Caraguatatuba e o Plano Diretor depois da tragédia no carnaval
Para quem não acompanhou, saiba que Caraguatatuba estava discutindo o novo Plano Diretor, enviado à Câmara pelo Prefeito Aguilar Júnior (MDB), antes da tragédia recente. Como sempre, a população discutiria as alterações em duas audiências públicas. A primeira, antes do carnaval; a segunda e definitiva, em 15 de março. Antes de mais nada, comentamos o PD em Caraguatatuba, novo Plano Diretor é um escárnio. O título mostra como o avaliamos. O plano é o sonho da especulação imobiliária. A população reagiu. Um abaixo-assinado contrário já registrou 28 mil assinaturas até a data em que escrevo este post. Enquanto isso, 170 entidades, entre elas o Instituto Educa Brasil – participa como Litisconsorte –, que defendem a integridade ambiental da região se aliaram e encomendaram um Estudo Ambiental detalhado, demonstrando os perigos embutidos no PD de Aguilar Junior. Pela proximidade da última audiência, voltamos ao tema, Caraguatatuba e o Plano Diretor.
As mudanças mais perigosas do PD de Aguilar Junior (MDB)
Antes de comentá-las, é imperativo mostrar quem é o prefeito. Em primeiro lugar, saiba que o alcaide anterior era o pai de Aguilar Junior. Só isso já dá a dica que o município é feudo da família. Sinal amarelo.
Em segundo, a prefeitura não apresentou estudos de impacto ambiental sobre as mudanças pretendidas no novo PD. Sinal vermelho. Estudo de impacto ambiental é obrigatório. Terceiro ponto, em nenhum momento os problemas do aquecimento global, em especial o efeito devastador dos Eventos Extremos, foram mencionados.
Isso demonstra que Aguilar Júnior (MDB) não difere da maioria dos gestores políticos brasileiros. Apesar dos avisos da academia, do tema ocupar as manchetes dos jornais, do mundo estar de ponta cabeça por eventos extremos, do imenso prejuízo aos cofres públicos de todas as nações que ora são varridas por tempestades inimagináveis, ora têm seus rios secos como na Europa, o novo PD de Caraguatatuba esqueceu-se de mencionar o fenômeno. Em outras palavras, e sendo claro, Aguilar Júnior é mais um que se aliou aos especuladores de plantão e sugere liberar a construção em encostas de morros, ocupar ZPPs, Zonas de Proteção Permanente e outras sandices.
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Antes de prosseguirmos, mais um detalhe importante. Pesquisando “Aguilar Júnior” na internet, descobrimos que o prefeito tem 173 processos nos Diários Oficiais. A maioria é do TJSP, seguido por TREU, como mostra o site Jusbrasil.
É normal que um político sofra processos. É certo também que o prefeito não foi condenado em todos, muito menos tivemos tempo de pesquisar um a um. Entretanto, é anormal ter 173 processos, alguns por improbidade, outros por dispensa de licitação, ou por criação de lei para aumentar os subsídios para prefeito, vice, e secretários, (este projeto de Aguilar Júnior foi considerado inconstitucional).
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Entretanto, encontramos um que merece divulgação. Seu Nº de registro é 2019.0001062213. Segundo o Jusbrasil, “Trata-se de Procedimento Investigatório Criminal instaurado para apurar suposto crime praticado pelo Prefeito Municipal de Caraguatatuba, José Pereira de Aguilar Junior , consistente, em tese, na locação de veículos de forma desnecessária pela prefeitura, notadamente porque estaria ocorrendo favorecimento de empresa ligada a Wilson Gobetti, amigo do prefeito.”
Corrupção? Sim, um festival. Particularmente, considero que Aguilar Júnior deveria sofrer o mesmo que a prefeita de Ubatuba, ou seja, abertura de um processo de impeachment. As dezenas de maracutaias do prefeito igualmente foram comentados no post anterior.
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Analisei o novo PD em Litoral de Caraguatatuba e o Plano Diretor. Do mesmo modo, ouvi diversas fontes presentes na primeira audiência. Entre eles, especialistas em ocupação e uso de solo, gente ligada aos movimentos ambientais, políticos, etc.
