Eleições municipais no litoral em 2024: é hora da reação
Em 2024 acontecerão as eleições municipais no litoral e em todo o País. Talvez esta seja a derradeira oportunidade de salvar o que resta do litoral de São Paulo. Fazia tempo que não me impressionava com os estragos na paisagem, na biodiversidade, e qualidade de vida dos municípios costeiros. E por quê? Porque neste 2023 retomei as gravações de programas para o canal do Mar Sem Fim no YouTube. Para tanto, mais uma vez visitei atentamente a zona costeira paulista. O que vi e registrei está, aos poucos, sendo programado no canal. Mas a impressão que ficou é de terra arrasada. Paisagens desfiguradas, qualidade de vida descendo a ladeira, ecossistemas como manguezais, restingas, praias, e até costões, degradados. É hora de nos juntarmos e reagirmos!
Por que não participar mais ativamente das eleições?
Triste pela situação, e indignado pela inação das prefeituras e excesso de corrupção, ocorreu-me que, ou nos unimos agora, ou não sei se teremos outra oportunidade.
Não acredito que os municípios mais visados pela especulação imobiliária, muitas vezes comandada pelos próprios prefeitos, aguentem mais quatro anos de abusos. Como municípios ‘mais visados’, entendam-se as estâncias balneárias.
Simultaneamente, percebi um grande desalento e revolta dos próprios moradores, como nunca antes havia sentido. Caiçaras, há anos desprezados pelos prefeitos, reclamaram quase que unanimemente. E não se acanharam em usar palavras e expressões fortes para descrever o abandono em que vivem suas cidades, e a queda na qualidade de vida.
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Durante as gravações, conversei e entrevistei dezenas destas pessoas. Assim percebi um desalento geral. Foi então que me ocorreu iniciar uma campanha, um chamamento àqueles que gostam e ainda pretendem continuar frequentando a zona costeira: Por que não nos unirmos, e participarmos mais ativamente das próximas eleições?
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Ilhabela, Ubatuba, São Sebastião, Caraguatatuba, e Ilha Comprida
Estes não são os únicos municípios costeiros maltratados, mas acredito que estejam entre os piores, justamente por serem os mais visados pelo flagelo da especulação. Além disso, nesta nova temporada de documentários, foram neles que estive por mais tempo.
Que horror! Como foi possível tanta destruição em pouco mais de 60 anos! Se você, leitor, tiver a mesma idade que eu, em torno dos 65 anos, então deve se lembrar da formosura destas paisagens quando éramos crianças.
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Eu, por exemplo, comecei a frequentá-lo aos 12 anos de idade, em 1967. Naquela época, o litoral entre São Paulo e Rio de Janeiro era praticamente prístino. Meu pai era um pescador apaixonado. Ele tinha um barco em que navegávamos de Santos ao Rio todos os anos.
Com exceção de uma dúzia de construções em São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba, todo o resto era formado por uma pujante mata atlântica, com vistosas restingas e manguezais. As praias, quase a totalidade, desocupadas, ou ocupadas apenas por caiçaras que souberam manter intatas a paisagem e os ecossistemas.
Então, começou o processo de ocupação pela gente das grandes cidades, ou seja, o modelo das casas de segunda residência. Imediatamente, os espertalhões perceberam que se iniciava a valorização dos terrenos à beira-mar.
Sorrateiramente, instalou-se o ciclo da especulação imobiliária
Sorrateiramente, instalou-se o ciclo da especulação imobiliária que não parou até hoje. Os donos do pedaço, os caiçaras, foram tapeados por promessas mentirosas e venderam suas posses a preço de banana. Muitos dos que se opunham foram expulsos à força bruta. Outros, com sua singela ingenuidade, foram induzidos ao escambo, trocando as posses centenárias por objetos sem uso para eles, como um rádio a válvula, ou seja, elétrico, quando ainda não havia eletricidade em São Sebastião, por exemplo.
Assim contou-me o caiçara Carlão, de São Sebastião, em entrevista que em breve irá ao ar. Até hoje Carlão guarda o modelo a válvulas que seu avô trocou pela posse que mantinha.
