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Plano Diretor de Florianópolis é contestado

Plano Diretor de Florianópolis, ‘um golpe do setor imobiliário’

Como sempre acontece nos municípios do litoral a tramitação do Plano Diretor de Florianópolis foi polêmica. Segundo o ‘Manifesto por um Plano Diretor Popular para a Florianópolis que Queremos’, “no apagar das luzes” de 2013, à revelia do Regimento Interno e em regime de rito sumário, a maioria dos vereadores aprovou 305 emendas das quase 700 apresentadas, impedindo qualquer discussão no plenário e contando com intensa repressão policial contra a população.” Em outras palavras, para esta parcela o PD foi feito de cima para baixo. Comentamos no post Florianópolis aturdida por Plano Diretor controverso. Em seguida à imensa repercussão, a 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital acatou o pedido do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e suspendeu a tramitação por 30 dias. Contudo, pouco depois, em 4 de maio, o Plano Diretor de Florianópolis foi aprovado.

A erosão no Campeche
A erosão no Campeche não é suficiente, parece que o prefeito Topázio Neto (PSD) quer mais.

A polêmica aprovação do Plano Diretor

Antes de mais nada, o prazo de 30 dias tinha por objetivo  dar tempo à prefeitura para as análises  que o Ministério Público – SC pediu, além de mostrar estudos envolvendo o Projeto de Lei Complementar que contempla a revisão do Plano Diretor. Segundo o Defensor Público, o PD contém 203 alterações, revogações ou inclusões, o que ‘desfigurou a proposta’.

Em março de 2023 o MP-SC tomou conhecimento dos pareceres dos técnicos do Instituto de Planejamento  Urbano de Florianópolis-IPUF – além de outro elaborado por 14 técnicos da Fundação do Meio Ambiente de Florianópolis-FLORAM pedindo aprofundamento dos estudos de 2022,  e também do ICMBio.

Ambos apontaram insuficiência nos estudos feitos pelo município, além de divergências e ausência de aprofundamento das análises apresentadas pela administração do prefeito Topázio Neto (PSD). Em nota, o MP – SC afirma que foram estes os motivos que levaram ao prazo.

Segundo o cotidiano.sites.ufsc.br ‘O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) afirma que o Plano Diretor tem mais retrocessos que avanços ambientais e que os mapas de zoneamento não foram apresentados no projeto, o que impede a preservação adequada das Áreas de Preservação Permanente (APPs). A mesma crítica foi feita pelo  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).’

Contudo, antes que houvesse tempo, o vice-presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desembargador Altamiro de Oliveira, suspendeu o pedido do Ministério Público, o que implicou na aprovação do Plano Diretor.

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A falta da participação popular

Talvez o ponto mais polêmico entre todos seja a falta da participação popular na discussão da revisão do PD, uma obrigação legal. Ainda na gestão anterior, de Gean Loureiro (União Brasil) em plena pandemia houve nova tentativa de burlar a legislação ao não discutir o PD com a população. Foi preciso que o Ministério Público obrigasse a realização destes debates.

A ocupação desordenada em Santa Catarina cobrou seu preço em Garopaba. Acervo MSF.

Outra lacuna que mostra a má-fé da prefeitura foi a ausência de uma minuta de projeto de lei complementar.   Como é possível discutir o futuro da cidade sem que ao menos a população tivesse acesso às ideias do projeto?

Os estudos técnicos não apresentaram a capacidade suporte da cidade, envolvendo macrodrenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, entre outros estudos ambientais. Para se ter uma ideia, 65% da água que abastece Florianópolis vem de municípios vizinhos e  90% do lixo produzido é depositado no município de Biguaçu. Falta água na cidade, e o saneamento é deficitário. Apesar disso, não há menção à correção destes problemas estruturais no novo Plano Diretor.

Redução da proteção ambiental de Florianópolis

Aqueles que não se conformam com a aprovação alegam que haverá redução da proteção ambiental, já bastante degradada em Florianópolis. Conversamos com o professor, arquiteto, e ex-vereador Lino Peres, um dos que assinam o Manifesto. Lino disse que só nas questões ambientais ‘há 26 inconstitucionalidades’, entre elas, a mais impactante foi ‘alterar o significado das Áreas de Preservação Permanente’, substituindo-as pelas ZIP (Zonas de Interesse de Proteção).

O afrouxamento das leis ambientais tende a acirrar a erosão em Florianópolis.

