Grilagem na Amazônia, MP 910 mobiliza sociedade contra mais uma tentativa de anistia
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tem até 17 de maio de 2020 para colocar em votação a Medida Provisória (MP) 910/2019 sobre a grilagem na Amazônia. Se prevalecer o bom senso, Maia deixará a MP caducar. É o que acontecerá se ela não for votada até essa data. Conhecida como MP da Grilagem por ambientalistas e MP da Regularização Fundiária por parte dos ruralistas e, claro, governistas, ela trata da regularização de ocupações de terras públicas não destinadas, alterando leis anteriores sobre o tema.
Para os ambientalistas, além de diversas entidades públicas e não governamentais da sociedade, a MP 910 é um cardápio – inconstitucional – de benesses. Que premia quadrilhas de grileiros ao entregar imensas áreas públicas a preço de banana a grandes especuladores de terras. Principalmente, os que agem na Amazônia.
Pior, eles acreditam que a MP pode incentivar ainda mais a grilagem, os desmatamentos e as queimadas na floresta amazônica, que não param de crescer. Mesmo em épocas de chuvas, como no primeiro trimestre deste ano, quando normalmente os índices de desmatamentos são mais baixos na região. Um cenário que deverá afugentar grandes investidores, cada vez mais pressionados a investir em práticas legais, sustentáveis e que não degradem os ecossistemas.
Grilagem na Amazônia: MP premia e estimula desmatamentos
“Estamos falando de sérios impactos negativos da MP que ao facilitar (premiar) titulação em áreas públicas com florestas desmatadas após julho de 2008, poderá consolidar e induzir a dinâmica de ocupação já acelerada na Amazônia ao comportamento indesejado pelo Código Florestal de 2012 que estabeleceu um marco temporal definitivo para um basta nas ‘flexibilizações’ e anistias a desmatamentos ilegais, que foi julho de 2008”, disse o advogado André Lima, em artigo publicado no site Congresso em Foco.
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Grilagem na Amazônia: grande parte das áreas desmatadas se destina à especulação
“Certamente há muitos pequenos produtores na Amazônia passíveis de regularização, mas há um contingente substancial de gente que grilou a terra e vai obter benefício do governo”, disse Paulo Moutinho à BBC News Brasil. Moutinho é doutor em Ecologia e pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Ele também endossa que a medida de Bolsonaro premia quem desmatou com o intuito de lucrar com a venda das terras.
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Polêmica, MP 910 foi criada por Bolsonaro
A MP 910 foi assinada no fervor natalino de dezembro de 2019 por Jair Bolsonaro e já está em vigor. Mas precisa ser aprovada no Congresso, onde chegou no mesmo mês, quando passou a ser analisada por uma comissão mista de parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado.
Relatada pelo senador Irajá de Abreu, sobrenome pelo qual é conhecido por ser filho da ex-ministra e também senadora Kátia Abreu, ela recebeu centenas de emendas. Mais precisamente 542, o que dá a noção do quanto a questão é polêmica e precisa ser muito mais debatida. A MP 910 também passou por audiências públicas, diz o relator, mesmo em tempos de covid-19 e com o recesso parlamentar de final e início de ano, além do Carnaval. E o relatório final, pronto no fim de março, ficou pior que a própria MP, afirmam especialistas.
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A MP 910 “recebeu da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, uma nota técnica que afirma, em consonância ao que foi analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que, se aprovada, trará danos sociais, ambientais e econômicos”, informa o site Congresso em Foco. A nota enviada aos congressistas está baseada em dados do Acórdão 722, publicado pelo TCU no começo de abril de 2020.
“O documento analisa tomada de contas do Programa Terra Legal, no período entre 2009 e 2017, e constata o mau funcionamento do programa e um ambiente de estímulo à grilagem favorecido pela legislação já vigente. Esse é, inclusive, o principal argumento da oposição, de que a MP estimula e legaliza a grilagem de terras.”