Moradores de São Paulo, Santos, Caraguatatuba, e até mesmo, de outros municípios do litoral norte. Assim, ouvindo especialistas diversos, pude tirar dúvidas e reforçar conclusões. Posto, isto, vamos em frente.
Temos que preparar o público para a próxima e definitiva reunião, em 15 de março. Contudo, quando a gente percebe que diante do cenário de mudanças climáticas, uma cidade com o histórico de Caraguatatuba negligenciou o tema, e sequer considerou os mapas de suscetibilidade a deslizamentos e inundações para revisar seu Plano Diretor, consideramos irresponsáveis, e até criminosos, os que aprovarem um plano que promove e incentiva a ocupação de áreas suscetíveis a risco.
Uma audiência que ficará para a história de Caraguatatuba
Assisti no Youtube, com muita calma, a Audiência Pública do Plano Diretor de Caraguatatuba de 08 de fevereiro. Para mim é fundamental ouvir a posição de cada secretário, de cada vereador, de forma detalhada e nominal, para entender os fatos, suas conexões, e acompanhar a evolução até a segunda audiência, as emendas e respostas prometidas, e depois a esperada votação para aprovação do Plano Diretor.
Antes de mais nada, a participação da população foi brilhante e exemplar, representando todos os segmentos da sociedade. Estavam lá professores, doutorandos em análise de riscos climáticos, engenheiros, arquitetos, donos de comércio de pequeno e grande porte, empresários, associações de bairros, gestores ambientais, representantes do CONSEMA (Conselho Estadual de Meio Ambiente), representante do ZEE-GERCO (Zoneamento Ecológico-Econômico e Gerenciamento Costeiro), representante da deputada estadual Maria Helou da Rede Sutentabilidade, entidades da Sociedade Civil e diversos munícipes preocupados com o futuro da cidade.
Nessa audiência, ficou evidente que a sociedade civil de Caraguatatuba está fazendo o trabalho que os gestores da prefeitura não fizeram para gerar um Plano Diretor correto em seus princípios, valores e objetivos. A sociedade almeja um plano que possa servir como um guia para o desenvolvimento sustentável do município, frente aos desafios da sociedade e do meio ambiente.
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“Construindo Cidades Resilientes 2030”
Um parêntesis é necessário para situar o leitor. É preciso lembrar que, em junho de 2022, a Organização das Nações Unidas promoveu na Polônia o Fórum Urbano Mundial para a reconstrução das cidades.
Por quê?
Justamente pela preocupação com as mudanças de clima, e o aumento de frequência e intensidade dos eventos extremos, como o que tanta desgraça trouxe para o litoral norte durante o carnaval. Segundo a “Agência Agência ONU-Habitat, este é um momento crítico para o desenvolvimento urbano e a reunião levará um apelo para que os participantes dobrem os esforços para enfrentar os desafios apresentados às cidades por conflitos, pandemia e emergência climática.”
“Para a subsecretária-geral da ONU e diretora executiva da agência Maimunah Mohd Sharif, embora a realidade atual seja muito desafiadora, devemos manter nosso foco e dobrar nossos esforços no desenvolvimento sustentável”.
O Estado de São Paulo levou a sério a sugestão. Assim, o site do governo tratou de explicar O que são Cidades Resilientes: ‘“Capacidade de um sistema, comunidade ou sociedade exposto a riscos de resistir, absorver, adaptar-se e recuperar-se dos efeitos de um perigo de maneira tempestiva e eficiente, através, por exemplo, da preservação e restauração de suas estruturas básicas e funções essenciais.”
Em seguida, elenca diversas sugestões. Vale a leitura.
A oportunidade de ‘ouro’ de Caraguatatuba
Por uma série de questões, Caraguatatuba foi o município menos atingido no carnaval. Sorte grande. A chuvarada teve intensidade bem menor que em São Sebastião. Consequentemente, os estragos foram mínimos se comparados aos demais.
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Com isso, e pelo fato do Plano Diretor estar em discussão neste momento, Caraguatatuba tem uma oportunidade de ouro: ser a primeira Cidade Resiliente do litoral norte.
