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NAe São Paulo, venda torna-se imbróglio internacional

NAe São Paulo, venda torna-se imbróglio internacional

O estranho ano de 2022 se arrasta para acabar. Tantas foram as imbecilidades num certo país, que parece ter durado décadas. Mas, felizmente, 2022 vai acabando. Está nos estertores.   Enquanto isso, prossegue a saga do NAe São Paulo, desnudando a ‘everéstica’ negligência das autoridades brasileiras. O caso vai entrar para os anais da história marítima por uma sucessão de equívocos. A saga do ex-porta-aviões e nau capitânia da Marinha, agora tratado como ‘resíduo exportado que pertence ao Brasil‘, é, no mínimo, indigna. Começamos a contar esta história no post Um porta-aviões fantasma a vagar em alto-mar, em outubro de 2022.

NAe São Paulo em Suape.
NAe São Paulo, ou ‘resíduo exportado que pertence ao Brasil’,  em Suape. Imagem, www.luiscelsonews.com.br.

Ao largo de Suape

No post escrevemos: ‘A vinda do São Paulo para estas plagas, os acidentes que protagonizou, a sua curtíssima carreira, a revenda para uma empresa turca – estaleiro Sök Denizcilik e Ticaret Limited – por R$ 10,5 milhões e sua ida do Brasil para o Mediterrâneo, e volta ao País, parecem escrever uma história indigna para a belonave.”

Dois meses depois, persiste o engodo, o embuste, e o desleixo das autoridades de ambos os lados do Atlântico. No ‘corner’ Sul, o antigo proprietário do porta-aviões, ou seja, o Brasil.

No ‘corner’ Norte, o oponente, o incauto estaleiro turco Sök Denizcilik e Ticaret Limited. Como  dissemos, ambos protagonizam um grotesco show de incompetência.

O Navio Aeródromo (NAe) São Paulo foi vendido pela Marinha do Brasil em 21 de abril de 2021. Começava a saga que ainda não tem data para acabar.

O primeiro deslize

O primeiro deslize foi da empresa turca. Segundo comentário, na verdade desabafo, enviado ao site pelo arrematante (por procuração) do casco em nome da empresa turca, Jorge Wilson de Azevedo Cormack

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Após vencer o leilão, solicitei à SOK para fazer com uma empresa internacional uma vistoria adequada e minuciosa sobre o amianto que poderia ter a bordo, mas, a SOK nunca quis ouvir-me e quando neguei-me em seguida ser o exportador do casco por não cumprirem com o meu conselho de fazerem a tal inspecção, fui obrigado a colocar um advogado especialista em questões marítima e ambiental, e não um qualquer advogado.

De qualquer maneira, em 4 de agosto  o Ibama protagonizou o segundo vexame ao autorizar a saída do País sem a adequada e minuciosa vistoria sobre amianto. Desse modo, o NAe São Paulo iniciou o que viria a ser sua última jornada. Uma  viagem de seis mil milhas até a Turquia onde seria sucateado no cemitério de navios de Aliaga.

Contudo, monitorado por ONGs ambientais por levar em seu bojo uma quantidade não sabida de amianto, (enquanto o Greenpeace diz serem 760 toneladas, o relatório encomendado pelo governo brasileiro à empresa Grieg Green estimou em pouco menos de 10 toneladas), material cancerígeno e proibido em navios desde 2011, foi barrado no baile na entrada do Mediterrâneo.

O governo turco, avisado sobre o lixo tóxico, o descartou. Ao mesmo tempo, o Ibama em novo vexame, o terceiro seguido, mandou o navio voltar para ser ‘desamiantizado’ no Brasil.

Ocorre que a Marinha do Brasil afirmou em nota que o navio ‘realizou, na década de 1990, uma ampla desamiantação.’ Ao que parece, o desnorteado Ibama (desde que Ricardo Salles por lá passou) não conhece o detalhe…

Convenções internacionais, assinadas pelos dois países entre muitos outros, proíbem a ‘exportação’  de resíduos tóxicos.

Segundo a ONG shipbreakingplatform.org,  ‘O Ministério do Meio Ambiente da Turquia informou que a decisão foi tomada depois que o governo brasileiro se recusou a realizar uma nova análise da existência de amianto e outras substâncias perigosas no navio’.