Tribunal de Contas da União: falta fiscalização na Amazônia
Segundo o TCU, não há efetivamente fiscalização das ocupações de área na Amazônia Legal. O que leva a perdas de receitas públicas, grilagem e desmatamento. “A exaustiva análise do TCU indica a necessidade de os termos da MP 910 serem analisados não apenas à luz das inconstitucionalidades formais e materiais, mas também dos efeitos que a legislação vigente vem acarretando sobre os territórios da Amazônia Legal”, destaca a PFDC.
Imazon: MP 910 permite reincidência de invasão
Especialistas do Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon) também produziram nota técnica sobre a MP 910. “O documento analisa as modificações feitas no segundo relatório escrito pelo relator da medida, o senador Irajá Abreu (PSD-TO) que ‘mantém ou agrava alguns dos problemas do texto inicial da MP, além de trazer novos aspectos negativos’”, diz o site o Eco.
Sociedade se articula contra a MP 910
Dentro do próprio Congresso, a Frente Parlamentar Ambientalista também se movimenta para evitar que a MP 910 seja votada durante a pandemia. Coordenada por Rodrigo Agostinho (PSB-SP), a Frente tem articulado e recebido apoio maciço nesse sentido. Em meados de abril de 2020, uma carta aberta contra a MP 910 foi entregue à Frente. Para os 175 signatários, a Medida, do jeito que está, pode ampliar conflitos sociais e infrações ambientais.
“Os dirigentes do Poder Legislativo não podem pactuar com proposta que legitima a grilagem e o desmatamento ilegal e beneficia grandes produtores rurais em detrimento de agricultores familiares e populações tradicionais. No curso da crise da covid-19, esse prêmio à ilicitude, se confirmado mediante a aprovação da MP 910/2019, assumiria natureza ainda mais criminosa”, disseram os signatários, na carta.
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Entre os signatários, estão deputados, senadores, vereadores e ex-ministros do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário. Além de 137 organizações da sociedade civil, como a Fundação SOS Mata Atlântica, WWF Brasil, Greenpeace Brasil, Observatório do Clima, Instituto Socioambiental, The Nature Conservancy e SOS Amazônia.
“Principal problema ambiental do Brasil é fundiário”
“Sabemos que o principal problema ambiental do Brasil, na verdade, é fundiário. A grilagem de terras é uma atividade antiga que, além de causar danos ao meio ambiente, mata populações locais e tradicionais. É um setor estruturado, que favorece grandes produtores rurais e agora encontra apoiadores dentro da política”, disse Mario Mantovani, em nota. Ele é diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.
Mar Sem Fim já mostrou o quanto é antigo o problema fundiário no Brasil.
Sociedade pressiona Maia e Alcolumbre: ampla discussão
Também em meados de abril de 2020, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura se posicionou contra o texto da MP 910 e a votação em plena pandemia. O movimento reúne mais de 200 representantes do agronegócio, do terceiro setor e da academia, informa o blog Ambiente-se, do Estadão. São entidades como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), além de ONGs ambientalistas.
Em uma carta enviada aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, a Coalizão pede ampla discussão com a sociedade sobre a questão. Assinada pelos dois cofacilitadores da Coalizão, André́ Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, e Marcello Brito, presidente do conselho-diretor da Abag, a carta afirma que a MP foi apresentada como uma “suposta solução”.
MP 910: na contramão da boa gestão
Mas a “MP vai ‘na total contramão da boa gestão territorial, uma vez que sinaliza aos invasores que o crime compensa’. Os autores lembram que a Coalizão iniciou um diálogo com o Ministério da Agricultura e com o Incra para que a MP possa: ‘aproveitar e aprimorar ações positivas, como o uso de tecnologia no processo de regularização fundiária; e corrigir as graves falhas da MP 910, com base em dados e informações técnicas’”.
“Eles informam que o diálogo segue em andamento, mas que a MP, como está, ‘não encontra eco entre importantes nomes e organizações dos setores da economia’ e defendem que se pense uma nova proposta para o desafio fundiário”, diz o Estadão.
