442 tartarugas marinhas morrem no litoral do Paraná em 6 meses
Entre outubro do ano passado e 15 de março deste ano, revela um estudo do Laboratório de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (LEC/UFPR), 452 tartarugas marinhas encalharam entre os litorais sul do Rio de Janeiro, e norte do Paraná. Deste total, 442 animais morreram. É mais que espantoso, é assustador. E pior, o número anual de mortes está em crescimento, como se verá mais adiante. As espécies afetadas são a tartaruga-verde, a tartaruga-oliva e principalmente a tartaruga-cabeçuda — que está na Lista de Espécies Ameaçadas do Brasil. A cabeçuda representou 241 dos 452 casos desde outubro. Segundo o laboratório, os encalhes podem estar ligados a impactos humanos, como a poluição marinha, redes de pesca e degradação no habitat. Para a bióloga e coordenadora do PMP-BS/LEC-UFPR, Dra. Camila Domit, os encalhes de tartarugas-cabeçudas têm uma relação direta com as atividades humanas.

Faltam políticas públicas efetivas entre outros problemas
Camila Domit explicou os motivos que levaram à aniquilação de tantos animais. “A interação humana com o ambiente marinho, como a captura acidental em atividades pesqueiras e o descarte inadequado de resíduos, somada aos efeitos das mudanças climáticas, têm contribuído para o aumento dos encalhes de tartarugas-marinhas. Desse modo, é essencial comunicar os resultados a toda a sociedade e incentivar práticas mais sustentáveis, como o uso de tecnologias que minimizem a captura acidental bem como a redução da poluição marinha. Além disso, a conservação dos habitats costeiros e a implementação de políticas públicas efetivas são passos fundamentais para reverter esse cenário e garantir a sobrevivência dessas espécies ameaçadas.”
‘Conservação marinha não é apenas uma questão ecológica’
Segundo Camila Domit, ‘a conservação marinha não é apenas uma questão ecológica, mas também de saúde pública. Os oceanos desempenham um papel essencial na regulação climática e na manutenção da biodiversidade. Proteger a fauna marinha é garantir o equilíbrio ambiental e o bem-estar das futuras gerações.”
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O morticínio se torna ainda mais grave porque as tartarugas-marinhas funcionam como “espécies-sentinelas”. Elas ajudam os pesquisadores a obter informações sobre partes do ecossistema que não se revelam facilmente.
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O estudo Marine top predators as climate and ecosystem sentinels explica: “Os predadores marinhos de topo — como certos peixes, aves, tartarugas e mamíferos marinhos — atuam como sentinelas do ecossistema por serem fáceis de observar e por indicarem mudanças na estrutura e no funcionamento do ambiente que, de outro modo, passariam despercebidas”.
O lado positivo e negativo no Brasil
Este caso demonstra um lado positivo, e outro negativo, do Brasil. O fato positivo é que desde 2015, a legislação que rege a extração de recursos na Bacia de Santos, passou a exigir o monitoramento diário de praias (∼1490 km) no Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Paraná (PR) e Santa Catarina (SC) para encalhes de fauna. Todos os espécimes são necropsiados ou reabilitados.
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A opinião da especialista, Camila Domit
O Mar Sem Fim conversou com Camila Domit. Para a especialista os números de mortes ‘são alarmantes’. Desde o primeiro monitoramento os números crescem. De 2023 para 2024 houve mais de 100 novos encalhes, variando entre as espécies. Domit chama a atenção para o aumento de mortes da cabeçuda que já está na lista das espécies ameaçadas.
40 mil tartarugas-verdes mortas em oito anos!!
Camila nos trouxe outro dado estarrecedor: segundo ela, essas 40 mil mortes aconteceram ao longo de apenas oito anos, e se concentraram entre o sul do Rio de Janeiro e o norte de Santa Catarina. Perguntei se há estatísticas para todo o litoral, mas a resposta foi negativa. Mesmo assim, considerando a extensão limitada da área analisada, é provável que esse número represente apenas uma fração das mortes que ocorreram em toda a costa brasileira no mesmo período. É assustador.
Camila também contou que a maioria das vítimas são juvenis, e lembrou que esses animais levam cerca de 15 anos para atingir a fase reprodutiva. Por isso, as mortes que estamos vendo agora podem levar a um despovoamento de tartarugas marinhas no litoral do País num futuro muito próximo.
‘Nenhum governo do mundo dá atenção aos oceanos’
Perguntei se ela concorda que, no Brasil, o poder público ignora em grande parte o que acontece no litoral — nas esferas municipal, estadual e federal. Camila foi direta: “Nenhum governo do mundo dá atenção aos oceanos, exceto os países insulares, como as ilhas do Pacífico”. Uma afirmação dura, mas verdadeira — e triste.
Apesar de tudo, ela diz manter o otimismo, embora reconheça que “só olhamos para os oceanos no verão”. Para ela, a governança do mar e da zona costeira praticamente estagnou no Brasil. Camila se refere à perda de força dos programas Gerco e PEM – Planejamento Espacial Marinho, criados justamente para atender ao que determina a Constituição: que a zona costeira é “patrimônio nacional” e merece atenção especial do poder público quanto à ocupação e ao uso de seus recursos naturais — como destaca o próprio site do MMA.
Lei do Mar parada no Congresso há mais de dez anos
Camila chamou atenção para um problema antigo: há mais de dez anos o Congresso tenta aprovar a chamada Lei do Mar, que agora voltou ao debate, ‘mas está embaçada há mais de dez anos’. Ela também destacou uma grave lacuna na proteção da nossa costa: o Brasil não tem uma guarda-costeira, e a Marinha, segundo ela, não tem condições de assumir essa função — faltam equipes e equipamentos.
Apesar disso, Camila Domit demonstrou esperança com a Década do Oceano, uma iniciativa da ONU que busca mobilizar cientistas, legisladores, empresas e a sociedade civil em torno de um programa conjunto de pesquisa e inovação tecnológica para ampliar nosso conhecimento sobre os oceanos. Mas ela fez um alerta: ‘metade da década já passou’…
‘É preciso difundir a cultura oceânica, nossa vida depende dos oceanos e da zona costeira, nossa saúde também, se não fizermos isso, continuaremos a bater a cabeça’.
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