Amazônia e queimadas, histeria coletiva
Quis o acaso que eu me encontrasse na Europa -em Portugal- quando explodiu o ‘escândalo’ das queimadas na Amazônia. Imediatamente corri às TVs para me inteirar. Por três ou quatro noites consecutivas, assisti os noticiários da BBC World, da RTP, Rádio e Televisão Portuguesa, e do canal TV5, de notícias francês. Foi um festival de desinformação. Amazônia e queimadas, histeria coletiva; é nosso assunto de hoje.
O que está acontecendo no Brasil?
Esta era ‘a’ pergunta, independente da língua em que era formulada. Como já foi dito, ‘assim como em dezembro há o Natal, em julho e agosto, principalmente, há queimadas no Brasil’. Acontece em todo o mundo no período seco, e até na floresta amazônica úmida. Em Portugal, na Califórnia, e nas ilhas gregas, no período das secas acontecem queimadas. Mas nenhum comentarista se lembrou deste porém nos noticiários que assisti. Mais uma prova dos perigos que rondam o agronegócio brasileiro.
O cacique na Europa
O canal de notícias TV5 chegou ao ápice de desperdiçar intermináveis minutos com imagens do cacique recebido por Macron. O que disse Raoni, só o francês sabe dizer. Mas foi uma exploração que não se via desde que o cantor Sting passeou com o botocudo pela Europa para se promover, já lá se vão muitos anos. Foi a segunda chance que Macron perdeu de ficar calado. A primeira aconteceu durante a cúpula do G-7 quando propôs um regime de ‘internacionalização’ para a Amazônia.
Congo, Angola, floresta boreal e Amazônia
Então recebi um ‘zap’ do Brasil, com trecho do programa ‘Em Pauta’, da GloboNews. Os pingos nos ‘is’ foram colocados por Jorge Pontal, que falava dos Estados Unidos. Perguntado pelo apresentador, ele não se fez de rogado: o jornalista esclareceu que dados divulgados pelo satélite Aqua, da NASA, mostravam que na segunda maior floresta tropical do mundo (saiba quais são as maiores), no Congo, havia até aquele dia, 27 de agosto de 2019, ‘muito mais focos de incêndio que na Amazônia’.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemPirataria moderna, conheça alguns fatos e estatísticasMunicípio de São Sebastião e o crescimento desordenadoFrota de pesca de atum derruba economia de MoçambiqueAngola na liderança
E prosseguiu: “A floresta de Angola lidera as queimadas, com sete mil focos de incêndio. Depois vem a floresta da Bacia do rio Congo, com três mil. Em terceiro a Amazônia, com dois mil focos’. Ufa! Pontual ainda citou a floresta boreal na Sibéria, ‘com área bem maior que a Amazônia’ (é a maior floresta do mundo), e outras no Alasca, ‘que também estão ardendo neste momento’. E concluiu, ‘mas só a Amazônia tem repercussão internacional’. Mesmo sendo uma ex-colônia portuguesa, não ouvi uma palavra na RTP sobre as queimadas em Angola. Não esperava posição diferente da TV5, que ignorou as queimadas africanas, muito maiores que a da Amazônia, conforme atestam os dados da Nasa. Mas estranhei a icônica BBC desafinar no samba do crioulo doido. No mesmo período, sapeei as redes sociais brasileiras, e percebi a mesma histeria coletiva.
‘A maior floresta do mundo, na Sibéria, queima há meses’
“Em julho, Alexander Uss, governador da vasta região siberiana de Krasnoyarsk, disse que era simplesmente “inútil e talvez até prejudicial” tentar combater os incêndios que encobriam sua capital em uma nuvem tóxica de fumaça. Dias depois, o presidente Vladimir Putin enviou o exército, e até Donald Trump tomou conhecimento, oferecendo ao seu colega russo a ajuda dos EUA para combater as chamas. Desde então, o governador Uss reverteu sua posição e está se unindo à luta contra o que o Greenpeace Rússia diz que está a caminho de ser o pior incêndio florestal da Sibéria já registrado”. Assim está escrito no site https://www.bloomberg.com/, de prestígio internacional. Nem por isso, ou pela proposta de ajuda de Trump, o caso foi mencionado nos noticiários que assisti. A Europa parece só querer saber da Amazônia. Mesmo com a floresta siberiana queimando há meses!
