Arquipélago do Bailique, AP, erosão e salinização prejudicam ribeirinhos
O Atlântico avança sobre a foz do rio Amazonas provocando a salinização de suas águas, apesar da foz escoar um quinto da água doce do planeta, o que prejudica o dia a dia dos ribeirinhos. O fenômeno ocorria sempre no segundo semestre, mas agora atinge os moradores o ano todo. As comunidades que habitam o arquipélago do Bailique (13 mil habitantes nas oito ilhas), no Amapá, têm dificuldade até para lavar roupas ou louças. Estudo do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa) busca entender o fenômeno (Atualizado em 20/12/2023).
Mar avança e salinização prejudica ribeirinhos
A cada ano a situação fica pior. Em outubro de 2021 a prefeitura de Macapá, onde fica o arquipélago, decretou estado de emergência e passou a entregar água potável e cestas básicas às comunidades. É inacreditável que populações que moram às margens do maior e mais caudaloso rio do planeta precisem que seja decretada emergência para receberem água!
O avanço da salinização pode estar ligado ao aumento global do nível do mar em mais um fruto amargo do aquecimento global. Segundo os moradores, há quatro anos eles vêm percebendo a mudança nas águas que banham as ilhas.
O site Terra ouviu a geóloga Valdenira Ferreira dos Santos, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA): “É preciso lembrar que nós estamos na foz do maior rio do mundo, com uma dinâmica intensa de frente com o oceano. São dois titãs, e quem estiver nesse espaço aqui estará sujeito a essa dinâmica extrema.” Ela diz que há dois fenômenos atingindo o arquipélago, a erosão (erroneamente chamada de terras caídas) e a intrusão salina, e não há como saber precisamente as relações entre ambos.
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Saiba como os 13 mil moradores do Bailique fazem para conseguir água
De acordo com o site www.jornalismoagcom.com (Agência de Comunicação Experimental da Universidade Federal do Amapá) em matéria de Rayane Penha, os moradores têm pequenas caixas d’água, localizadas embaixo do cano de escoamento da calha para recolherem água da chuva. Porém, no período da seca ou quando não chove, Rayane explica:
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“Nos dias em que não chove, a forma dos moradores terem água potável é indo de “catraia” – pequena embarcação motorizada, ou remando em busca de igarapés, braços do Rio Amazonas, onde a água ainda está doce. Nós acompanhamos algumas famílias que saem todos os dias na enchente da maré em busca de água doce.”
“De catraia levamos cerca de 30 a 45 minutos para chegar em um local, onde o rio ainda está doce. Mas algumas famílias vão a remo e demoram muito mais tempo para chegar, como é o caso de Ane do Carmo, que encontramos buscando água.”
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Matança de peixes-boi prossegue na AmazôniaBrasil pega fogo, espanta o mundo, e Lula confessa: ‘não estamos preparados’Vulcões submarinos podem ser a origem da lenda da AtlântidaRayane comenta sobre os outros problemas da salinização. ‘Apesar de novas espécies de peixes de água salgada aparecerem no arquipélago, a quantidade para suprir a população é insuficiente. Conviver com a água salgada tomando conta do Rio Amazonas torna a vivência no arquipélago ainda mais difícil. Para além da necessidade biológica do consumo de água doce, e da mesma para os afazeres cotidianos, as pessoas estão vivendo uma mudança drástica e brusca na forma de viver e de se relacionar com o rio. Não é mais possível utilizar a água para banho, para consumo e não tem peixe suficiente para comer, quem dirá para vender’.
A pororoca que não existe mais no rio Araguari
A pororoca era um fenômeno natural produzido pelo encontro das correntes fluviais com a maré do oceano Atlântico. Rio e mar se confrontavam, criando uma onda que percorria mais de dez quilômetros. Gente de todo o mundo desembarcava no Amapá em busca da onda perfeita.
Vários motivos causaram o assoreamento do Araguari. Entre eles a criação de búfalos que produz valas e canais que drenam o curso d’água, e as hidrelétricas (sempre consideradas ‘energia limpa’, mas que criam enormes problemas).
