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FURG cassa título honorífico do Almirante Maximiano da Fonseca

FURG cassa título honorífico do Almirante Maximiano da Fonseca

A Universidade Federal do Rio Grande, RS, ou FURG, é uma referência no País, especialmente, mas não apenas, em matérias relacionadas às pesquisas no mar. Seu curso de oceanografia é um dos melhores do Brasil. Ao mesmo tempo, saíram daquele universo alguns dos mais notáveis ambientalistas dedicados à conservação marinha, como por exemplo a equipe de estudantes que acabou por formar o Tamar, um dos maiores êxitos da costa brasileira. Ou seja, é uma instituição que por seus méritos sempre nos orgulhou. Por isso mesmo causou estupor a cassação do título de Doutor Honoris Causa concedido ao Almirante de Esquadra, Maximiano da Fonseca (1919 -1998), militar ligado à ciência, à pesquisa e a conservação marinha.

Almirante de Esquadra, Maximiano Eduardo da Silva Fonseca
Almirante de Esquadra, Maximiano Eduardo Fonseca. Imagem, FaceBook.

Saiba quem foi o Almirante Maximiano da Fonseca

Como Almirante-de-Esquadra, e visionário, percebeu a importância do País dominar a tecnologia nuclear. Assim, foi um dos idealizadores do Prosub, o programa Nuclear Brasileiro.

A Marinha lançou o primeiro submarino, Riachuelo ao mar em 2018. Em 27 de março de 2024, o Tonelero (S 42), o terceiro submarino também foi ao mar. As beonaves derivam da Classe Scorpène. Eles  incorporam tecnologia adquirida pelo programa decorrente do acordo estratégico firmado entre o Brasil e a França em 2008.

Finalmente, a Marinha planeja lançar o primeiro submarino nuclear em 2030. A importância dos submarinos para as marinhas é inquestionável. Muitos analistas acreditam que a “força de dissuasão” que eles representam é a razão pela qual ainda não ocorreu uma terceira guerra mundial, para não falar na importância de dominar o ciclo da fissão nuclear para fins pacíficos.

Para se ter ideia do feito do Almirante Maximiano, saiba que apenas cinco países no mundo constroem e operam submarinos com propulsão nuclear – Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França e China. Destes, o único que concordou em transferir tecnologia ao nível requerido e capacitar os brasileiros a projetar e construir submarinos foi a França.

Programa Antártico Brasileiro – Proantar

O Almirante Maximiano manteve sempre uma forte ligação com a ciência, consciente de que sem investimentos substanciais nesse campo do conhecimento, o país levaria mais tempo e enfrentaria maiores dificuldades para ganhar respeito e protagonismo no cenário mundial.

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Assim, ele se tornou um grande incentivador do Programa Antártico Brasileiro, visando garantir a participação do Brasil no Tratado Antártico. Esse tratado deu ao país o direito de explorar a “última fronteira da Terra”, juntamente com apenas outros 56 países.

Segundo o Poder Naval, Maximiano ‘priorizou recursos visando a compra do Navio de Apoio Oceanográfico, Barão de Tefé, o que permitiu a primeira expedição antártica brasileira e, posteriormente, o estabelecimento da Estação Antártica Comandante Ferraz’.

Outra ‘obra’ do Almirante Maximiano da Fonseca, o navio de Apoio Oceanográfico, Barão de Tefé. Imagem, Poder Naval.

O Almirante também realizou um trabalho exemplar ao comandar a Marinha Brasileira (MB), aplicando fiscalização rigorosa à pesca ilegal nas águas do Rio Grande do Sul. Mais tarde, serviu como Ministro da Marinha no governo do General Figueiredo (1979 – 1985). No entanto, foi exonerado em março de 1984 por apoiar as manifestações a favor das eleições diretas.

