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A Eloquência da Sardinha, um livro imperdível

A Eloquência da Sardinha, um livro imperdível pra quem gosta do mar

Seu autor é o francês Bill François, um jovem físico formado pela École Normale Supérieure de Paris, e doutor em hidrodinâmica. O mais importante, entretanto, é a forma poética de escrita que François parece dominar. É surpreendente que um livro de um cientista contenha tanta informação sobre a vida marinha, muitas inéditas para leigos, contada de modo tão lírico, bem-humorado, instigante. Um dos livros mais prazerosos que já passou por minhas mãos, e repleto de novidades mesmo para quem estuda este ambiente há mais de 30 anos. Normalmente, os livros de cientistas sobre as questões do mar são ‘sisudos’, apesar de reveladores. Já encarei vários, alguns difíceis de terminar. Recomendo abrir a primeira página, de A Eloquência da Sardinha, e seguir se deliciando e aprendendo até o fim. Comigo foi assim. Só parei de ler quando acabei,

‘Histórias Incríveis do mundo submarino’

‘E se escutássemos debaixo d’água? Uma ideia engraçada? No entanto, em seu “mundo de silêncio”, os peixes falam … e eles têm muito a dizer para nós’. Este é um trecho da apresentação do trabalho de François.

Eis outro: ‘Entre ciência e história, mitos e descobertas, essa narrativa é uma imersão onírica de vinte mil léguas sob os mares. Um convite para se maravilhar e respeitar o universo insuspeito das profundezas e espécies que o povoam’.

O subtítulo está entre aspas porque é parte do nome da obra de Bill François: A Eloquência da Sardinha – Histórias incríveis do mundo submarino. A editora é a todavia (2021), e a tradução, de Julia Rosa Simões.

Todos merecem os parabéns, especialmente pelo lançamento no Brasil, tão carente de livros bons sobre os segredos escondidos debaixo d’água. É uma pena que tenha apenas 157 páginas, divididas em 15 curtos capítulos. Mas que capítulos!

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O autor é minimalista,  o essencial está em cada assunto, e sempre exposto de forma poética. Um ensaio delicioso que trará novos adeptos à causa marinha, não tenho dúvidas.

Para o www.lepelerin.com, François é um físico apaixonado pela biologia marinha, que apresenta a fauna do fundo do mar com humor, ciência e poesia em um livro para toda a família.

Um dos capítulos de que mais gostei é…

‘O mundo sem silêncio’

François é um naturalista praticante. Ele vive mergulhando para observar a vida marinha, ouvir os barulhos do mar, ou sentir o cheiro diferente dos diversos locais. Depois, conta pra gente cada uma destas sensações ancoradas em muita erudição, de forma surpreendentemente agradável.

“O mar está cheio de sons, mais ainda do que o ar em que vivemos. O som é uma vibração da matéria. A água, mais densa que o ar, vibra melhor, portanto o transporta melhor. Na água, o som viaja mais longe que a luz, e percorre quilômetros sem se atenuar. Na voz do mar se misturam sons vindos de longe, cujos autores não podemos ver…”

Poluição sonora nos oceanos

Tem quem ache que a poluição sonora no mar seria coisa de ‘ecochatos’. Mas estas pessoas não sabem que uma das hipóteses para o encalhe maciço de baleias é o barulho. Lembre-se que até até o fim do século 19, a nossa ‘produção de barulhos submarinos’ era mínima. De lá para cá, com milhões de lanchas e barcos de pesca passando as redes sem parar, pulsações decorrentes do uso de sonares ou pesquisas sísmicas, extração de petróleo, além do tráfego de cerca de 80 mil navios de carga, e pouco mais de 300 de cruzeiro. Imagine a invasão da cacofonia sonora no espaço marinho.

“Distinguimos longos vibratos de violinos, que se propagam por dezenas de quilômetros: rangidos de motores, ruídos de metal, assobios de hélices. As estradas marinhas, tão barulhentas quanto nossas autoestradas se fazem ouvir de muito mais longe. A passagem de um porta-contêineres faz tanto barulho embaixo d’água quanto a decolagem de um avião, e o tráfego marítimo gera fundo sonoro tão intenso quanto uma rua movimentada.”

O estrago dos sons introduzidos nos oceanos

Entenda, agora, o estrago que estes sons introduzidos causam  nos organismos marinhos onde, segundo Bill François, ‘cada espécie tem sua voz e seu comprimento de onda, como a frequência de uma emissora de rádio dedicada a suas conversas’.