Há três hidrelétricas no Araguari: a Usina Hidrelétrica Coaracy Nunes, construída em 1976; a Ferreira Gomes, feita em 2014, e Cachoeira Caldeirão, em 2017.
Em função destas alterações o Araguari, que tem 500 quilômetros de extensão, deixou de desaguar no Atlântico desde que sua barra assoreou de vez. Dois canais ligam o Araguari ao Amazonas desaguando em frente ao arquipélago.
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O Araguari é apenas mais um rio que conseguimos matar, assim como inúmeros outros no Brasil.
A parte natural do fenômeno
Geová Alves, presidente da Associação das Comunidades Tradicionais do Bailique e vice-presidente de uma cooperativa local de produtores de açaí, diz à BBC News Brasil que sempre houve salinização na região entre os meses de setembro e novembro.
Nessa época, em que chove menos, as águas do Amazonas costumam baixar, facilitando o avanço da maré. Com o retorno das chuvas, a partir de novembro, o fenômeno perde força, e a água volta a ficar doce. Acontece que, de uns anos para cá, o fenômeno ganhou uma força muito maior.
Em 2021, o site chicoterra.com anunciou em 19 de outubro: ‘A Prefeitura de Macapá enviou até esta terça-feira (19) 13,1 mil fardos de água potável às comunidades do arquipélago do Bailique, que sofrem com o avanço da água salgada do oceano sobre o rio que passa pelo distrito’.
‘Os primeiros embarques da ajuda humanitária começaram após a assinatura do decreto municipal nº 5.540 que declarou situação de emergência no Bailique’.
‘O Amazonas perdeu um aliado’
Em entrevista à BBC News Brasil, Alan Cavalcanti da Cunha, professor de Engenharia Civil da Universidade Federal do Amapá (Unifap) diz que, quando o Araguari deixou de desaguar no mar, o Amazonas perdeu um aliado que o ajudava a manter a água salgada longe da costa.
Elevação da temperatura na região, mais um efeito do aquecimento
Outra possível explicação para o aumento da salinização no arquipélago do Bailique, segundo Cunha, é a elevação das temperaturas na região, outro efeito das mudanças climáticas. O calor mais forte amplia a evaporação, o que por sua vez acelera a circulação de ar e permite que ventos transportem mais sal que estava nos oceanos para o continente.
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Gabriel Araújo, professor e pesquisador da Universidade do Estado do Amapá (Ueap), falou sobre o problema com Rayane Penha, do www.jornalismoagcom.com: “a hipótese mais aceitável é o aumento do nível do mar do Oceano Atlântico. Porém, não há dados confiáveis para essa região [em específico], então não temos como comprovar essa hipótese. A segunda é a mudança na foz do Rio Araguari, mudando a dinâmica do rio fazendo com que o mar entre mais facilmente.
Segundo o portal do governo do Estado (novembro, 2023), ‘o Governo do Amapá vai dar início ao funcionamento da máquina de dessalinização instalada pela Caesa na região, com capacidade diária de produção de 18 mil litros de água potável por dia. A companhia prevê a aquisição de mais 25 máquinas deste tipo para atender toda a população do Bailique’.
Falta energia no arquipélago
Como tudo que é ruim pode piorar, ao pesquisarmos encontramos outro texto de Rayane Penha desta vez em companhia de Juliana Aguilera, no site www.modefica.com.br (março de 2022) que é emblemático sobre o País.”Bailique é o maior colégio eleitoral do Amapá. Geralmente, as eleições majoritárias, tanto para o governo do estado quanto para a prefeitura de Macapá, são definidas a partir dos votos do arquipélago. No entanto, a relação atual do poder público com as comunidades é de total abandono.”
“No Bailique, a implementação do linhão (de energia elétrica ) nunca teve sucesso e ao longo desses anos a comunidade vive no escuro. O único acesso à energia elétrica é de quem pode ter um gerador ou instalar placas solares nas residências…A realidade da fiação dentro do rio, os postes sendo derrubados com os processos de erosão e a ausência de reparos faz com que a população siga desacreditada que um dia Bailique possa ter acesso à energia elétrica. Para eles, a única solução viável seria o retorno dos geradores para as comunidades.”
A ver como o governo pretende ligar o dessalinizador.