Dessa forma, além de uma distinta carreira fortemente vinculada à ciência, o almirante demonstrou ter uma personalidade marcante. Mesmo sendo militar e durante a ditadura, ele agiu contra a maioria de seus colegas ao endossar o movimento popular pelas eleições diretas, o que torna seu ‘cancelamento’ por uma notória instituição de ensino ainda mais difícil de compreender.

FURG: uma decisão que reforça a divisão dos brasileiros e em nada contribui para a paz social

Neste mês de abril de 2024, membros do Conselho Universitário (Consun) se reuniram para deliberar e aprovar matérias pertinentes à universidade.

Na ocasião, diz a nota da FURG, ‘motivado pelo trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV) – e pela Comissão da Verdade no âmbito da FURG – nesta última sexta-feira, 5, membros do Conselho Universitário (Consun) estiveram reunidos no auditório da Secretaria de Educação a Distância (Sead), para deliberar e aprovar matérias pertinentes à universidade’.

‘O Consun aprovou a cassação dos títulos honoríficos de Doutor Honoris Causa aos militares Emiliano Garrastazu Médici, Maximiano da Fonseca e Golbery do Couto e Silva, concedidos pela instituição nas décadas de 1970 e 1980′.

A nota também menciona que o Almirante era o comandante do navio hidrográfico Canopus em junho de 1963. Sob sua liderança, diz a FURG, o Canopus realizou o levantamento hidrográfico da costa do Rio Grande do Sul. No entanto, o impacto mais duradouro na memória da comunidade riograndina ocorreu em abril de 1964, quando começaram a usar este mesmo navio como prisão política para 22 pessoas que o alto comando das Forças Armadas considerava subversivas.

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O Canopus – H 22. Imagem, www.naval.com.br.

‘Entre os presos políticos ali mantidos em cativeiro e torturados, estiveram agentes da comunidade como professores, vereadores, jornalistas, ferroviários e outros cujas funções sociais ainda não são conhecidas’.

‘Nos últimos anos, um importante número de pesquisadores – muitos ligados à FURG – desenvolveram mais a fundo estudos sobre a atuação do Canopus no aparelho repressivo instalado em Rio Grande’.

“Deliberar e aprovar matérias pertinentes à universidade’?

Relembremos que o linchamento moral começou quando os membros do Conselho Universitário (Consun) se reuniram para ‘deliberar e aprovar matérias pertinentes à universidade’.

Mostrando-se influenciados pelo que as redes sociais têm de pior, os membros do Consun se reuniram para decretar um ‘cancelamento’ digno da deletéria polarização e seu ‘raciocínio binário’. Faria melhor se se concentrasse em seus deveres: ensino, pesquisa e extensão.

Assim, a FURG não deliberou nem aprovou qualquer matéria pertinente à universidade. Ela fez  ‘justiça social’ com as próprias mãos, decretando  que tal ou qual pessoa deve ser boicotada’.

Marinha do Brasil reage

Em 8 de abril, o Comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, enviou carta de protesto ao reitor da universidade, Danilo Giroldo. Olsen falou do ‘profundo desagrado para a MB a revogação enviesada dessa honraria outorgada a distinto Oficial, cuja vida foi inteiramente consagrada ao labor ligado à Pesquisa Oceânica; ademais, promoveu incansavelmente vigorosa interação entre a Academia e a Força Naval, resultando em benefícios substanciais para o desenvolvimento do Estado brasileiro’.

O Comandante da Marinha do Brasil, Marcos Sampaio Olsen. Imagem, www.portalin.com.br.

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‘Neste sentido, é imperativo mencionar que a medida aprovada está direcionada ao idealizador do mais longevo programa estratégico de pesquisa do Brasil, o Programa Antártico Brasileiro. Criado em 1982, o PROANTAR acolheu projetos relevantes sob orientação e exceção de mais de 3.700 abnegados pesquisadores, muitos dos quais vinculados à FURG. Desde sua concepção, desenvolveram-se estudos e pesquisas significativos, permitindo ao país aspirar a uma estatura geopolítica elevada e reafirmar seu status de membro consultivo do Tratado da Antártica.