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E esta voz normalmente é usada para disfarçar-se de um predador, avisar seus pares do perigo, mostrar onde há comida, etc, nada é à toa, tudo tem um sentido.

“O xaréu e a perca-sol preferem sons mais agudos e rangem os dentes para cantar melodias guinchantes. O cavalo-marinho toca xilofone coçando o crânio com as cristas ósseas atrás da cabeça, enquanto o bagre estrila fazendo seus ferrões vibrarem…Quando o dia nasce nos recifes de corais mais populosos, o coro dos peixes atinge o nível sonoro de um bar na hora do happy hour. É pouco comparado à corvina do golfo do México, que se reúne em cardumes para abrir caminho e supera os duzentos decibéis (Obs: sirenes de ambulância produzem em média 120 decibéis), ensurdecendo temporariamente os cetáceos dos arredores.”

Sobre as sardinhas que emprestam o nome ao livro

“Antes de enxergar o cardume de sardinhas embaixo d’água, avistamos um simples brilho furtivo tocado por efêmeros raios de sol. Mesmo quando numerosas e muito próximas de nós, as sardinhas sabem se fazer invisíveis. Seu dorso é azul como o mar: ninguém consegue vê-las de cima. Vistas de baixo, seu ventre nacarado desaparece confundindo com a luz do céu. De lado, seus flancos refletores são como espelhos. No azul da água, eles devolvem a cor ambiente, e as sardinhas não são mais que um reflexo azul, uma imagem dos arredores que se funde à paisagem do mar.”

Então, depois de aguçar nossa mente com a descrição perfeita da estratégia das sardinhas, Bill explica os motivos e, mais uma vez, demonstra profundo conhecimento.

“É o stratum argenteum, a camada de pele que fica sob as escamas transparentes de várias espécies de peixes, que lhes confere esta aparência prateada. Essa pele brilhante é muito mais que um simples espelho, ela reflete a luz melhor do que a neve mais perfeita.”

…”Qualquer que seja a direção da luz, ela é perfeitamente refletida por um dos dois tipos de cristais do stratum argenteum”.

A densidade dos cardumes de sardinhas

A aula prossegue com o autor exaltando ‘a densidade de sardinhas de um cardume: cerca de 15 indivíduos por metro cúbico. Comparada a seu tamanho, ela corresponde a uma densidade quatro vezes mais do que a de seres humanos num vagão de metrô na hora do rush’.

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“No entanto, ao contrário do que ocorre no metrô, uma sardinha nunca nada em direção oposta às demais, nunca bate nas vizinhas e nunca provoca filas ou engarrafamentos. Elas mantêm entre si uma distância e uma velocidade respeitosas, sem precisar recorrer à fala.”

Comparar o comportamento de espécies da vida marinha com a de seres humanos, é outra grande sacada de Bill.  Ele faz com que a gente ‘veja’ a cena, e provoca ainda mais admiração.

“Apenas olhando para as vizinhas mais próximas, à escuta das correntes de água geradas pelo avanço do cardume, a sardinha adapta seu nado. As sardinhas dominam a mais perfeita arte da eloquência: com um simples gesto, dizem tudo; com um simples olhar, compreendem tudo. Sem a necessidade de um maestro ou de leis, com uma simples interação entre vizinhas, o cardume inteiro se auto-organiza.”

O bacalhau que descobriu a América

Com seu estilo elegante, Bill narra uma história que já abordamos por aqui mas que nem todos acreditaram. No post Bacalhau, o peixe que mudou o mundo, eu comento outro livro, desta vez de Mark Kurlansky, Bacalhau – A história do peixe que mudou o mundo (Ed. Nova Fronteira).

Depois de enumerar inúmeros fatos interessantes e pitorescos sobre o peixe, Kurlansky expõe a tese de que a América teria sido descoberta pelos bascos, exímios pescadores e navegadores,  que lá chegaram em pequenos barcos seguindo cardumes da espécie.

François dedicou um delicioso capítulo ao bacalhau. Entre inúmeras façanhas do peixe, diz ele:

“O bacalhau sempre viajou junto com a civilização. Em nosso congelador, onde ele encontra seu frio natal, acontece o último ato de sua história de viagens tão antigas quanto a Europa. A história de um peixe que descobriu a América e desencadeou guerras e revoluções”.

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O jovem e talentoso autor em foto de Celine Nieszawer / Éditions Flammarion.

O arenque que quase levou a uma guerra

Tudo começou em 1982, depois do naufrágio de um submarino russo perto de Estocolmo. A Marinha sueca temia uma invasão soviética, no contexto da tensão do fim da Guerra Fria.