Mas não é só. O artigo 49 permite a construção de cercas, muros e extração de areia, além da circulação de carros sobre as dunas! Isto mostra a ignorância dos autores do PD. Dunas são um repositório de areia da praia, normalmente tragada pelas ressacas, eventos extremos e a subida do nível do mar. Com isso, revogando o art. 75-B, flexibiliza ocupação de terrenos confrontantes com a orla marítima, o que é flagrante inconstitucionalidade.

Promovendo a erosão costeira

Agindo desse modo leviano, seus autores estão promovendo a erosão costeira já dramática em vários pontos do litoral do Estado. Além disso, pela legislação ambiental em vigor, dunas são APPs e sua ocupação é terminantemente proibida!

Art. 21 – O Art. 35-A do PD/2014 define que as APPs e faixas sanitárias das margens de rios em áreas urbanas consolidadas serão determinadas pelo Plano Municipal de Macrodrenagem. Considera-se o artigo inconstitucional, já que o Plano de Macrodrenagem não pode contrariar a lei 12651/2012, Art. 4º, §10.

Aos poucos a especulação imobiliária toma conta de Santa Catarina, vide o resultado no Cabo de Santa Marta. Acervo MSF.

Segundo o documento da Fundação Municipal de Meio Ambiente, ‘Entendemos ser necessário manter o texto conforme originalmente constava na Lei 482/2014, pois o objetivo é de alertar sobre como o caráter insular, a capacidade de suporte e os riscos decorrentes das alterações climáticas podem e devem ser limitadores do crescimento urbano, portanto devem balizar o planejamento urbano. Assim, evitam-se problemas decorrentes de ocupação urbana em áreas de risco, ou em áreas frágeis, de grande importância ecossistêmica, garantindo o equilíbrio para as presentes e futuras gerações, como é o caso de áreas úmidas que, além da sua importância ecológica, auxiliam na regulação hídrica, evitando alagamentos em áreas urbanas de entorno.’

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Áreas de Preservação Permanente

Houve ainda muitas discussões quanto às APPs, ou Áreas de Preservação Permanente, definidas pela legislação ambiental, e proibidas de serem ocupadas. Para a Fundação Municipal de Meio Ambiente, ‘No PLC 1911/2022, as alterações do conceito do zoneamento de APP, mais uma vez, deixam de forma dúbia sua funcionalidade, além de dar caráter subjetivo à sua delimitação, pois, uma vez demarcado, o zoneamento “tem” (e não “podem”, como grafado no PLC) a função de preservar e proteger os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade.’

Ou seja, o poder executivo estaria mudando o conceito de tais zonas ao colocar a palavra ‘podem’ proteger e preservar, em vez do correto, ‘tem’ a função de proteger e preservar. São pequenos detalhes. Contudo, eles podem fazer a diferença.

‘Pequenas’ alterações no PD

Há várias outras ‘pequenas’ alterações no PD em vigor que a Fundação Municipal de Meio Ambiente faz questão de frisar que foram feitas à revelia de seu setor técnico sobre os impactos ambientais.

O Manifesto a que nos referimos anteriormente assinala que a LC 739/23, ao permitir a revisão da APP, abre a possibilidade de intervenção nesses espaços, flexibilizando a proteção dessas áreas, o que é inconstitucional, e que a revisão poderá ser feita também em APL (Área de Preservação Limitada, que até então só permitia a ocupação de no máximo de 10%), mediante estudos ambientais que poderão ser apresentados pelo próprio interessado (pasmem!), podendo-se adotar o zoneamento adjacente. Aqui, o Estado abre mão de sua prerrogativa constitucional de legislar e regular o uso do solo.

Outro aspecto de afrouxamento da legislação ambiental é que a Lei aprovada abre possibilidade de uso e ocupação de áreas de declividade natural entre 46,6% e 100%, consideradas APP pelas leis anteriores, contrariando legislação federal (artigo 11 do Código Florestal), ampliando possibilidade de ocupação dessas áreas com alta suscetibilidade a movimentos de massa (áreas de risco). Com isso, permite-se que a expansão urbana invada áreas de topo de morros.