A volta para casa e novo vexame

Sem outra opção, em 26 de agosto o rebocador de alto-mar que o arrastava pelo ‘cabresto’ deu meia volta e iniciou o retorno à Pindorama.

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De acordo com matéria de Lucas Altino, em O Globo (9/9/2022) ‘Procurados,  a Marinha, a Capitania dos Portos e o Ibama ainda não se manifestaram. Mas advogados que acompanham o imbróglio afirmam que a MSK Maritime Services, empresa contratada pela Sok para fazer a exportação, solicitou à Capitania dos Portos a autorização para o atracamento na Baía de Guanabara no dia 2 de outubro.

Com a negativa em dar qualquer satisfação pública conforme Lucas Altino, a Marinha, a Capitania dos Portos, o governo, e o desnorteado Ibama protagonizaram o quarto vexame.

NAe São Paulo, ou o sucatão da MB. Imagem, www.cavok.com.br.

Contudo, segundo o portal  Uol, em matéria de Jorge de Souza, a Marinha do Brasil teria proibido a atracação do navio no Rio de Janeiro onde o NAe São Paulo sempre esteve durante os anos de férias no País.

Jorge de Souza explicou: ‘Quando o lento comboio já estava quase chegando de volta ao Rio de Janeiro, uma ordem do órgão máximo da navegação brasileira determinou que ele desse novamente meia volta, e subisse, uma vez mais, a costa brasileira, até o porto de Suape, no litoral de Pernambuco, a mais de 1.500 quilômetros de distância.’

Ou seja, o quinto e sucessivo vexame. Se a sucata cancerígena passou sua vida no Brasil, atracada no Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro, qual o motivo da recusa agora?

Depois da inacreditável patacoada, o navio chegou ao largo de Suape em 5 de outubro. Então, outro brazuca entrou em ação. Desta vez a Agência Estadual de Meio Ambiente do Estado impediu a atracação.

E assim, a infindável xaropada prossegue.

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Quase três meses ao largo de Suape

Há quase três meses, o desmoralizado São Paulo balança ao sabor das vagas há 30 km ao largo do porto de Suape, como informa Maria Clara Carneiro da equipe da assessoria de imprensa que representa  MSK Maritime Services & Trading.

Enquanto isso Zilan Costa e Silva, advogado especialista em Direito Marítimo contratado pela empresa, roga em sucessivos boletins: “Todos os navios construídos antes de 2011 possuem amianto. Quantos navios com amianto já foram atracados em Suape? Todos eles possuem 1.500 páginas de documentação? A única forma de tornar um navio/carro/construção livre de amianto é recicla-lo adequadamente. E é exatamente essa a função da SÖK: transportar o porta-aviões para um estaleiro onde ele será reciclado”, completa.

Segundo esses boletins, ‘Para que o porta-aviões São Paulo possa voltar a seguir para seu destino na Turquia, é preciso novas inspeções e consertos pontuais na embarcação.’

‘Caso contrário ele ficará sempre ao redor da costa pernambucana, como os navios que estão sem destino no cemitério da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro…’

Enquanto o show de horrores prossegue, o comboio continua ‘queimando combustível em alto-mar agravando os riscos à fauna e flora marítima’, como diz o boletim da assessoria de imprensa da  MSK Maritime Services & Trading de 20 de dezembro.

MSK Maritime Services & Trading  e a SÖK acionam a ONU

Como os irrresponsáveis brasileiros empurram a culpa ou a decisão, de um pro outro, e do outro para o um há três meses, em 20 de dezembro a MSK Maritime Services & Trading, e a SOK, enviaram um comunicado formal à Organização das Nações Unidas, órgãos ambientais e representantes dos governos brasileiro, turco e francês reportando a falta de assistência das autoridades brasileiras em encontrar uma solução.

Mais que nunca a patacoada torna-se um imbróglio internacional, fruto da omissão  de todos os órgãos citados, anabolizados pela nossa eterna  burocracia.

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‘Sem condições de manter o projeto da Nae São Paulo’

Segundo a nota oficial, ‘Empresas que fariam a reciclagem ambiental do navio afirmam que não têm mais condições de manter o projeto da Nae São Paulo, resíduo exportado que pertence ao Brasil e deve retornar ao país de origem.’