Além da participação expressiva da população, e especialistas na primeira audiência, o Coletivo Caraguatatuba promove em 10 de março o seminário ‘Revisão do Plano Diretor’, cujo tema são as mudanças climáticas e cidades resilientes.
Veja a qualidade dos palestrantes. Estarão lá o presidente do Instituto Educa Brasil, notável pelos serviços prestados, Pedro Rego; Marivane Turi, Professora Doutora em Ciências e tecnologia ambiental; Danielle de Carvalho, bióloga e mestra em biodiversidade de ambientes costeiros; Renata de Andrade, Doutora e pós doutora em Energia e Recursos naturais; e finalmente e não menos importante, Gilda Nunes, Conselheira do Instituto Ilhabela Sustentável, conselheira do CONSEMA, e ex-presidente do Conselho de meio ambiente de Ilhabela. Em outras palavras, o Dream Team.
Mais uma vez, está na mão dos vereadores de Caraguatatuba esta rara oportunidade. Não agarrá-la, significa dar um tiro no pé. Ou mesmo dois tiros, um em cada, dada a qualidade dos envolvidos.
Poder executivo apresenta Plano Diretor pobre, que priorizou pedidos de proprietários e empresários da construção
O PD, apresentado pelo diretor de Meio Ambiente, Ronaldo Cheberle, foi um compilado de solicitações de proprietários e empresários do ramo imobiliário, sem a avaliação de aspectos legais, impactos urbanísticos e ambientais. Quando questionado pelos vereadores, Ronaldo Cheberle “lavou as mãos.” Disse que acatou os interesses legítimos desses proprietários, além disso para ele, quem deve julgar a viabilidade e sua legalidade é o legislativo.
Enquanto isso, muitos vereadores demonstraram que mal conheciam o plano. Utilizaram o tempo da audiência para fazer perguntas de entendimento. Alguns, como o Sr. Celso Pereira, Fernando Cuiu e o próprio Presidente do Legislativo (Irmão do Prefeito Aguilar Júnior – MDB) foram aplaudidos quando classificaram como absurdas diversas das propostas assinadas pelo Sr. Cheberle como, por exemplo, construir prédio na faixa de areia da Massaguaçu, propor urbanizar a Mata Atlântica preservada da Tabatinga e Mococa, ocupar o topo do Morro Alto, etc
Reforço: O irmão do prefeito, Senhor Tato Aguilar que é presidente da Câmara dos Vereadores, classificou como ‘absurdas’ diversas das propostas.
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Aproveito para explicar que construir seja o que for na faixa de areia demonstra a ignorância. Ali (nas praias), reina o que os acadêmicos chamam equilíbrio dinâmico, cujos elementos atuantes são forças naturais como ventos, correntes, as ondas e as marés. Enquanto eles agem livremente, as ‘praias se mexem’, mudam em certas ocasiões, para voltarem ao lugar natural, em outras.
A ocupação humana dessas regiões ocasiona o rompimento do equilíbrio dinâmico com conseqüências e impactos sempre negativos ao ambiente costeiro e à vida marinha, em outras palavras, acirra a natural erosão na costa. São leis da física que estudantes aprendem na escola. Por isso a legislação ambiental impede a ocupação de praias. Por último, a ocupação deve se dar para além da areia, bem além, mantendo assim o equilíbrio natural.
Associação de Engenheiros e arquitetos reclama por ficar de fora
Mas tem mais. A Associação de Engenheiros e arquitetos protocolou documento e questionou a sua não participação na elaboração do plano. Enquanto isso, o ex-vereador Dadinho, apresentou documentos em que a Comissão de Meio Ambiente pedia sigilo das alterações propostas. Talvez isso explique parcialmente a falta de conhecimento, discussão e transparência do plano.
Avaliando documentos e atas, é muito estranho que o então secretário de Meio Ambiente, Sr. Marcel Giorgete Santos, apontado como membro nato da Comissão de Meio Ambiente pelo prefeito Aguilar, e como tal responsável pelo Plano diretor, NÃO tenha participado das inúmeras reuniões do conselho.