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O que diz a MP 910
A MP 910 beneficia quem já ocupa terras públicas desmatadas não destinadas. E ampliou o público alvo dos benefícios da regularização fundiária de que trata a Lei nº 11.952, de 2009. Permite que os benefícios sejam estendidos a terras ocupadas até 5 de maio de 2014, quando o texto até então vigente se referia a ocupações até 22 de julho de 2008. Em alguns casos, vale também para áreas desmatadas até dezembro de 2018.
A Medida permite a posse legal de áreas com até 2.500 hectares, a preços inferiores aos do mercado. O tamanho máximo é equivalente a 2.500 campos de futebol. Ela define algumas condições para a regularização dessas ocupações. Uma delas é que o ocupante não pode ter outros imóveis rurais. A área precisa ainda estar inscrita no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e ser georreferenciada (identificada por coordenadas de satélite).
Outra condição é que o ocupante já esteja realizando atividades agropecuárias na área. Daí um dos motivos de especialistas dizerem que a MP estimula e premia quem derruba, queima a floresta e a deixa com cara de pastagem. Além disso, a compra é vedada a quem mantém trabalhadores escravos ou em condições análogas. Sobre a área pleiteada, também não podem existir multas ou embargos ambientais. Bem como disputas registradas na Ouvidoria Agrária Nacional.
Grilagem na Amazônia e o cardápio de benesses da MP 910
Entre as principais criticas à MP 910, está a falta de vistoria de órgãos públicos sobre as áreas a serem concedidas. A MP diz que títulos podem ser concedidos sem vistorias para áreas que cumpram os requisitos com tamanho de até 15 módulos.
“Módulos fiscais são uma unidade de medida que varia por município. Nos municípios da Amazônia, os módulos fiscais costumam ter entre 70 e 110 hectares. Em partes da Amazônia, portanto, a MP permitirá a concessão de títulos de áreas com até 1.650 hectares (1.650 campos de futebol) sem vistoria. Antes da MP, a dispensa de vistoria valia para áreas com até quatro módulos fiscais (no máximo 440 hectares)”, explica a BBC News Brasil.
A dispensa da vistoria poderá permitir a posse legal de grandes áreas desmatadas ilegalmente, disseram especialistas à BBC. “Isso porque a MP só proíbe a regularização de áreas que tenham sido objeto de multas ou embargos ambientais, e nem todas as violações ambientais são conhecidas e autuadas pelo poder público.”
MP 910: prejuízo aos cofres públicos
Os críticos da MP 910 também listam a perda de patrimônio público, se a medida vigorar. Para tomar posse de áreas públicas desmatadas até 5 de maio de 2014, a MP estipula que os ocupantes devam pagar entre 10% e 50% do valor da tabela de preços do Incra. Para áreas desmatadas entre 2014 e dezembro de 2018, vale 100% da tabela do Incra.
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Mas os valores dessa tabela estão bem abaixo da metade dos preços de mercado. É o que informou à BBC a advogada Brenda Brito, do Imazon. Em artigo publicado na revista científica Environmental Research Letters, a advogada mostra que o governo deixaria de arrecadar até R$ 120,3 bilhões. O valor corresponde a 43 vezes o orçamento aprovado para o Ministério do Meio Ambiente em 2019, diz a BBC.
Grilagem na Amazônia: saiba o que diz o governo
Para o governo e o relator da MP 910 no Congresso, a Medida visa “desburocratizar a concessão de títulos a agricultores, ‘que produzem e ocupam terras da União de forma mansa e pacífica’”, ressalta a BBC. Já o Ministério da Agricultura afirma que a MP se destina “àqueles que produzem e ocupam a terra de forma mansa e pacífica há muitos anos e podem comprovar sua permanência e trabalho no local”.