Com isto a ex-garbosa belonave deixa de ser um porta-aviões. Torna-se um mero ‘resíduo exportado que pertence ao Brasil.’

A nota diz  ainda que ‘Segundo determina a Convenção da Basileia, o país exportador, Brasil, é responsável por admitir o retorno dos resíduos sendo esta uma obrigação de natureza internacional. E mais: cabe à Marinha, e não ao Estado de Pernambuco ou ao Porto de Suape, dispor sobre portos marítimos e determinar o destino da embarcação. Enquanto isso ela (a embarcação) se encontra próxima ao litoral pernambucano queimando combustível em prejuízo à fauna e flora marítima.’
E, prossegue, ‘No dia 05 de outubro de 2022 o comboio chegou às estradas (sic) de Suape (distrito de Pernambuco), ao local indicado pela Marinha do Brasil.’

‘Embora tivéssemos solicitado várias vezes durante a viagem de volta, infelizmente nenhum porto de refugiados (sic), ou pelo menos ancoradouro, foi designado. Pelo contrário, fomos ordenados a manter os ‘resíduos’ fora das águas interiores brasileiras. Como se não tivessem sido exportadas do Brasil, nem fosse de propriedade do País.’

Pode?

Neste País, esculachado, pode sim…

‘Vitima de vingança’

Mais adiante, diz a nota enviada à ONU, ‘…nosso comboio, e certamente nossa empresa, acaba de se tornar vítima de uma vingança em que nem éramos parte. Este conflito já nos custou cerca de US$ 5 milhões… Infelizmente, as autoridades  ignoraram nossa situação e agiram como se esse sangramento financeiro não tivesse relação com eles, embora fossem os verdadeiros proprietários desses resíduos há cerca de um ano.’

Não só as empresas são vítimas de uma vingança. Este é o modus vivendi de 220 milhões de brasileiros vítimas de um  Estado inchado, podre, putrefeito e  fedorento mas, sobretudo, ineficiente.

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‘No final, diz a nota, apesar de todos os nossos esforços, não conseguimos obter o apoio necessário das Autoridades que nos permitisse continuar neste projeto…afirmamos várias vezes, nossa intenção era concluir o procedimento de reexportação e concluir a reciclagem e descarte do lixo brasileiro de acordo com o contrato que assinamos.’

‘No entanto, hoje já se passaram 77 dias desde a chegada e, no entanto, todos os pedidos de assistência e cooperação foram completamente ignorados. O que nos leva a concluir que não estamos mais em condições de manter o projeto de reciclagem e descarte de resíduos, especialmente enquanto qualquer dos estados envolvidos não assuma (sic) qualquer responsabilidade.’

Conclusão da nota das empresas engabeladas pela burocracia que nos domina

Finalmente, ‘A partir de agora, qualquer ação nossa será apenas para nos proteger das “batalhas” das quais certamente não fazemos parte, nem fronteira.’

Diga agora, caro leitor, como qualificar a posição da Marinha do Brasil, o  comportamento desnorteado do Ibama de Ricardo Salles que ora libera, ora ‘deslibera’; ou a atuação da Capitania dos Portos, e a ‘solução’ do governo de Pernambuco que abriu um processo judicial contra o Governo Federal?

O que podemos dizer é: Bem feito, quem mandou se meter com Pindorama?

Em outras palavras, o que as empresas não sabiam é que ‘o Brasil não é para amadores’, como bem disse o sábio Tom Jobim.

Infelizmente, estas  “batalhas” as quais certamente fazem parte de nossa vida são, ao mesmo tempo, o que nos condena a não sair de nossas medíocres fronteiras.

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Melancolia naval

Que triste fim para para o ex-FS Foch. Um modelo da Classe Clemenceau com  capacidade para transportar até 40 aeronaves de asa fixa e helicópteros em cuja lista de atuações estão as Operações Balbuzard, Salamandre e Trident no Mar Adriático durante o envolvimento da França na dissolução ex-Iugoslávia.

Nesta época, a belonave  garantiu a segurança dos franceses posicionados no solo e realizou ataques aéreos sob o comando das Nações Unidas e da OTAN.

Até que um desmiolado resolveu vendê-lo ao Brasil, então…

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