Ao contrário, Giorgete Santos delegou todas elas ao Sr. Ronaldo Cheberle que as presidiu e, no final do processo, assina a proposta do Plano Diretor conjuntamente com a Sra. Tatiana Scian, secretária Adjunta de Meio Ambiente e parente próxima do Sr. Marcel Giorgete.
Esse rito interno na Secretaria de Meio Ambiente para a aprovação das propostas do Plano Diretor, a ilegalidade e falta de transparência das reuniões internas, merecem investigações mais detalhadas pelo próprio Legislativo e sociedade civil.
Pertinentes as contribuições da sociedade e alguns vereadores
Elenco, agora, algumas das boas sugestões: Fazer um PMMA (Plano Municipal da Mata Atlântica) participativo para orientar o desenvolvimento urbano evitando conflitos ambientais.
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Discutir e avaliar o plano previamente com o legislativo, para evitar a perda de tempo durante a audiência, foi outra. Do mesmo modo, incluir um capítulo de mudanças climáticas em função da previsão de intensificação de catástrofes. Ao mesmo tempo, considerar as análises e mapas de risco para evitar a ocupação em áreas de risco à população.(Veja que isso foi recomendado pela sociedade civil antes da recente tragédia)
E, ainda, preservar os remanescentes de Mata Atlântica conservadas como patrimônio ambiental e paisagístico do município. Por último, fazer um levantamento dos espaços remanescentes em áreas já classificadas como Z4 e Z5 que são adequadas a urbanização e adensamento, no lugar de propor ocupar áreas de Mata Atlântica que são Z1 e Z2 ,e Z3, onde o parcelamento de solo não é permitido por lei estadual.
Estas, ao nosso ver, as sugestões mais importantes.
A “batata quente” nas mãos do Legislativo
O modo até aqui utilizado pelo Prefeito Aguilar Júnior (MDB) é totalmente anacrônico, em outras palavras, antigo. Qual seria esta forma ultrapassada?
As do passado, quando as pessoas não se interessavam, não havia mídia social e os políticos faziam o que queriam; os amigos da corte eram beneficiados, não havia imagens de satélites, previsões de catástrofes e preocupação com o meio ambiente. Assim, o nepotismo e a troca de favores garantia as aprovações na Câmara.
Perguntas que o Legislativo deve responder antes de aprovar o plano
- De quem será a responsabilidade civil e criminal por aprovar um Plano Diretor que negligencia legislações vigentes e permite a ocupação de áreas de risco?
- Quem vai arcar com os custos dos projetos dos empresários quando eles forem barrados?
- Quem será responsabilizado pelos prejuízos ambientais decorrentes das aprovações?
- Quem se responsabilizará pelas mortes que ocorrerem pelo fato da Prefeitura permitir construções em áreas de risco?
Contudo, ficou claro na reunião passada, que o Executivo “lavou as mãos.” Disse que não fez juízo de valor, não considerou estudos de risco para aprovar novas áreas (?!) e que cabe aos vereadores aprovarem ou não. Porém, quando questionado, o Sr. Cheberle respondeu que um estudo de risco é caro. Entretanto, não sabia o valor e desconhecia diversos estudos já existentes.
A estranha pressa do Prefeito Aguilar Júnior (MDB)
Encerramos, frisando que o prefeito recebeu o Plano em 8 de fevereiro de 2021. Ato contínuo, o encaminhou para o Legislativo em menos de duas semanas para aprovação em tempo recorde durante a pandemia. Essa mesma pressa aconteceu em São Sebastião em 2021, contudo a sociedade civil não conseguiu barrar a aprovação. Deu no que deu.
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Agora, o Legislativo terá que arregaçar mangas e salvar a revisão do Plano Diretor. O Legislativo de Caraguatatuba será cobrado pelos resultados, especialmente depois da tragédia do carnaval que destruiu partes do litoral norte, provocou milhões em prejuízos aos cofres públicos e, sobretudo, arrasou famílias matando 65 pessoas.
É isso que queremos repetir em Caraguatatuba, ou aproveitar a ‘boa maré’ e tornar-se a primeira ‘Cidade Resiliente’ do litoral norte paulista?
Com a palavra, a Câmara de Vereadores.