‘Por derradeiro, insisto em apresentar os protestos de indignação da Marinha do Brasil com a cassação do título. Torna-se arrevesado compreender as razões de renomada instituição, imbuída de vasta experiência em estudo do mar, ignorar contribuições de um homem honrado, progressista e com vida dedicada ao Brasil e ao povo brasileiro’.

Divergências na acusação da FURG

Segundo matéria da gauchazh, de 2014, ‘Há versões opostas sobre se os prisioneiros foram torturados dentro do Canopus na cidade portuária, que não teria celas nem equipamentos de suplício. O jornalista e escritor Willy César Ferreira, que pesquisou o episódio para um livro, não encontrou registros de violências e agressões. Observa que os tripulantes eram militares e cientistas, e não interrogadores treinados para arrancar confissões por meio de métodos cruéis’.

– As pessoas foram bem tratadas, dentro do possível. Ninguém lá era torturador – afirma.

‘A utilização do Canopus como prisão móvel foi um dos tantos erros da ditadura. Willy César destaca que o navio “foi demonizado” por ser envolvido na repressão. Não era uma nave de combate ou defesa, somente de pesquisas, para coletar dados do litoral e sinalizar hidrovias’.

‘A função do Canopus era isolar autoridades e intelectuais suspeitos de conspiração’, informa a gauchazh. ‘O vereador Nando Ribeiro diz que não queriam misturá-los com os demais prisioneiros comuns, detidos em terra, porque teriam influência sobre eles’.

O texto ainda recupera as palavras de um dos ‘prisioneiros’, o ferroviário Miguel Gomes, na época vice-presidente do PTB de Rio Grande. Ele narrou o episódio:

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– Nos levaram numa lancha para o Canopus. Estivemos 30 e poucos dias lá. Daí nos trouxeram para o quartel da Brigada, porque esse navio tinha que zarpar para o Rio de Janeiro.

Em outras palavras, não há sequer a certeza de que houve torturas a bordo, pelo menos não nas memórias do vice-presidente do partido mais antagônico aos militares, o PTB de Jango Goulart.

Carta dos filhos do Almirante ao reitor da FURG

Ao pesquisarmos sobre o assunto demos com um número do Jornal do Brasil, de 20 de março de 1984 sobre a exoneração de Maximiano do cargo de Ministro da Marinha.

Em notícia na primeira página, sob o título ‘Maximiano diverge e Karan assume’, o texto diz que ‘o Almirante Maximiano demitiu-se por divergências consideradas incontornáveis com o Palácio do Planalto. Era visto pelo presidente João Figueiredo, que o teria advertido duas vezes, como tolerante em relação às manifestações públicas pelas diretas. O Almirante Karan é seu substituto’.

Por fim, o jornal O Litorâneo publicou carta dos filhos de Maximiano, Carlos Eduardo, Luiz Fernando e Márcia Plamer Fonseca, ao reitor da FURG, Danilo Giroldo.

Depois de acusarem a universidade de ‘oportunismo político’, recomendam ‘a leitura da edição de 23/03/1993 do jornal AGORA onde ficaram registrados os agradecimentos daqueles que em 1964 permaneceram presos a bordo do navio Hidrográfico Canopus, ao então Comandante Maximiano da Fonseca, pelo tratamento a eles dispensado’.

Procuramos, mas não encontramos esta edição. Seja como for, a pergunta que fica é, qual o motivo de, 60 anos depois do episódio e 26 depois da morte do ‘cancelado’, a FURG decidir-se pela controversa decisão?

Além de parecer injusta, a atitude revanchista apequena a FURG que copia um modismo que não merece mais que desprezo e, ainda por cima, sem dar chance de defesa para o personagem ‘acusado’ cujo currículo, até então, era irrepreensível.

É triste perceber que parte da comunidade acadêmica sucumbiu ‘à legião de imbecis que domina a internet’.

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