Microplásticos chegam aos humanos, saiba como, artigo da Universidade Federal do Paraná
Nessa série já apresentamos aos leitores desta coluna, os microplásticos por meio dos pellets encontrados nas praias, e no último texto vimos que os microplásticos podem ser encontrados desde a superfície do mar até às regiões mais profundas do oceano. Mas você sabe quais são as interações entre microplásticos e organismos marinhos? Microplásticos chegam aos Humanos, saiba como é o tema do terceiro artigo da série.
Os impactos dos microplásticos
O plástico é um material durável, isso quer dizer que ele não se degrada com facilidade. Na realidade, todos os plásticos já produzidos desde os anos 1950 ainda estão por aí. E estarão por muitos e muitos anos, podendo ser transportados por todo o globo.
Você já deve ter visto ou até mesmo experimentado as maravilhas de estar sobre uma boia na água, sendo levada pela correnteza de um rio, ou melhor, ao sabor das ondas no mar. Ou já viu em algum filme garrafas viajando com mensagens, ou sobreviventes de naufrágios chegando a praias distantes agarrados aos pedaços que restaram do barco.
Um lar à deriva
Agora, imagine que a boia é uma garrafa PET e que presa a ela está um animal marinho – um molusco ou crustáceo, por exemplo – percorrendo quilômetros e quilômetros de distância na imensidão do Oceano. Alguns animais usam o plástico como meio de transporte, assim conseguem chegar a regiões onde nenhum outro indivíduo da sua espécie já esteve, onde os outros organismos que lá vivem não o conhecem e não têm capacidade de competir com ele. Assim, os plásticos podem ajudar na dispersão de espécies invasoras.
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Mas não se engane, o tamanho do meio de transporte não é um fator essencial para organismos pegarem carona. Veja o caso curioso destes insetos que habitam regiões oceânicas e cujos ovos depositados em pellets chegam a praias brasileiras.
Ou o caso de pequenos animais incrustantes, como cracas e mariscos, que podem fixar suas conchas nas superfícies de microplásticos, como na imagem abaixo. Os microplásticos podem também funcionar como um ecossistema próprio – a plastisfera é meio de transporte para colônias de bactérias e pólipos de água-viva, que quando transportadas para regiões costeiras em que não estavam presentes, representam um perigo potencial para banhistas.
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Imagens ampliadas de pellets que apresentam vestígios de conchas e carapaças (a), ovos de insetos (b) e fragmentos de plantas (c). Fonte: Acosta-Coley I. Oliveira, V. Mar Pollut Bull. 2015.
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A densidade da maior parte dos plásticos é menor que da água do mar. Assim se mantém flutuando nos primeiros metros da coluna d’água, onde vive uma diversidade de organismos marinhos.
O diminuto tamanho dos microplásticos favorece sua ingestão por uma variedade de animais marinhos, do plâncton a crustáceos e peixes. Os microplásticos têm a mesma densidade que microalgas (fitoplâncton) e, por isso, seu movimento é parecido, o que faz com que sejam facilmente confundidos por organismos marinhos que se alimentam do fitoplâncton.
A ingestão direta dos microplásticos não se restringe aos animais de superfície, outras espécies que junto ao fundo do oceano, incluindo espécies de peixe de interesse comercial, também se confundem e acabam os ingerindo. Os microplásticos podem também ser capturados por animais que se alimentam por meio da filtração da água (filtradores), como ostras e mariscos.
Esquema de teia alimentar marinha, e como os microplásticos podem ser transferidos entre os organismos. Fonte: LUSHER, A. 2015/MOOC Marine Litter.
Microplásticos podem ser ingeridos por diferentes organismos
Os microplásticos que chegam ao fundo do oceano podem ser ingeridos por diferentes organismos, como camarões, caranguejos e moluscos, ou ainda, serem ingeridos por organismos que vivem no meio dos sedimentos, como a meiofauna. Um ponto a ressaltar é: uma vez na base da teia alimentar marinha, os microplásticos podem subir na cadeia alimentar à medida que as espécies maiores se alimentam das menores.
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Uma forma de visualizar essa escala é imaginar que uma larva pequena pode ingerir dois microplásticos, e, se um peixe, que se alimenta de várias larvas por dia, comer dez larvas, por exemplo, terá ingerido 20 partículas.
Assim, um golfinho, que se alimenta de muitos peixes diariamente, pode ser encontrado com centenas de partículas no estômago. Esse efeito é conhecido como biomagnificação, em que a concentração de um composto ou partícula aumenta quando se sobe na cadeia alimentar.
