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Icapuí, Ceará, município está sendo tragado pelo mar

Icapuí, Ceará, outro município que está sendo tragado pelo mar

O município de Icapuí, no extremo leste do Ceará, está ameaçado pela erosão que começa a tragar partes do litoral. A erosão costeira, acirrada por eventos extremos e a subida do nível do mar, provoca imensos prejuízos nos municípios costeiros; não há exceções. Na região Sul, há exemplos no Rio Grande do Sul, Balneário do Hermenegildo, ou em Florianópolis. No Sudeste, o paradigma é Atafona, onde o avanço do mar já destruiu 500 residências e comércios. Inúmeros estados do Nordeste sofrem o mesmo problema. A tendência é que a erosão costeira, que já atinge cerca de 60% do litoral do país, ganhe ainda mais força, ameaçando os ¼ da população brasileira que mora no litoral. Entretanto, o que mais chama a nossa atenção neste processo é o silêncio do Ministério do Meio Ambiente e a ausência de uma coordenação nacional.

Icapuí, Ceará

Cerca de 22 mil habitantes vivem no município, a maioria no litoral onde existem 16 praias ao longo de 60 km. Seis dessas praias sofrem mais com a erosão: Peroba, Quitéria, Barreiras de Cima, Barreiras da Sereia, Redonda e Barrinha.

A erosão é um problema antigo no local. Em 2018, uma tese da Universidade Federal do Ceará, escrita por Eduardo Lacerda Barros, abordou o tema. Segundo Barros, a erosão em Icapuí se intensificou com o aumento das construções perto da costa, especialmente nas praias Barreiras de Baixo e Barrinha.

Praia da Peroba está inserida na APA Berçário de Vida Marinha. Imagem, Prefeitura de Icapuí/Divulgação.

2011 e 2014, a erosão ganhou destaque na mídia

Barros também observou que entre 2011 e 2014, a erosão ganhou destaque na mídia, destruindo propriedades. A maré, com sua amplitude que pode chegar a 4 metros, é a principal causa desse dano, agravado pela pouca inclinação da praia. Isso faz com que as ressacas atinjam as construções.

Lacerda alerta que toda a orla corre risco com a subida do nível do mar, ‘evidenciando assim uma necessidade de maior participação do poder público em medidas que possam auxiliar na minimização dos impactos causados‘.

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Os motivos da erosão costeira

A erosão é natural no litoral fustigado por ventos, marés, ressacas, correntes marinhas, etc. Por exemplo, a quantidade de areia em uma praia muda durante o ano. Em épocas de bom tempo, as praias geralmente acumulam areia. Durante tempestades, ocorre erosão. A vegetação de restinga e as dunas desempenham um papel importante nesse ciclo. Elas liberam areia durante a erosão criando um equilíbrio no sistema.

Construir muito perto da praia, em cima de dunas, restingas ou manguezais, impede a reposição natural de areia perdida em ressacas. Isso inicia um ciclo de erosão difícil de reverter. No Brasil, construções frequentes muito próximas às praias exacerbam o problema. A BR 101 é um exemplo claro, atravessando ecossistemas costeiros sensíveis que foram extirpados, em sua extensão do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul.

Praia da Peroba onde 20 imóveis estão ameaçados. Prefeitura de Icapuí/Divulgação.

Barragem nos rios que deságuam no mar

Além disso, muitos rios que deveriam levar sedimentos ao mar estão barrados por inúmeras represas, limitando ainda mais a reposição natural de areia nas praias. Desde os anos 1950, a tendência de construir muito perto do mar, em áreas inadequadas, tem sido um erro comum no Brasil. Essas construções “pé na areia” são especialmente problemáticas.

A obsessão por ter ‘vista para o mar’ incentiva ainda mais essas construções costeiras. E o agravante é o aquecimento global, que só piora a situação. Todas essas mudanças resultaram em um déficit generalizado de areia nas praias, antes naturalmente repostas. Em outras palavras, erosão, prejuízos bilionários, e milhares de pessoas desabrigadas.

Por ser este um problema nacional e generalizado, é que tanto nós, como o autor da tese, defendemos que haja uma coordenação nacional para combater o fenômeno. Enquanto isso, o ministério do Meio Ambiente parece ausente na discussão, apesar de ter publicado um Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira em 2018.

Salinização dos poços de água

Matéria de Carlos Madeiro, no UOL em janeiro de 2024, alerta que ‘o avanço do mar e a erosão costeira estão destruindo casas e estradas e salgando os poços de água doce que abastecem os moradores de Icapuí, no litoral nordeste do Ceará’.

Novo poço perfurado para tentar achar água não salinizada. Prefeitura de Icapuí/Divulgação.

E quem constrói estradas, se não o Estado? Madeiro relata que ‘destinos turísticos estão sendo engolidos pelo oceano. Desde 2009, diz o autor, o município decretou estado de emergência por seis vezes. Como tudo que é ruim pode piorar, ‘segundo o Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Icapuí, órgão municipal responsável pelo abastecimento e monitoramento da qualidade da água, 90% dos poços em operação têm concentração de sais acima do recomendado pela lei, diz Madeiro.

Como a maior parte da população vive próxima ao mar, os poços que foram abertos também estão onde não deveriam. Isso dá a medida do problema: ao mesmo tempo que populares perdem suas casas, pontos turísticos são engolidos,  pode haver falta de água, e o meio ambiente também é afetado já que a praia da Peroba está inserida na APA Berçário da Vida Marinha que procura proteger aves limícolas e a reprodução do peixe-boi ameaçado de extinção.

Obras para minimizar os problemas

Para minimizar os problemas, em 2022, depois que uma estrada, creches, quadra de esportes e várias casas foram destruídas, o município construiu um paredão de pedras na tentativa de proteger outras construções. Em vão. Agora,  o Diário do Nordeste informa que mais R$ 11 milhões devem ser investidos na construção de um ‘espigão’, espécie de molhe de pedras comuns em todo o litoral do Ceará, ainda sem previsão de início.

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O principal problema das medidas de contenção que envolvem estruturas rígidas, como muros de proteção, diques, quebra-mares, etc, é que elas podem resolver a erosão em um local específico, mas também causar erosão nas áreas ao redor. Além disso, essas soluções nem sempre são eficazes localmente, mas podem desencadear um efeito dominó, afetando outras praias próximas.

O Diário do Nordeste confirmou a incerteza ao entrevistar Davis de Paula, membro da equipe Cientista-Chefe da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Ceará (Sema). Doutor em Ciências do Mar, ele explica que os espigões são uma das medidas de proteção costeira mais utilizadas no mundo, mas “não significa que seja a mais efetiva” e muito menos que “vai exterminar definitivamente o processo de erosão”.

E finaliza: A literatura científica também indica a transferência do problema para praias vizinhas, “mas a escala de tempo é diferente: pode levar dias, meses ou anos”, diz o pesquisador.

Assista ao vídeo do UOL para saber mais sobre a dimensão do problema

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