E, a cada vez que isso acontecia, os guardiões do litoral por 450 anos eram empurrados para trás, para o ‘sertão’ das praias que por séculos ocuparam. Ao mesmo tempo em que perdiam o acesso ao mar, perdiam, de maneira idêntica, sua dignidade amontoando-se no exíguo espaço que sobra da estreita planície costeira.
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As casas ‘pé-na-areia’
Assim surgiram as primeiras casas pé-na-areia, este equívoco dos tristes trópicos. E, aos poucos, a paisagem começou a mudar. Praias, de acordo com a lei, são espaços públicos. Ninguém tem o direito de construir sobre elas.
E, como qualquer biólogo pode informar, ‘Apesar de parecerem desertas de vida, as praias arenosas na verdade são uma intrincada conexão entre o ecossistema marinho e o terrestre. Assim, merecem ser estudadas e conservadas. Como medidas de conservação destes ambientes, é importante: evitar construções próximas, despejo de esgoto, iluminação noturna e também o tráfego de veículos (do site bióicos.org.br).
Em outras palavras, ao ocuparmos as praias como estamos fazendo contribuímos ainda mais para a decadência da biodiversidade marinha. Contudo, pior que isso, colaboramos para o acirramento da natural erosão costeira. Por quê?
O equilíbrio dinâmico das praias
Porque praias estão assentadas sobre o que os especialistas chamam de equilíbrio dinâmico. Ou seja, praias se mexem, e assim devem permanecer se quisermos conservá-las. Este espaço de transição entre o mar e a terra é extremamente frágil, formado por bilhões de grãos de areia, e fustigado por ventos, correntes, ressacas e, agora, pelos eventos extremos como o que soterrou 65 pessoas em São Sebastião. Por isso as praias se mexem.
Ao construir na areia, ou muito próximo dela, quebra-se este encanto. Ou seja, impede-se o equilíbrio dinâmico que faz com que partes da praia, tragadas naturalmente de tempos em tempos, sejam repostas pelas das dunas, ou as areias anteriores às da praia, ou até mesmo por sedimentos dos rios que deságuam no mar e que, depois, as ondas os levam novamente à orla.
Desse modo, o embate antes equilibrado entre mar e terra passou a ser desequilibrado. Como consequência, aumentou a natural erosão da costa.
Entretanto, como somos egoístas, não construímos apenas nas praias ou próximo demais delas. Todo mundo quer vista para o mar. Assim, aos poucos, topos e encostas de morros foram ocupados a despeito da proteção da mata atlântica. O mesmo acontece com muitos costões.
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Verticalização e corte de ecossistemas adjacentes
Uma vez esgotados estes espaços, começam os processos de verticalização, ao mesmo tempo em que os ecossistemas adjacentes, todos protegidos pela legislação ambiental, passam a ser decepados pelas prefeituras e empreendedores inconsequentes para mais construções: assim grande parte dos manguezais e restingas do litoral desapareceram.
É mais um baque tremendo para o litoral. Restingas e manguezais têm importantes funções ecossistêmicas. A perda deles significa mais decadência no litoral.
Ocupação maciça com infraestrutura mínima
E, enquanto prossegue esta ocupação maciça, a infraestrutura segue mínima, deficiente. Nas férias e feriados, os serviços públicos entram em colapso. O lixo passa a dominar o que sobrou da paisagem.
Rios tornam-se esgotos a céu aberto, o deslocamento de pessoas dentro de um mesmo município, um suplício. Às vezes, para percorrer 4 ou 5 quilômetros demora-se horas. Se alguém precisa um médico com urgência, corre o risco de morrer por não conseguir chegar.
É neste inferno, cercado de concreto armado, que estamos transformando o litoral.
Corrupção de prefeitos e empresários
Para encerrar, tudo isso acontece, se não com a ação de muitos dos prefeitos, ao menos com o beneplácito deles. Já mostramos neste espaço a corrupção da ex-prefeita de Ubatuba, Flávia Pascoal (PL), finalmente cassada este ano.
As fichas processuais dos irresponsáveis
Não vamos aqui mais uma vez mostrar a ficha processual de cada um destes irresponsáveis. Se por ventura você ainda não as conhece, basta clicar no nome deles: Antônio Colucci (PL), Ilhabela; Flávia Pascoal (PL), Ubatuba; Felipe Augusto (PSDB), o omisso de São Sebastião e corresponsável pelo soterramento de 65 munícipes no carnaval deste ano; Aguilar Júnior (MDB), Caraguatatuba; e Geraldino Junior (PSDB), Ilha Comprida.