Os predadores herdam os microplásticos de suas presas, acumulando quantidades maiores ao longo da vida.
Microplásticos, uma refeição mortal
Para nós, o tamanho dos microplásticos (menores que 5 mm) parece insignificante, mas para muitos organismos pequenos, como os organismos do plâncton, são um enorme problema.
Você sabia que para esses e outros organismos pequenos que habitam em regiões costeiras e marinhas os microplásticos resultam em morte, de forma similar àquelas frequentemente mencionadas na mídia de tartarugas e aves? A ingestão dos microplásticos pode resultar em entupimento das vias, saciedade, inflamações e feridas.
Os diferentes aditivos químicos presentes na composição dos plásticos, responsáveis por características, como flexibilidade ou retardamento de chamas, já podem apresentar certa toxicidade.
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Mas também favorecem a adsorção de outros contaminantes como os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) – pesticidas como o DDT, produtos industriais como os PCBs e PBDEs, dioxinas, e derivados do petróleo como os HPAs.
Assim, quando os organismos marinhos ingerem os microplásticos, também estão ingerindo os contaminantes adsorvidos neles. Alguns estudos já registraram que dentre os efeitos combinados dos microplásticos junto desse coquetel de poluentes, estão a mortalidade, a diminuição da fertilidade entre copépodes (espécies chaves na cadeia alimentar), além dos efeitos enzimáticos e metabólicos em invertebrados e vertebrados.
Dieta do momento: Microplásticos à mesa
O Mar Sem Fim já contou que você pode estar comendo peixes e ostras com tempero de plástico. Na Bélgica, estima-se que uma pessoa pode ingerir 90 partículas por refeição de mariscos, por exemplo.
Mesmo se você não come frutos do mar, os microplásticos podem estar no sal de cozinha, na água da torneira e até no ar. Ou seja, muito provavelmente você está ingerindo microplásticos de alguma forma. Para quantificar, um estudo da WWF compara estes objetos abaixo.
Quanto uma pessoa ingere de microplásticos, em média, ao longo de escalas de tempo diferentes.
Microplásticos na placenta de mulheres grávidas
Como prova, os microplásticos já foram encontrados em fezes humanas, mostrando que já estão entre nós. E como não são digeridos normalmente, podem se espalhar pelo corpo: pulmões, fígado, rins e baço já têm microplásticos no caso de todas as 47 pessoas analisadas por Charles Rolsky, e até na placenta de mulheres grávidas.
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O problema disso é que os efeitos que vemos nos animais marinhos também acontecem no ser humano: entupimento de pequenas vias, lesões e inflamações nos tecidos, liberação de metais e poluentes.
Inclusive desequilíbrio no sistema endócrino e chance de câncer, como causa o Bisfenol-A (BPA), que tem impacto no equilíbrio hormonal humano. O BPA é utilizado na produção de resinas epóxi e nos policarbonatos, que ao se fragmentarem para o tamanho de microplásticos, são suscetíveis a entrar na sua dieta, liberando-o direto para o seu organismo.
Nos plásticos maiores
Nos plásticos maiores, o Bisfenol-A também é liberado, então vale o aviso para evitar plásticos com símbolos ♵ (3) e ♹ (7) para embalar alimentos e bebidas.
Infelizmente, os estudos ainda estão no início, ainda não sabemos todos os efeitos dos microplásticos no ambiente, na biota, e no corpo humano. Será que esse problema tem solução? No próximo texto da série, reunimos iniciativas que podem ajudar a livrar os oceanos dos microplásticos.
Sobre os autores de Microplásticos na placenta de mulheres grávidas:
Profª. Drª. Renata Hanae Nagai: Oceanógrafa, Mestre e Doutora em Oceanografia pela Universidade de São Paulo. Desde 2015 atua como docente do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná, coordenando o Laboratório de Paleoceanografia e Paleoclimatologia.
Mateus Farias Mengatto: Oceanógrafo, Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Sistemas Costeiros e Oceânicos da UFPR. Investiga fontes, distribuição e comportamento de microplásticos em sedimentos de ambientes costeiros, trabalhando com a modelagem numérica da trajetória de partículas.
Yan Weber Mesquita: Oceanógrafo formado no Centro de Estudos do Mar da UFPR, onde atualmente é mestrando em Sistemas Costeiros e Oceânicos. Pesquisa como é a distribuição e dinâmica de microplásticos em praias do Paraná, e como ela pode ser alterada com a passagem de sistemas atmosféricos.