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Corpo do capitão da Expedição de Franklin é encontrado canibalizado

Corpo do capitão da Expedição de Franklin é encontrado canibalizado

O Royal Museums Greenwich relata que, por mais de 400 anos, exploradores arriscaram suas vidas em busca de uma passagem noroeste no Ártico, que ligaria o Atlântico ao Pacífico. Essa rota encurtaria a distância entre a Europa e a Ásia em 11 mil quilômetros. O primeiro a tentar foi John Cabot, em 1497, a mando do rei inglês Henrique VII. Mas ele não foi além de chegar na América. O segundo foi o francês Jacques Cartier que, em 1534, reivindicou o Canadá para a França. Dizem os especialistas que o navegador estava atrás da mítica passagem quando deu no Canadá.  Outros exploradores, como James Cook (1776-78), também deixaram sua marca na história náutica mundial; Cook partiu em busca da passagem, mas acabou morrendo no Havaí. James Franklin participou de duas expedições anteriores, antes da terceira e derradeira que ficou conhecida como Expedição Franklin.

Desenho do navio HMS Terror
O H.M.S. Terror, aqui capitaneado por Sir George Back, preso no gelo, 1838/©Royal Geographical Society (com IBG).

E quanto mais difícil, mais prestígio teria o país e seus exploradores se encerrassem o mistério. Assim, por volta do século 19, a maior parte do mundo habitado havia sido descoberta. Poucas manchas permaneceram para exploração pioneira, uma delas, a passagem de Noroeste, finalmente descoberta pelo norueguês Roald Amundsen em 1903. Curiosamente, Amundsen se inspirou em John Franklin, nosso personagem de hoje.

A Expedição de Franklin

Antes, duas palavras sobre a importância daquela rota nas palavras da especialista Julia Duin: ‘A busca pela lendária Passagem do Noroeste – que ligaria os mercados europeus ao Oriente, sobre o Hemisfério Ocidental – atraiu a imaginação dos europeus durante séculos. A partir de meados do século XV, o Império Otomano cobrava pesados impostos sobre as principais rotas comerciais terrestres entre a Europa e a Ásia. A viagem ao redor do Cabo da Boa Esperança era muito longa e guardada pelos portugueses e espanhóis. A busca recaiu para a Marinha Britânica: ela deveria encontrar uma nova rota comercial para ligar a Europa e a Ásia’.

Sir John Franklin por G. R. Lewis.

Em maio de 1845, Franklin partiu em sua terceira e última tentativa de encontrar a passagem, liderando uma expedição composta pelos navios HMS Erebus, comandado por James Fitzjames, e o HMS Terror. O Royal Museums Greenwich destaca que, em comparação com os padrões anteriores, o Erebus e o Terror eram embarcações poderosas e luxuosas, equipadas com sistemas de aquecimento e abundantes fontes de alimentos preservados. No final de julho, um baleeiro avistou os dois navios na Baía de Baffin, aguardando o degelo para iniciar a jornada rumo ao Estreito de Bering.

O mapa mostra o local das ossadas, e a provável rota do. Erebus.

Essa foi a última vez que alguém viu os 129 tripulantes vivos. Depois de dois anos sem receber qualquer comunicação da missão, o Almirantado enviou uma frota de busca, mas não obteve sucesso. Um total de 39 missões foram enviadas ao Ártico, mas somente na década de 1850 surgiram evidências sobre o que aconteceu com os homens. As circunstâncias exatas de suas mortes permanecem um mistério até hoje.

Em 2014 acharam o HMS Erebus, em 2016, o HMS Terror

O Erebus foi descoberto em 2014. Já,  o  Terror, em 2016. Ambos, feitos de arqueólogos subaquáticos da Parks Canada. Estavam a poucos quilômetros da ilha de King William. Alguns inuítes viram membros vivos da expedição, enquanto outros, mais tarde, encontraram seus corpos.

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A descoberta de uma rota pelo norte economizaria tempo e dinheiro, entretanto, só agora com o aquecimento ela começa a ser usada.

Da tradição oral inuíte recolheram-se relatos de canibalismo entre membros da expedição. Eles ainda forneceram informações para grupos liderados por Charles Francis Hall e Frederick Schwatka, que os ajudaram a descobrir pistas cruciais sobre o destino de Franklin. Mais recentemente, informações dos inuítes ajudaram a impulsionar a descoberta dos dois navios.

Como o frio do Ártico contribui para a preservação, ao encontrarem o navio recuperaram vários artefatos. De ferramentas a um serviço de porcelana. Um arqueólogo da Fundação para a Pesquisa do Ártico, Adrian Schimnowski, contou que os investigadores entraram “em várias cabines e encontraram despensas de comida com pratos e latas nas prateleiras. E também duas garrafas de vinho, mesas, prateleiras vazias, gavetas abertas…” Até mesmo a carta deixada pela tripulação relatando os progressos foi encontrada.

A carta deixada pelo Capitão do Erebus, James Fitzjames, em Point Victory, em 1847. E encontrada em 1859, o único pedaço de papel que revelava qualquer coisa sobre o que aconteceu à expedição.

