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Praias dos Estados Unidos ameaçadas de desaparecerem

Praias dos Estados Unidos ameaçadas de desaparecerem

A Scientific America acaba de publicar uma matéria sobre a engorda de praias nos Estados Unidos que deu o que falar. Ela é especialmente interessante para nós brasileiros amantes do litoral. Isto porque há uma febre de engordamentos de praias no País, sem a certeza de que vão funcionar. Apesar da erosão estar presente em 87% de nossos municípios litorâneos, não temos uma política pública para mitigar o problema que não tem data para acabar. Mas a matéria que vamos comentar não deixa dúvidas. O subtítulo é Os EUA estão pagando centenas de milhões de dólares para reabastecerem as praias devastadas pelas tempestades, numa batalha perdida contra a subida do mar e a erosão’.

erosão em praia dos Estados Unidos.
A erosão levou as dunas…Imagem, WCVB Canal 5.

A reconstrução das praias

Antes de mais nada, façamos a distinção essencial. No Brasil as praias estão sendo erodidas em razão da ocupação desordenada, os eventos extremos, e a subida do nível do mar. Nos Estados Unidos a coisa é ainda mais grave: além da ocupação desordenada, e aumento do nível do mar, eles têm furacões em vez de eventos extremos. E nisto reside uma grande diferença.

Ainda que o estrago no litoral dos EUA seja bem maior que o do Brasil, parece que os gringos, como nós, se viciaram na engorda de praias. Só que eles mesmos reconhecem que é uma ‘batalha perdida’.

Voltando ao Brasil,  recentemente a Folha de S. Paulo fez um levantamento dos últimos seis anos, e ‘descobriu que foram realizadas no país 24 intervenções de grande porte, movimentando uma quantidade de areia equivalente a 12 estádios do Maracanã’.

Além disso, publicamos um post em que especialistas criticaram e alertaram sobre ‘a nova moda no litoral’. Assim, para que sirva ao menos de reflexão, consideramos importante destacar a matéria, mesmo com as diferenças entre os dois países.

‘Os EUA gastam uma fortuna em areia de praia que as tempestades simplesmente levam embora’

Entre aspas, o título da matéria de hoje escrita por Daniel Cusick E E&E NEWS.

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A reconstrução de praias depois dos furacões está custando aos contribuintes norte-americanos bilhões de dólares a mais do que o esperado, à medida que o Corpo de Engenheiros do Exército bombeia montanhas de areia para as costas devastadas pelas tempestades, diz ele.

O Congresso aprovou mais de 770 milhões de dólares desde 2018 para projetos emergenciais de “alimentação” de praias, depois que cinco megatempestades atingiram a Flórida, a Geórgia e as Carolinas. Esses custos arruinaram as expectativas do governo sobre o preço de evitar o desaparecimento das praias.

Para fortalecer as praias da Flórida é utilizado, desde 2018, o financiamento de emergência para fortalecimento da orla nas férias, por exemplo. Esses custos ultrapassaram em muito o preço anual dos reparos programados nas praias em todo o país, que equivale a cerca de US$ 150 milhões em 19 estados.

O jornalista informa que a Flórida recebeu menos supervisão do que os programas de reconstrução de longo prazo que contam com análises minuciosas do Corpo do Exército para assegurar que os benefícios financeiros provenientes de atividades como o turismo, na expectativa de superar o custo de empilhar areia nas praias que acabará sendo levada para o mar, conforme indicado por pesquisadores.

Críticas ao projeto

Segundo Cusick, o principal motivo das críticas é que ‘o projeto rouba dólares federais dos contribuintes nos estados do interior para reconstruir comunidades à beira-mar – apenas para ver a areia desaparecer’.

Entretanto, o Corpo do Exército rebate as críticas. Para eles ‘a reconstrução das praias após desastres mantém vivas as economias costeiras ao garantir que os turistas possam gastar centenas de milhões de dólares anualmente em hotéis, restaurantes e lojas de retalho’

Quanto representa o turismo de praia nos EUA?

O turismo de praia nos EUA representa cerca de 45 bilhões de dólares em atividade econômica e gera cerca de 25 bilhões de dólares em receitas fiscais federais, de acordo com a American Shore and Beach Preservation Association.

Como se vê, a engorda de praias é controversa também nos Estados Unidos, e não por desleixo como ocorre no Brasil. Daniel Cusick diz na matéria que ‘o governo federal entrou no negócio de reconstrução de praias na década de 1950, quando começaram os trabalhos nos primeiros 18 projetos de proteção costeira’.