PUBLICIDADE
Bolsonaro e cia. e Amazônia e queimadas
O Mar Sem Fim não se cansa e criticar o presidente pelas inúmeras bobagens ambientais que profere dia sim, dia não. E continuaremos a fazê-lo sempre que vier nova carga. Também criticamos seu ministro do Meio Ambiente, que desconhece os assuntos da pasta, e demoniza técnicos do ministério publicamente, como se não houvesse gente da melhor qualidade na pasta. Se fizesse como fiz, e visitasse todas as Unidades de Conservação federais do bioma marinho, conheceria dezenas de técnicos de ótimo nível. Eles seguram estas UCs na ‘unha’, na ‘garra’, porque investimentos nunca tiveram. Não é deste governo que não se investe na pasta de Meio Ambiente. Ela sempre foi o ‘patinho feio’ dos ministérios.
Devagar com o andor
Criticamos o presidente que foi pego de calças curtas pescando em local proibido, e desde então não sossega enquanto não depredar de vez Angra dos Reis, que cismou em transformar numa Cancún da América do Sul. Também não convém esquecer a última afirmação do presidente, nos primeiros dias do ‘escândalo’, quando acusou as ONGs de tocarem fogo na Amazônia. E ainda criticamos ambos, presidente e ministro do MMA, pela exoneração do cientista de renome internacional, Ricardo Galvão, simplesmente porque não gostaram de ver a realidade dos dados do Inpe que mostravam tendência de crescimento do desmatamento da Amazônia em julho. Mais recentemente, alertamos que o discurso ambiental de Bolsonaro preocupa expoentes do agronegócio.
Leia também
COP16, Quadro Global para a Biodiversidade: situação críticaLula agora determina quem tem biodiversidade marinha: GuarapariDragar o Canal do Varadouro: má-fé, insensatez, ou só ignorância?A responsabilidade de Bolsonaro sobre a Amazônia e queimadas
Ao demonizar a academia, as multas do Ibama, e o próprio ministério do Meio Ambiente que queria transformar em apêndice do ministério da Agricultura, Bolsonaro deu um sinal claro aos desmatadores ilegais. A partir de seu governo, o rigor da Lei já não teria tanto rigor. O prejuízo destas declarações é evidente. Esta posição provavelmente contribuiu para o aumento do desmatamento, a ser comprovado no final do ano com os dados do Prodes, do Inpe.
Satélites não mentem
Mas nem por isso embarcamos na canoa furada de condenar, a priori, a administração atual. Queimadas acontecem anualmente. Dados da NASA, e do Inpe, mostram realidade diferente do que se vê nas redes sociais e noticiário europeu. Os dados do Inpe, que circulam na internet, mostram que nos últimos 15 anos há redução das queimadas. Se compararmos 2019 a 2016, um ano tão seco quanto o atual (2017 e 2018 foram anos atípicos), as queimadas não estão acima, mas iguais ou, no máximo, ligeiramente superiores. Devagar com o andor, já dizia o velho ditado. Não há como justificar, até o momento em que este post foi escrito, a histeria coletiva em relação às queimadas deste ano. Pelo menos neste caso, Bolsonaro e cia. não podem ser culpados. Não façamos como sua excelência, que culpa ONGs sem provas. Que não se copie aqui, o péssimo exemplo da cobertura europeia. Um exemplo do que não se deve fazer.
Fontes: GloboNews, Em Pauta; https://www.bloomberg.com/graphics/2019-siberia-russia-wildfires/.