Estimativas do governo indicam que cerca de 160 mil estabelecimentos rurais precisam ser regularizados na Amazônia Legal. “Desde a criação do Incra, há 50 anos, foram implantados 9.469 assentamentos para 974.073 famílias. Desde então, apenas 5% dos assentamentos foram consolidados e só 6% das famílias receberam seus títulos da terra. Ao identificar quem está na terra, a MP permitirá maior controle, monitoramento e fiscalização das áreas. Os que não atenderem às regras previstas sofrerão as sanções legais.”
Segundo Ministério, as áreas regularizadas só poderão ser vendidas após prazos entre três e dez anos. “Foram criados, assim, obstáculos às tentativas de grilagem”, afirmou a pasta à BBC. O Ministério também “rejeita que a MP estimulará o desmatamento de novas áreas por alimentar expectativas de regularizações futuras”.
MP 910: maior impacto na Amazônia
Apesar de a Medida ser válida para todo o Brasil, ela impacta, principalmente, a Amazônia Legal e os nove estados que a compõem. É nessa região que se encontra a maior parte das terras públicas não destinadas. E também onde agem os maiores grileiros do País. “Segundo o Ministério da Agricultura, na Amazônia, essas áreas somam cerca de 57 milhões de hectares, ou pouco mais do que o território da França.”
Grilagem na Amazônia e os desmatamentos
Segundo a campanha “Seja Legal com a Amazônia”, organizada por diversas entidades, “a grilagem começa com grupos contratados para desmatar uma região substituindo a floresta por pasto. Queimadas são comuns nessa etapa. A ideia é simular uma propriedade privada dedicada à pecuária. Com a área aberta, o grileiro forja títulos de posse para poder especular, por meio do pagamento de propina e corrupção em cartórios e outros órgãos de governo. Com títulos de posse falsos, essas áreas públicas são vendidas por milhões de reais”.
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Esse é um dos negócios mais lucrativos da região amazônica. Mas diversos estudos apontam que a floresta em pé é muito mais lucrativa. Pode render até R$ 7 trilhões por ano ao Brasil. No entanto, com o ritmo atual de desmatamento em breve ela chegará “ao ponto de não retorno”, ou seja, perderá suas principais funções.
“Essas áreas são visadas por desmatadores na expectativa de que venham a ser regularizadas futuramente — o que de fato tem acontecido”, afirma a BBC, lembrando que o ex-presidente Michel Temer fez MP parecida.
Imagem de abertura: http://amazonia.org.br/
Fontes: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/140116; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv910.htm; https://exame.abril.com.br/blog/ideias-renovaveis/ladroes-de-terras-publicas-na-amazonia-querem-aproveitar-coronavirus/; https://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/ambiente-se/coalizao-de-agro-e-ambientalistas-envia-carta-a-maia-e-alcolumbre-contra-mp-da-grilagem/; https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2020/04/nota-tecnica-8-2020-regularizacao-fundiaria.pdf; https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2020/01/MP-910-Desmoraliza-C%C3%B3digo-Florestal.pdf; https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunas/mp-910-premio-pra-grilagem-e-desmatamento-na-amazonia/; https://ciclovivo.com.br/planeta/meio-ambiente/mp-da-grilagem-anistia-a-desmatadores/; https://www.oeco.org.br/blogs/salada-verde/imazon-lanca-nova-nota-tecnica-que-aponta-problemas-de-mp-da-grilagem/; https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51071810; https://www.sosma.org.br/noticias/iniciativa-multissetorial-elabora-carta-aberta-contra-votacao-de-mp-da-grilagem/; https://www.sosma.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Carta-Aberta-ao-Congresso-Nacional-Contra-a-Votac%CC%A7a%CC%83o-da-MP-910.pdf; https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2020/04/Requerimento_LAI_IDS_-MP910assinado.pdf; https://congressoemfoco.uol.com.br/meio-ambiente/ambientalistas-pressionam-o-incra-para-saber-quem-sera-beneficiado-pela-mp-910/; https://www.sintrajufe.org.br/ultimas-noticias-detalhe/17216/mp-da-grilagem-pode-ser-votada-na-camara-nos-proximos-dias; https://sejalegalcomaamazonia.org.br/