Dá 8 mil litros e meio por segundo. Temos que nos preocupar com isso, como é que estamos usando.”
“É tão preocupante, que a maioria da população de Fortaleza não sabe ainda que a cidade é abastecida pelo Castanhão. E não se preocupa. Não houve ainda um trabalho de conscientização. Sou mais radical – isso é uma colocação particular: acho que está na hora de fechar a torneira.”
Castanhão em 2018, sem água suficiente
Três anos depois dos receios de José Ulisses de Souza, em 2018 as águas do Castanhão baixaram para 2,45% da capacidade de armazenamento, o que obrigou o Estado a parar de usá-la.
Atualmente a situação é ainda pior. Em janeiro de 2022, o Sistema Verdes Mares noticiou que o volume hídrico de 4 dos 5 maiores açudes do Ceará estão em estado de alerta.
Castanhão, em 2022 completa uma década consecutiva de redução no seu volume hídrico
“Dos cinco maiores reservatórios cearenses, estratégicos para o abastecimento de mais da metade dos cearenses, quatro estão há quase dez anos sem recarga hídrica. Inaugurado em 2002, o Castanhão, maior açude do Estado, completa neste ano de 2022 uma década consecutiva de redução no seu volume hídrico.”
Não poderia ser diferente
Pudera. Além da seca quase permanente no Estado, que acirra a evaporação, suas fontes de abastecimento, os rios Salgado e Jaguaribe, estão na UTI por mau uso. Não poderia ser diferente.
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Bacias hidrográficas do Ceará exauridas
O geólogo Yarley Brito confirma: “as bacias hidrográficas do Ceará estão exauridas”. Ele acrescenta que hoje se “perde muito mais água [evaporação e consumo] do que se ganha [através das chuvas]”.
E conclui: “O cenário atual vai se replicar pelos próximos anos. Só quando tivermos uma quadra muito acima da média, muito fora da curva, daquelas raras, é que nossos grandes açudes vão voltar a ter grande volume. Hoje a demanda por água é altíssima, é impossível elevar essa carga só com chuvas regulares”.
A foz detonada pela carcinicultura
Depois de cerca de 600 km de maus tratos, poluição, barragens, extração de areia, etc, o Jaguaribe finalmente atinge sua foz, onde despeja o que resta de suas águas, podres, no Atlântico. Mas a região estuarina, antes de grande riqueza com imensas áreas de manguezal, foi detonada pela criação de camarões.
A carcinicultura foi a questão que mais me impressionou quando da primeira viagem pela costa brasileira, entre 2005 -2007. Fiquei estarrecido com a quantidade de fazendas não só no Ceará mas em todo o Nordeste. Manguezais são áreas públicas protegidas como Áreas de Preservação Permanente, APPS, devido aos muitos e importantes serviços ecossistêmicos que presta.
Entre eles, filtrar e melhorar a qualidade da água, proteção contra a erosão natural no litoral, e berçário de vida marinha e alada para dezenas de espécies. Pois estas áreas são ‘doadas’ aos carcinicultores, grande parte políticos: vereadores, prefeitos, deputados e senadores.
Ao ganharem o ‘presente’, cercam e decepam o mangue para neles construírem os tanques de criação. E, ao terminarem a despesca, jogam a água contaminada de volta ao rio. Isto cria um sem-número de conflitos sociais com as populações carentes que vivem da catação de caranguejos nos mangues.
É um absurdo. Um contra senso. Desde então, este site combate a carcinicultura solitariamente (na mídia) a atividade.
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O estudo ANÁLISE GEOAMBIENTAL DO ESTUÁRIO DO RIO JAGUARIBE-CE: TENSORES NATURAIS E ANTRÓPICOS de autoria de professores da Universidade Estadual do Ceará-UECE, e Universidade Estadual do Ceará-UECE, diz em seu parágrafo de abertura:
“À guisa de proceder o desenvolvimento econômico sustentado nas regiões litorâneas do Estado do Ceará e áreas estuarinas, à exemplo da foz do Rio Jaguaribe vêm sendo executado estas atividades de ocupação em dunas, mananciais de manguezais, potencial salineiro, degradando o sistema de falésias e dunas.”
Parêntesis do MSF: dunas, e manguezais ‘são protegidos’ pela legislação ambiental que no País de Macunaíma é muito pouco respeitada e/ou fiscalizada.
O estuário do Rio Jaguaribe tem uma extensão de 36 km e ocupa uma área de aproximadamente 641.216 km², sendo limitada a montante pela barragem de Itaiçaba.
O estudo mostra que ‘o litoral leste é o maior produtor e detentor de fazendas (de camarão) instaladas no Estado. De acordo com os dados disponibilizados pela SEMACE, na região drenada pelo Rio Jaguaribe existem cerca de 174 empreendimentos instalados, licenciados e não licenciados, sendo 122 somente na área restrita à bacia do estuário, que envolve os municípios de Fortim, Aracati e Itaiçaba’.
Água dos tanques de criação, poluída, é devolvida ao rio sem tratamento
‘As águas dos viveiros de camarão são renovadas freqüentemente e têm acesso direto ao estuário através de gamboas. Tal processo lança no estuário os efluentes destes viveiros. Estes são ricos em nutrientes e possibilitam a poluição do rio. Outras fontes difusas e pontuais de poluição foram identificadas na área, tais como: lixão, matadouros, rejeitos industriais, dentre outros’.
72 fontes pontuais e difusas de poluição
‘Dentre estes tensores antrópicos foram georeferenciadas em campo 72 fontes pontuais e difusas de poluição, onde os viveiros de camarão correspondem a 56,5% do total de fontes distribuídas na bacia estuarina’.
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E finaliza: ‘O principal tensor de origem antrópica identificado na bacia estuarina do Rio Jaguaribe foi a carcinicultura que, além de ser uma atividade que vem degradando, principalmente, área de manguezal, contribui com o lançamento de rejeitos dos viveiros no sistema estuarino sem prévio tratamento.’
O Rio Jaguaribe é um ‘herói’ por resistir tanto tempo, a tantos maus tratos!
Não sem motivo, hoje agoniza.
Imagem de abertura: www.ceara.gov.br.
Fontes: https://www20.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2015/06/30/noticiasjornalcotidiano,3462206/fortalezense-desconhece-de-onde-abastecimento.shtml; https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/4-dos-5-maiores-acudes-que-abastecem-o-ceara-perdem-agua-ha-uma-decada-estado-e-de-alerta-1.3173069; https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/4-dos-5-maiores-acudes-que-abastecem-o-ceara-perdem-agua-ha-uma-decada-estado-e-de-alerta-1.3173069; https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/em-iguatu-rio-jaguaribe-acumula-destruicao-de-mais-de-2-hectares-de-mata-ciliar-e-barreiras-1.3114291; https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/retirada-de-areia-do-rio-afeta-abastecimento-d-agua-1.2079460; http://www.uece.br/wp-content/uploads/2020/12/22990-Texto-do-artigo-90068-1-10-20201023-3-1.pdf; https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95788.pdf; https://ferdinandodesousa.com/2017/05/11/a-queima-da-caatinga-nordestina-para-a-formacao-de-campos-de-pastagem/; http://lsie.unb.br/ugb/sinageo/6/6/245.pdf.