No meio da confusão, os ‘orelhas de ouro’ da Marinha sueca, oficiais encarregados de analisar os sons captados por sonares, detectaram um sinal sonoro desconhecido e inexplicável. Um ‘ruído característico’ que tinha a mesma gama de frequência das hélices de motores.

Submarinos suecos foram mobilizados, o Estado-Maior acreditou ter frustrado uma emboscada de submarinos. Os suecos ainda enviaram aviões à procura das belonaves e navios de guerra para esquadrinhar a região por um mês.

Incidente diplomático com União Soviética

A Suécia chegava às vias de um incidente diplomático com União Soviética, que negava a presença de seus submarinos em águas bálticas, conta Bill François.

Em 1994, o governo sueco enviou carta ao presidente russo Boris Iéltsin, censurando-o por ser incapaz de controlar os deslocamentos de suas frotas de submarinos. Finalmente, em 1996, o Exército sueco autorizou cientistas a ouvirem os sons misteriosos, classificados como ‘segredo de estado’.

Os cientistas, explica François, inocentaram os submarinos russos e identificaram os culpados: um cardume de arenques.

E ainda há histórias saborosas sobre como nasceram os mitos marinhos, com lendas que vão do período de apogeu da Grécia antiga, até o folclore brasileiro. Ou o caso do filipino que ficou rico depois que uma tempestade, em 2000, levou à praia uma ostra tridacna, as maiores do mundo cujo habitat são os corais da região.

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‘O humilde pescador, ao recolher a âncora de seu barco ficou surpreso ao ver agarrada no cabo uma enorme tridacna que continha uma imensa massa nacarada. O pescador guardava a pérola debaixo da cama acreditando que lhe trazia sorte. Ao fim de dez anos, conta François, o filipino precisou se mudar e sua tia, que trabalhava na cidade, descobriu a pérola e sugeriu que o sobrinho mandasse avaliar. A história não conta se o dinheiro traz felicidade. Mas o pescador filipino se viu proprietário da maior pérola do mundo, pesando 34 quilos e com valor estimado em 20 milhões de euros’.

Mais uma pitada do livro

O autor comenta sobre a história do atum azul, ou atum rabilho, que alimentou as legiões romanas. Estes peixes foram pintados em cavernas perto da Sicília, datadas de cerca de 9200 anos a.C, e cunhados em moedas fenícias do século II a.C. Contudo, hoje estão ameaçados de extinção em razão do sushi ter ‘entrado na moda mundial’.

Noutro momento ele investiga nosso passado remoto, de onde resgata histórias que parecem fantasias, como a das rêmoras, o peixe-ventosa que costuma viajar de carona grudado em peixes grandes, com que os aborígenes da Austrália, há 40 mil anos, usavam presas na ponta de um cordão para com elas pescar tartarugas, tubarões e outros peixes grandes.

Bill François discorre sobre as variadas interações entre o ser humano e peixes e aborda, entre outros, os botos de Laguna (SC) que ajudam os pescadores nativos.

Como seria o fundo do mar há 10 mil anos antes do primeiríssimo mergulhador vislumbrá-lo? E o que dizer dos peixes que conheceu nos subterrâneos de Paris? E de repente, volta o Brasil. Bill explica porque o peixe cascudo-zebra, ‘um adorável peixinho preto e branco’ foi extinto pela construção da barragem de Belo Monte, no Pará. ‘Cada vez que uma lâmpada é acesa, o peixe cascudo-zebra, ‘um adorável peixinho preto e branco’, se apaga’.

Por fim, para nós leigos, Bill deixa evidente a necessidade da manutenção,  indispensável, da interligação de todas as ‘peças’ do imenso quebra-cabeça marinho, ou dos múltiplos ecossistemas animais e vegetais, por que tudo, absolutamente tudo depende do funcionamento desta fantástica cadeia de vida. Vale cada página.

Bill François está  em São Paulo onde fará palestra em 7/6, às 16hs, no Instituto Oceanográfico da USP

Finalmente, a boa nova: o autor Bill François está em São Paulo. Ele fará uma palestra aberta ao púbico, dia 7 de junho, às 16hs, no IO-USP. Compareça!

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A foto de abertura é do www.sevenseasmedia.org

Como o título menciona sardinhas, e o autor comenta o comportamento em cardumes, assista, você vai gostar

Sardine Run / Moalboal from OceanReality on Vimeo.

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