Plano Diretor contempla o setor da construção civil

Resumindo, além das questões técnicas, ambientais e urbanísticas, outro grupo, formado por especialistas voluntários e da UFSC, alega que a aprovação do PD contempla o setor da construção civil, em detrimento da proteção ambiental. Como resultado, haverá mais judicialização

Os autores do Manifesto elencaram vários pontos considerados inconstitucionais. Por exemplo, o Art. 4º, Inciso I do PLC – É duplamente inconstitucional por legislar sobre subsolo e espaço aéreo, que é competência privativa da União. Propõe-se manter a redação do PLC e suprimir o inciso I.

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Contudo, há outros. O Art. 2º, § 4º – submete as disposições desta lei à observância dos preceitos da Lei Federal n. 13.874/2019, Lei de Liberdade Econômica, o que é inconstitucionalPropõe-se a supressão do § 4º.

De maneira idêntica, chamou a atenção o artigo 35-A do PD/2014 definindo que as APPs e faixas sanitárias das margens de rios em áreas urbanas consolidadas serão determinadas pelo Plano Municipal de Macrodrenagem. Considera-se o artigo inconstitucional já que o Plano de Macrodrenagem não pode contrariar a lei 12651/2012, Art. 4º, §10.

PD exime o município do dever de oferecer acesso universal ao saneamento

Há outras pérolas difíceis de serem engolidas. Por exemplo,  o Art. 63-A – Exime o município do dever de oferecer acesso universal ao saneamento, que é um direito constitucional. A nova redação estabelece que “O loteador deverá instalar sistema coletivo de tratamento de esgoto e poderá operá-lo mediante contrapartida do usuário” e que a “PMF deverá fiscalizar a instalação e operação desse sistema até que possa assumi-lo integralmente”. Vejam que o poder público abre mão para que o particular banque o sistema e não há prazo e garantia de quando deverá assumir integralmente o sistema, quando deveria ser exatamente o inverso.

Para nós, o artigo 66 é um escárnio. Depois das mortes de Petrópolis (2022), e do litoral norte de São Paulo, um plano diretor permitir a ocupação de áreas de risco é crime. Mas se você considera que isto é tudo, prepare-se para outra aberração.

A restinga de Morro das Pedras foi ocupada. O resultado é a erosão.

O Art. 88 – Permite parcelamento e edificações em glebas sem condições geológicas/área de risco!

Outros pontos são inaceitáveis para os autores do Manifesto. Um deles é o Art. 5º, Parágrafo único do PLC – este artigo trata dos conceitos dos termos e expressões adotados a serem conceituados no glossário – Anexo 1. Porém o Parágrafo único determina que “Havendo conflito entre os termos legais prevalecerá a redação mais favorável ao particular”. Propõe-se a revogação do parágrafo único, pois em caso de conflito jurídico, a prevalência deve ser sempre o interesse público e não o interesse privado.

Ou seja, o parágrafo acima é um acinte ao interesse público que deveria ser a meta principal do Plano Diretor de Topázio Neto (PSD). Como assim, ‘mais favorável ao particular?’

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A especulação e a corrupção em Santa Catarina

Para encerrar,  chamamos a atenção para o fato de que a especulação imobiliária, a maior chaga do litoral, explodiu com violência em Santa Catarina e não é de hoje. A ocupação de Jurerê Internacional foi um escândalo desde seu início.

Ficou famosa a Operação Moeda Verde, em 2017, quando 16 pessoas foram condenadas pelo Juiz Marcelo Krás Borges, da Vara Federal Ambiental de Florianópolis. Ele condenou  16 pessoas e seis empresas acusadas na Operação que investigou crimes contra o meio ambiente e contra a administração pública.

Balneário Cambroiú, um dos efeitos da especulação é a desfiguração paisagística.

Na época, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que a empresa Habitasul pagava servidores públicos para que eles concedessem liberação de licenças ambientais para a construção de empreendimentos.

Além deste caso emblemático, a especulação imobiliária desfigurou Balneário de Camboriú, e agora faz o mesmo em Balneário Perequê. Em outras palavras, parece estar liberada a construção de prédios tão altos que acabam com a insolação nas praias do Estado. A mesma tentativa foi feita em Itajaí.

Em nossa opinião, esta revisão do Plano Diretor de Florianópolis vai acabar com o que resta da Mata Atlântica, restingas, dunas, e manguezais do município. E, como dizem os autores do Manifesto, trata-se de um golpe orquestrado pelo setor imobiliário da cidade, em conluio com a maioria dos vereadores da CMF.

Não é possível que a Justiça deixe este descalabro seguir em frente.

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