Zona costeira brasileira, agora a ameaça vem do Senado
Em março de 2022 publicamos o post Terrenos de marinha, PEC ameaça zona costeira. Comentamos o perigo que corre a zona costeira brasileira depois que a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda à Constituição de Alceu Moreira (MDB-RS). A PEC aprovou o repasse a Estados e municípios, sem ônus, da propriedade dos terrenos de marinha hoje pertencentes à União. Na época, mostramos que isto equivale à passada da boiada para a especulação imobiliária, maior chaga do litoral. Entretanto, a PEC Nº 3/2022 agora está no Senado, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e tem como relator Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Consequentemente, o perigo aumentou.
A Cancún brasileira
Como se sabe, o compromisso ambiental deste governo é nulo. Não por outro motivo, maus tratos ambientais, o Brasil hoje é um país pária perante a comunidade internacional. Nossos biomas terrestres nunca foram tão maltratados. Além disso, desde 2019 a legislação ambiental sofre um desmonte sem paralelo na história.
Agora, o mesmo pode acontecer com a zona costeira, especialmente porque a PEC que repassa os terrenos de marinha está na mão de ninguém menos que o senador Flávio Bolsonaro cujo pai sonha com uma Cancún brasileira.
Terrenos de Marinha e a PEC Nº 3/2022 no Senado
A PEC foi desengavetada por Arthur Lira (PP-AL) no mesmo momento em que o lobby dos jogos de azar começou a agir para liberá-los. Não é, portanto, mera coincidência. Para piorar, encontra-se igualmente no Senado aguardando apreciação o Projeto de Lei 3729/2004 que ‘flexibiliza’ o Licenciamento Ambiental.
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Na opinião de ambientalistas se a ‘flexibilização’ passar no Senado ‘seria um retrocesso de 40 anos’. Agora, imagine se os dois projetos passarem. Será o começo da privatização definitiva do litoral. De acordo com a PEC Nº 3/2022, apenas as unidades de conservação, áreas usadas pelo serviço público federal, e os terrenos não ocupados manteriam o domínio da União.
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Apesar da PEC ser controversa, mesmo para certos setores do governo, o fato do relator ser o filho do presidente é um agravante. Como se sabe, o presidente não aceita controvérsias. Demite.
A especulação imobiliária no litoral brasileiro
Apesar da legislação ambiental, na zona costeira quem manda é a especulação imobiliária. Ela não poupa topos ou encostas de morros, construções em costões, dunas, ou falésias, e até mesmo o corte da Mata Atlântica, mangues ou restingas ‘protegidos’ pela legislação.
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Terrenos de marinha, entenda
De acordo com o site jusbrasil, em artigo de Matheus Barcelos Martins, ‘Os “terrenos de marinha” são imóveis de propriedade da União – em alguns casos a propriedade pertence aos Estados e aos Municípios – que são medidos a partir da linha do preamar médio de 1831 até 33 metros para o continente ou para o interior das ilhas costeiras com sede de município. Além das áreas ao longo da costa, também estão inclusas as margens de rios e lagoas que sofrem influência de marés’.
É óbvio que este padrão é arcaico, obsoleto, e merecia ser revisto. Mas não foi o que aconteceu. Houve, acima de tudo, nova passada da boiada. Os ocupantes particulares poderão comprar as áreas em um prazo de dois anos. Já os espaços públicos federais usados por Estados ou municípios serão doados aos respectivos entes.
De acordo com o governo, existem cerca de 500 mil imóveis no país classificados como terrenos de marinha. Serão estes os primeiros a sofrerem as consequências.
Quem está a favor do projeto que repassa os Terrenos de Marinha
Infelizmente, setores fortes economicamente, e articulados em suas preferências. Antes de mais nada, o lobby dos jogos de azar que não vê a hora da aprovação de cassinos em resorts e hotéis. E além disso, ainda a indústria do turismo e o setor imobiliário.
Mesmo sem este projeto, a decadência do litoral é fato. Além disso, está sendo tragado pela subida do nível do mar. Um patrimônio, ‘protegido’ pela Constituição, ao deus-dará. Não há estado costeiro que não enfrente o problema.
Se a boiada passar não temos dúvida que será o fim da zona costeira tal qual a conhecemos. É preciso imediata reação da sociedade antes que seja tarde demais. Mas, enquanto o desprezo e a destruição da biodiversidade avança, um país da América do Sul faz bonito e torna-se referência mundial: Colômbia é o primeiro país a proteger 30% dos oceanos.