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Contudo, é preciso reforçar alguns dados biográficos. Se juntarmos os processos judiciais em que apenas dois deles são citados, Antônio Colucci (PL), e Aguilar Júnior (MDB), a soma atinge nada menos que 398 processos!
Entre outros, por Crimes de Responsabilidade, Violação aos Princípios Administrativos, Direito Ambiental, Crimes de Responsabilidade, Indenização por Dano Moral, Enriquecimento Ilícito, Nepotismo, Dano ao Erário e outros.
Alguns fatos, números, e previsões sombrias
Você sabia que Ilhabela é o município que mais recebe royalties de petróleo? Só em 2022, foram R$ 700 milhões de reais. Apesar desta fortuna, a educação é péssima, o saneamento pífio, e o tratamento aos mais pobres, indigno, como demonstram as fotos do Alto da Barra.
- Ilhabela tem 12 mil automóveis só na ilha. Nas férias e feriadões este número decuplica. Congestionamentos infernais tornam-se rotina, e tome gás carbônico na atmosfera e óleo no mar. Mesmo assim, não há sequer planos para restringir a entrada de veículos.
- Diariamente, 350 caminhões atravessam o canal para levar mercadorias para o comércio, combustível para os postos, e material de construção para obras inúteis, muitas vezes superfaturadas, e sem passarem por licenciamento ambiental.
Balsas velhas e descuidadas
- As balsas, velhas e descuidadas, não aguentam o tranco. Parte da frota está constantemente em reformas, o que torna a travessia um teste de paciência mesmo em dias comuns.
- A mesma invasão automotiva acontece nos outros municípios, tornando a locomoção de moradores ou turistas um suplício digno do trânsito da capital.
- As obras civis em todo o litoral atraem hordas de desempregados à procura de trabalho que se somam aos moradores e turistas, provocando um superadensamento desordenado e insustentável.
- Os mais pobres são imediatamente jogados nas periferias do litoral que, aos poucos, se tornam favelas. Como não há controle do Executivo, cria-se um vácuo de poder.
- Esta ausência abre as portas para a entrada de células do PCC e Comando Vermelho que ameaçam assumir o poder, como fizeram no Estado do Rio de Janeiro. Em breve estarão cobrando proteção aos comerciantes, vendendo produtos acima do preço, traficando drogas e financiando vereadores tal qual na ex-capital federal.
- Alguns inconsequentes ainda trabalham para que nas férias de verão os famigerados navios de passageiros ancorem em Ilhabela, por exemplo, poluindo o mar e a atmosfera, e desembarcando milhares de turistas de um dia que superlotam a cidade, deixam um rastro de lixo por onde passam, e gastam o equivalente a um pedaço de pizza.
- E tudo isto, em conjunto, incha ainda mais as cidades sem infraestrutura. No próximo verão, se houver eventos extremos como os passados, mais mortes acontecerão. As cicatrizes da Serra do Mar estão abertas até hoje. Mostraremos isso em novos programas. E não haverá tempo de fechá-las antes do período, antecipando que novas catástrofes estão a caminho.
Vai barracão/Pendurado no morro/E pedindo socorro/A cidade a teus pés
Desde 1953, Luís Antônio e Oldemar Magalhães, autores do clássico imortalizado por Elizeth Cardoso, denunciam a situação. Não adiantou. A tragédia anunciada, e cantada em verso e prosa, persiste até hoje.
Nenhum dos municípios citados têm planos de moradias populares. Os mais pobres sobrevivem amontoados em casebres pendurados no morro, esquecidos pelos que têm casas pé na areia ou vista para o mar e, sobretudo, pelos alcaides.
É nas mãos destas pessoas e seus aliados que vamos deixar estes municípios continuarem a serem estuprados coletivamente? Ou chegou a hora de finalmente reagirmos? Conhecer os vereadores, ouvi-los e às suas promessas, exigir compromissos e nos engajarmos nas campanhas daqueles que considerarmos honestos e dignos para os dirigirem?
Pense sobre isso. Temos um ano para nos organizar. Está em nossas mãos.