Breve reconstituição da rota de Franklin

O Royal Museums Greenwich faz uma breve reconstituição do trajeto de Franklin. Os dois navios navegaram pelo Canal Wellington antes de virarem para o sul em direção à Ilha Beechey, onde passariam o inverno. Na primavera, os exploradores navegaram para o sul pelo Peel Sound. Contudo, ao chegarem ao ponto mais ao norte da Ilha do Rei William ficaram presos pelo fluxo de gelo no Canal McClintock.

Ilustração do livro From The Frozen Zone and its Explorers, de Alexander Hyde.

Na primavera de 1847, um grupo da expedição viajou através do gelo para Point Victory em terra e depositou um registro escrito de seu progresso. Acredita-se que eles chegaram ao Cabo Herschel na costa sul da ilha, preenchendo a parte inexplorada da Passagem do Noroeste. Sir John Franklin morreu em junho daquele ano.

Ainda presos no gelo, em 1848 o capitão Crozier ordenou o abandono do Erebus e do Terror. Enfraquecidos pela fome e pelo escorbuto, os 105 homens sobreviventes se dirigiram ao sul para o Grande Rio dos Peixes. A maioria morreu em marcha ao longo da costa oeste da Ilha King William.

Ossadas encontradas em 1860

Segundo o Guardian, pesquisadores localizaram o local onde Fitzjames e pelo menos uma dúzia de outros morreram na década de 1860. Eles seguiram histórias contadas pelos inuítes sobre os sobreviventes recorrendo ao canibalismo, notícias que abalaram a Inglaterra vitoriana. Contudo, no final da década de 1990 a antropóloga Anne Keenleyside apoiou esse testemunho ao encontrar marcas consistentes com cortes feitos por humanos em quase um quarto dos ossos.

Douglas Stenton em um memorial perto dos restos mortais de James Fitzjames e outros 12 marinheiros da expedição Franklin. Fotografia: D Stenton.

Mas até recentemente, não havia ideia de quem eram esses indivíduos, além do fato de que eles eram membros da expedição. Em 2013, Stenton e a equipe receberam permissão para remover restos do local, incluindo oito mandíbulas.

Em 2017, após uma grande exposição da expedição Franklin em Greenwich, Stenton e a equipe solicitaram a possíveis parentes que doassem amostras de DNA para seu projeto de bioarqueologia e receberam muitas ofertas. Assim, mais de 170 anos após a partida, os pesquisadores descobriram os restos mortais do capitão do Erebus, James Fitzjames.

James Fitzjames, o capitão do HMS Erebus. Imagem, CC BY-SA 4.0.

Mas não apenas o capitão foi encontrado. Fitzjames é apenas o segundo entre os 105 a ter uma identificação positiva: John Gregory, um engenheiro a bordo do Erebus, foi identificado pela mesma equipe em 2021, após ter DNA extraído de seu crânio, revelou o Guardian. Para os pesquisadores, uma combinação de escorbuto e hipotermia foram as principais causas das mortes que, entretanto, não excluem o canibalismo.

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Descobrindo os ecos do passado com a tecnologia do futuro

O estudo de antigos naufrágios mal está decolando com as novas tecnologias, e já revelou centenas de navios antigos, de naves gregas e romanas, aos restos do Titanic, do Endurance, ou de navios da frota de Vasco da Gama. Esta nova área do conhecimento, a arqueologia submarina,  é extremamente importante para nos ajudar a compreender o passado, ligar-nos ao nosso patrimônio cultural e ensinar-nos lições sobre a forma como o ambiente e o erro humano  podem se afetar mutuamente.

Com descobertas como esta,  páginas ainda não encerradas da história náutica mundial ganharão nova redação, ajudando nossa compreensão da história da humanidade. Na temporada de 2020, apenas nestes dois navios, pesquisadores encontraram cerca de 350 objetos que vão de roupas a instrumentos, passando por comida e equipamento para neve.

Para Claire Warrior, curadora do Royal Museums Greenwich, a perda da expedição British Naval Northwest Passage de 1845 foi devastadora: 129 homens zarparam em uma expedição para finalmente traçar uma Passagem do Noroeste no topo do continente norte-americano, mas nenhum deles retornou.

‘Uma sombra sobre a exploração britânica do Ártico’

O choque da morte lançou uma sombra sobre a exploração britânica do Ártico, e o desaparecimento da expedição desferiu um golpe significativo nas ideias vitorianas de superioridade tecnológica e progresso inexorável. Enquanto pesquisadores tentavam descobrir o que havia acontecido com os homens, as vozes dos inuítes foram descartadas e eles difamados, e sua experiência muitas vezes ignorada – até que, como se viu, eles estavam certos sobre o destino da expedição o tempo todo.

Para Douglas Stenton, antropólogo da Universidade de Waterloo, coautor do estudo publicado no Journal of Archaeological Science: Reports, ‘os restos mortais de Fitzjames fornecem insights sombrios sobre a luta desesperada da tripulação pela sobrevivência. Marcas cortadas em sua mandíbula, consistentes com o abate de carne, confirmam que o canibalismo ocorreu enquanto os sobreviventes lutavam para se manter vivos. Nem o posto nem o status eram o princípio governante nos últimos dias desesperados da expedição, enquanto se esforçavam para se salvar. As marcas sugerem que Fitzjames havia morrido antes de outros marinheiros que, em suas terríveis circunstâncias, recorreram ao canibalismo’.

Assista ao vídeo da Parks Canada e saiba mais

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