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Para efeito de comparação,  nos anos 50 as praias brasileiras ainda eram prístinas, a maioria das quais ocupadas por caiçaras no Sudeste e pelos nativos da costa nas outras regiões. Não havia autoridades preocupadas com o litoral, o mote da época era a ‘penetração para o interior,’ a construção de Brasília.

Contudo, apesar da atenção mundial estar hoje concentrada nos oceanos cada vez mais quentes e poluídos, e na erosão que destrói litorais mundo afora, no Brasil persiste a omissão das autoridades.

Assim, quem toma as medidas de engorda, caríssimas e nem sempre eficazes, são os prefeitos de municípios costeiros. E pode apostar, 95% deles não está preparado, mal sabem o que é aquecimento global, o que eles querem mesmo é cada vez mais construções, hotéis, condomínios, arranha-céus, etc, e quanto mais perto da areia, melhor. Não à toa, no Brasil o equívoco das casas pé-na areia  é o desejo de muitos dos mais abastados.

“A alimentação de praias não é uma estratégia sustentável para mitigar as mudanças climáticas”

Desta vez as aspas se referem ao título de um estudo revisado por pares de autoria de Randall Parkinson, geólogo costeiro e professor associado de pesquisa na Universidade Internacional da Flórida, em Miami.

As suas descobertas, diz Daniel Cusick, contrariam estudos anteriores que sugeriam que as comunidades costeiras poderiam ultrapassar o aumento das águas oceânicas bombeando areia para praias em erosão a cada cinco a sete anos.

“Isso simplesmente não vai acontecer. Já ultrapassamos o ponto de pensar que empilhar areia nas praias vai salvar essas comunidades”, disse Parkinson numa entrevista.

Além disso, “a alimentação das praias pode causar sedimentação prejudicial em habitats sensíveis do fundo do mar, e a dragagem [de areia]… necessária para a alimentação pode reduzir o fornecimento de sedimentos às ilhas-barreira, o que reduz a sua capacidade de acompanhar o aumento do nível do mar”.

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“Continuamos a reconstruir as nossas praias, mas quais são os custos a longo prazo?”

Agora as aspas abraçam o título de uma matéria de 2022, publicada pelo www.wfae.org. Em outras palavras, dois anos atrás eles já questionavam o sistema de engorda que agora é o bibelô de prefeitos brasileiros despreparados.

O primeiro parágrafo já diz tudo: ‘A primavera é alta temporada para projetos de reabastecimento de praia ao longo da costa das Carolinas. Eles são populares entre os proprietários e comunidades à beira-mar que dependem do turismo de praia. Mas eles também são cada vez mais caros. E depois há os cientistas costeiros, que dizem que não fazem sentido ambientalmente, especialmente quando o nível do mar aumenta’.

Mais recentemente, março de 2024, O Guardian publicou matéria semelhante. ‘Uma série de dunas de areia cuja construção custou aos proprietários de uma praia de Massachusetts mais de meio milhão de dólares foi destruída depois de apenas três dias’.

‘Um grupo abastado de proprietários à beira-mar em Salisbury, Massachusetts, está de luto pela perda do seu investimento depois de uma medida de segurança que tomaram para proteger as suas casas ter falhado.

É bom que mais pessoas saibam o que acontece no exterior, e que fiscalizem os prefeitos dos municípios costeiros que frequentam. Cedo ou tarde eles vão propor o ‘engordamento’, momento em que entra em cena a máfia que existe na maioria das prefeituras, e tome superfaturamento, aprovação de obra sem licitação, e assim por diante.

Finalmente, um último exemplo, de um ícone mundial do jornalismo o New York Times, que publicou a matéria em agosto de 2023.

‘Há apenas alguns anos, a praia de Fire Island Pines era quase tão larga como um campo de futebol, resultado de um projeto governamental de 1,7 mil milhões de dólares para combater a erosão na costa sul de Long Island após o furacão Sandy’.

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‘O projeto pareceu dar um novo sopro de vida a uma das joias inexploradas de Nova York: uma série de cidades litorâneas quase sem carros em uma ilha-barreira de 51 quilômetros que parece um mundo à parte da cidade…Mas, hoje, partes dessa mesma praia mal têm a largura de uma rede de vôlei.

Engordamento não é panaceia

Saiba que, dependendo do caso, de muito estudo e avaliações históricas e mais recentes, e também do tipo e localização de cada praia, o engordamento aliado a várias outras formas para dar mais resiliência ao litoral, incluindo replantio de mangues e restingas, enroncamentos, e outros, pode ser possível mitigar a erosão.

Mas antes são imperativos estudos acadêmicos profundos e completos. Como já dissemos, falta uma política pública pensada e capaz de responder ao desafio, por parte do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima.

A ver se sai, e quando sai.

80% das emissões recentes de CO2 vêm de 57 fontes

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